“A política de frente ampla nas eleições municipais levará a colaboração de classes às últimas consequências”

Entrevistamos Plinio de Arruda Sampaio Jr, economista e editor do Contrapoder sobre a situação política, a luta de classes e as eleições de 2024.
Confira:

Combate Socialista: Qual sua visão do primeiro ano de mandato da frente ampla de Lula/Alckmin?

Plinio Jr: Tendo como referência o slogan “União e Reconstrução”, o primeiro ano do governo Lula ficou muito aquém do que seria necessário para cumprir seus objetivos. Sem reverter nenhuma das mudanças estruturais promovidas pelos governos Temer e Bolsonaro, que aprofundaram qualitativamente o caráter neoliberal do Estado brasileiro, a administração Lula/Alckmin apenas arrefeceu o ritmo e a intensidade dos golpes contra a classe trabalhadora.

Na economia, o Novo Arcabouço Fiscal de Fernando Haddad – uma exigência do grande capital – inviabilizou irremediavelmente qualquer possibilidade de colocar o pobre no orçamento – uma das principais promessas de campanha. As novas regras, que limitam drasticamente a capacidade de gasto público do Estado, enquadram-se perfeitamente na filosofia de Estado mínimo do famigerado Teto de Gasto de Temer. A Reforma Tributária, tão comemorada pelas associações empresariais país afora, não toca nos dois principais problemas do sistema tributário brasileiro: a injustiça fiscal e a baixa arrecadação tributária em face às necessidades financeiras das políticas públicas. O novo PAC é um mero factoide. A arquitetura da administração macroeconômica, organizada em torno do tripé formado pelas metas de inflação, busca de superávits fiscais e câmbio flutuante, permaneceu incólume. Continua, como consequência, a sangria provocada pelas despesas financeiras com a gestão da dívida pública – a grande responsável pela crise financeira do Estado.

Na política, onde se poderia esperar alguma ousadia, o governo Lula primou pela covardia. Para além do alívio que significa não ter um presidente que conspira dia e noite contra o Estado de direito, as continuidades são evidentes. Não houve mudança no pacto de poder que condiciona as bases sociais e políticas de Estado. O governo federal permanece refém do fisiologismo do Centrão. Assim como Ciro Nogueira mandava no governo Bolsonaro, ninguém duvida que Arthur Lira seja o homem forte do governo Lula. Em relação à tutela militar, o máximo que se conseguiu foi torná-la mais discreta. Ainda que Lula tenha nomeado um civil para o Ministro da Defesa, José Mucio não passa de um menino de recado entre o presidente e as Forças Armadas. A impotência do GSI e da ABIN nos episódios do 08 de janeiro e sua cumplicidade no caso do escândalo da “ABIN Paralela” são exemplos gritantes de que o governo Lula não controla os aparelhos de informação do Estado.

Mesmo em áreas onde se esperaria alguma mudança de rumo, a administração Lula/Alckmin revelou-se surpreendentemente reacionária. Para além da retórica “progressista” para inglês ver, a relutância em revogar a reforma trabalhista, a reforma da Previdência de Bolsonaro e a reforma educacional ultraliberal corporificada no NEM – Novo Ensino Médio – evidencia que o governo Lula aceita os ataques contra os trabalhadores como um fato consumado. Mesmo a capacidade da nova administração de conter a ofensiva do capital sobre o trabalho e o meio ambiente é bastante limitada, como ficou patente no “veto fake” ao Marco Temporal, que deixa as terras indígenas expostas a novas grilagens, e nos planos de extração de petróleo na Foz do Amazonas.

CS: Qual o impacto dessa linha de colaboração de classes nas lutas contra a extrema direita?

PJ: A crise política-institucional está longe de ser resolvida. Na melhor das hipóteses, o governo Lula conseguiu obter uma precária trégua na escalada autoritária. Sem atacar os condicionantes objetivos e subjetivos responsáveis pelo avanço da ultradireita – a escalada da barbárie capitalista e a ausência de uma política anticapitalista – é impossível imaginar que se possa evitar suas consequências – a necessidade de um padrão de dominação burguês cada vez mais autoritário.

Ao fomentar o imobilismo social e identificar o Estado de direito com o status quo, bloqueando qualquer possibilidade de uma solução democrática, impulsionada de baixo para cima, para a crise civilizatória que envenena a vida nacional, a política de colaboração de classe deixa a avenida aberta para que a ultradireita se apresente como única alternativa antissistemica. Para além dos problemas políticos e legais da família Bolsonaro, a ultradireita permanece em plena ofensiva ideológica e política. Ela cresce impulsionada pela enorme frustração gerada pela desilusão em relação a completa incapacidade de os governos conservadores de colaboração de classes resolverem os problemas mais elementares da população.

CS: Qual sua opinião sobre a frente ampla nas eleições municipais de 2024?

PJ: A política de frente ampla nas eleições municipais levará a colaboração de classes às últimas consequências. Todos os efeitos perversos dessa política serão potencializados. O pleito municipal será um vale tudo que intensificará o descrédito da política e dos políticos. Estamos assistindo à completa descaracterização ideológica da esquerda da ordem. A chapa Boulos-Marta em São Paulo é um exemplo emblemático. Para a burguesia, a frente ampla é uma garantia de que não haverá questionamento à agenda do capital. É provável que renda votos e cargos para o PT e para o PSOL, mas a médio e longo prazos, reforçará a direita da ordem, a crise política-institucional e, pior, a direita contra a ordem.

CS: O que avalia sobre a ideia de uma frente eleitoral envolvendo UP, PCB, PCB-RR, PSTU e outras organizações?

PJ: Sem fundos públicos e sem acesso aos meios de comunicação de massa, a esquerda contra a ordem encontra-se completamente neutralizada como força eleitoral. As regras do jogo eleitoral tendem a agravar essa situação. Nessas condições, a participação nas eleições torna-se um mero ritual sem nenhuma possibilidade de incidir nos rumos da luta de classes.

Para sair da estaca zero, a esquerda revolucionária precisa construir força mínima. Daí, a necessidade da unidade de suas diferentes organizações em todas as dimensões da luta social e política. Fragmentada e dispersa, a esquerda socialista desperdiçará a oportunidade de discutir com a população os problemas dos trabalhadores e suas possíveis soluções. É preciso pautar o debate sobre a crise estrutural do capitalismo e a urgência de mudanças estruturais em todas as dimensões da sociedade.

Mais do que uma montar uma frente eleitoral para participar de um jogo de cartas marcadas, talvez seja o caso de apresentar anticandidaturas, por fora da institucionalidade falida de um arremedo de República Nova, construído de maneira espúria sobre os escombros da Nova República. Sem denunciar a total impossibilidade de resolver as mazelas do povo por dentro do neoliberalismo desenfreado e sem apresentar alternativas concretas, que respondam às necessidades imediatas dos trabalhadores, tendo como norte a busca da igualdade substantiva, é simplesmente impossível não ser tragado pelo pântano da política convencional.

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