A morte de Nelson Mandela
| tradução Eduardo Rodrigues
Escrito por Miguel Lamas, jornal "O Socialista" 12/12/13, de Izquierda Socialista, seção Argentina da Unidade Internacional dos Trabalhadores – Quarta Internacional.
Quase não houve líder da política mundial imperialista e até do empresariado mundial, que não tenha expressado uma grande admiração pelo recém falecido líder sul-africano Nelson Mandela. Na época do Apartheid, muitos deles estavam apoiando o seu encarceramento. Que agora rendam homenagens também mostra as duas caras da trajetória de Mandela. A da luta revolucionária contra o regime racista e, mais tarde, a de sustentáculo do capitalismo na África do Sul.
Todos o elogiam porque, dizem eles, soube "reconciliar" os brancos e negros na África do Sul.
Mas nem todos o lamentaram pela mesma razão. A maioria negra (80% de 50 milhões de habitantes) venera Mandela como um libertador, um herói nacional que liderou a luta contra o sinistro regime racista do apartheid.
O apartheid
O regime do apartheid (separação) foi imposto pela minoria branca colonialista descendente de ingleses e holandeses que haviam colonizado o país desde o século XVII. Os negros não tinham direito ao voto, não podiam entrar em bairros brancos, nem em hotéis, escolas, hospitais ou transportes "para brancos". Em 300 anos de colonialismo haviam sido despojados de quase tudo: as melhores terras e a propriedade das minas e fábricas estava (e ainda está) nas mãos dos brancos. Aos negros se reservou o papel de mão de obra barata.
Por ter liderado a luta revolucionária nacionalista negra, liderando o Congresso Nacional Africano (CNA), Mandela foi preso durante 27 anos, desde 1963 à 1990, entre os 44 e os 72 anos de idade. A rebelião dos negros, liderada pelo CNA e a central operária COSATU, que incluiu a resistência armada, foi sangrentamente reprimida, milhares de ativistas negros foram presos, torturados e assassinados. Mesmo assim a rebelião não se deteve e conseguiu apoio mundial, dos povos africanos e dos afro-norteamericanos, que realizaram um boicote planetário contra o regime racista. Mandela, encabeçando o CNA, foi o grande líder da revolução para destruir a ditadura do apartheid. Por esse fato Mandela foi amado por seu povo. Contudo, e com a influência do Partido Comunista Sul-Africano e o castrismo, já dizia que seu objetivo não era uma revolução socialista.
Queda do apartheid
Em 1990, o regime do apartheid foi isolado internacionalmente, diante de uma rebelião negra imparável. Em 1990, Mandela, ainda preso, pediu para se encontrar com Frederick Le Klerk, chefe do governo racista, e propôs um acordo para que o libertassem da prisão: suprimir o regime do apartheid e convocar eleições com base em "um homem, um voto", a consigna democrática negra. Em troca, Mandela se comprometeu a garantir as propriedades dos brancos e deixar impune o genocídio contra os negros. Mandela explicou a Le Klerk que essa era a única maneira de "reconciliar" brancos e negros, e que, caso não aceitasse esse acordo, a revolução negra seria imparável e os capitalistas racistas brancos perderiam tudo. Le Klerk aceitou o acordo.
A queda do apartheid não foi uma concessão generosa de Le Klerk, mas um triunfo revolucionário das massas negras. Mas, com o acordo com Mandela, conseguiram impedir o desenvolvimento da revolução até seu cume, o que significava a expropriação de terras e minas que os colonizadores brancos tinham roubado do povo negro. Impediram a vitória de uma revolução socialista. O acordo foi uma traição a essa luta. Assim, Mandela e o CNA no governo, desempenharam o mesmo papel que na Nicarágua cumpriu o sandinismo quando derrubou Somoza em 1979, ou Chávez na Venezuela, Evo Morales na Bolívia, o PT de Lula no Brasil. Ao serem direções partidárias da conciliação de classes, para manutenção do capitalismo, por serem "parceiros das transnacionas" (como disse Evo Morales), traíram os objetivos sociais da revolução, pactuando com os capitalistas. No caso da África do Sul, com os capitalistas brancos.
O CNA ganha as eleições
Foi assim que, em 1994, o CNA venceu as eleições levando Nelson Mandela à presidência, que incluiu em seu governo o antigo chefe racista Frederico Le Klerk.
Uma minoria de capitalistas negros, a maioria deles novos ricos líderes do CNA, puderam acessar a lugares anteriormente proibidos. Mas praticamente não houve nenhuma mudança em relação ao poder econômico monopolizado pelos brancos que seguem sendo donos das terras, minas, fábricas e grandes cadeias comerciais. Chegando à África do Sul de hoje, um país com igualdade jurídica, mas com a maior desigualdade social do mundo, com 50% de pobres (quase todos negros) e 12% do povo com AIDS.
O próprio governo de Mandela começa a aplicar um duro plano neoliberal. Os negros que antes não tinham acesso a hospitais ou escolas para brancos, agora tampouco podem fazê-lo. Porque foram privatizados e seu preço é proibitivo. Em 1999, termina o mandato de Mandela, que se retira. Os presidentes que o sucedem, também do CNA, Thabo Mbeki e logo o atual Jacob Zuma, aprofundaram o modelo capitalista neoliberal.
A "reconciliação" fracassou
No funeral de Mandela o atual presidente negro Jacob Zuma, do partido de Mandela, foi vaiado. O desastre social produzido pelo capitalismo, ainda dominado por brancos, trouxe de novo a maioria negra à uma nova revolução. Assim é demonstrado pelas grandes greves dos últimos dois anos. Uma greve emblemática foi a da mina de platina Marikana, no ano passado, onde 34 mineiros foram assassinados por negros comandados por brancos. As imagens abalaram o país porque pareciam ter saído dos tempos do apartheid. O forte movimento operário negro está se reorganizando e em muitos sindicatos se abriu uma dura luta contra a burocracia sindical que responde ao CNA.
Este ano, durante dois meses, havia centenas de milhares de trabalhadores em greve, na construção civil, metalurgia, mineração e funcionários públicos. O NUMSA, sindicato metalúrgico com 400.000 trabalhadores, liderou uma das greves mais duras e ameaçou retirar o apoio ao governo nas próximas eleições. Este fato por si só abre a discussão sobre a necessidade de uma alternativa política dos trabalhadores para conduzir uma nova revolução socialista que liquide o poder capitalista na África do Sul.