Contra virulência do capitalismo de Milei, uma Argentina que deseja ir além do peronismo

Gabriel Brito, da Redação do Correio da Cidadania

O mundo ob­serva com atenção o ex­pe­ri­mento “anar­co­ca­pi­ta­lista” con­du­zido por Ja­vier Milei na Ar­gen­tina. Cinco meses após sua as­censão à pre­si­dência, os re­sul­tados so­ci­o­e­conô­micos são de­sas­trosos, mas os pro­pri­e­tá­rios da de­mo­cracia li­beral e seus apa­ratos de con­ven­ci­mento tentam dourar a pí­lula e des­tacar nú­meros frios que em nada dizem res­peito ao ci­dadão comum. É sobre este quadro de aguda crise que o Cor­reio da Ci­da­dania en­tre­vista o de­pu­tado ar­gen­tino Juan Carlos Gi­or­dano, da Iz­qui­erda So­ci­a­lista, bloco po­lí­tico que se propõe al­ter­na­tiva a um país que pa­rece viver em crise per­ma­nente.

Na en­tre­vista, Gi­or­dano des­taca que o ca­ráter das me­didas de Milei é ine­qui­vo­ca­mente au­to­ri­tário e, o prin­cipal, be­ne­ficia as ve­lhas elites na­ci­o­nais. Aqui, mais uma vez o dis­curso ra­dical de di­reita “an­tis­sis­tema” se mostra uma imensa fraude, que ra­pi­da­mente se des­gasta pe­rante a opi­nião pú­blica. So­mente nos pró­ximos dias, es­tu­dantes pro­metem uma marcha mas­siva e o mo­vi­mento sin­dical pla­neja greve para 9 de maio, a se­gunda grande pa­ra­li­sação no breve man­dato do atual pre­si­dente.

“Milei ataca o mo­vi­mento tra­ba­lhista, a classe média e também pe­quenas e mé­dias em­presas e eco­no­mias re­gi­o­nais. Isso causou um choque com os go­ver­na­dores ‘amigos’, que não apro­varam a lei ‘ônibus’ e levou o Se­nado a re­jeitar o DNU (De­creto de Ne­ces­si­dade e Ur­gência). Nin­guém se ar­risca, neste ce­nário, a anun­ciar grandes “in­ves­ti­mentos”, ex­ceto para o saque do lítio ou coisas do tipo”, pon­tuou (quanto a isso, va­leria ob­servar os pró­ximos passos da apro­xi­mação entre Milei e Elon Musk, maior bi­li­o­nário do pla­neta que acaba de en­trar em rota de co­lisão com o Es­tado bra­si­leiro e cujo in­te­resse por mi­ne­rais crí­ticos, como o lítio, abun­dante na Ar­gen­tina, é no­tório).

De toda forma, é ne­ces­sário com­pre­ender a razão de a Ar­gen­tina ter se tor­nado mais um país cuja crise es­tru­tural ca­pi­ta­lista levou as pes­soas a op­tarem por uma al­ter­na­tiva ainda mais ra­dical de ca­pi­ta­lismo e suas re­la­ções so­ciais e econô­micas. O fra­casso pe­ro­nista é evi­dente e, como ex­plica Gi­or­dano, o go­verno de Al­berto Fer­nandez, além de sua ban­cada opo­si­ci­o­nista co­man­dada por Cris­tina Kir­chner, re­petem o que con­si­dera um jogo hi­pó­crita dos go­vernos pro­gres­sistas da Amé­rica La­tina: so­ci­al­de­mo­cratas no dis­curso, ne­o­li­be­rais na prá­tica.

“O pe­ro­nismo na opo­sição está se re­or­ga­ni­zando. A CGT teve de de­clarar a pri­meira greve e no par­la­mento, o pe­ro­nismo vota contra as leis de Milei. Cris­tina Kir­chner com­bina al­gumas crí­ticas ao plano do go­verno, en­quanto faz gestos a Milei, pro­pondo até uma re­forma tra­ba­lhista e a pri­va­ti­zação de em­presas es­ta­tais. Mantém o seu dis­curso duplo, contra o ‘ne­o­li­be­ra­lismo’, o ‘Es­tado pre­sente’, ‘a re­dis­tri­buição da ri­queza’, mas sua po­lí­tica cen­tral é deixar que Milei con­tinue se des­gas­tando en­quanto se pre­para para as pró­ximas elei­ções.

Como ex­plica Gi­or­dano, o im­pacto das me­didas de Milei foi tão vi­o­lento que a re­ação po­pular e seus pro­testos mas­sivos foram os mais rá­pidos da his­tória ar­gen­tina. Mas é hora de se ar­qui­tetar pro­jetos de poder e go­ver­nança que vão além do pro­posto pelo pe­ro­nismo. Mais ex­pli­ci­ta­mente, passa da hora de se perder o medo de de­fender al­ter­na­tivas so­ci­a­listas. A Ar­gen­tina de Milei é o novo la­bo­ra­tório do li­be­ra­lismo au­to­ri­tário que sa­bota as con­di­ções de vida das mai­o­rias. Seu en­fren­ta­mento, por­tanto, não po­deria ser co­me­dido.

“O mais im­por­tante é que há uma grande mu­dança, porque co­meçou um au­mento da con­fron­tação so­cial que cer­ta­mente se in­ten­si­fi­cará. Além disso, há con­flitos entre se­tores pa­tro­nais, mais crise po­lí­tica, cres­cente des­gaste do go­verno e perda de ex­pec­ta­tivas po­pu­lares. É pre­ciso ver se o go­verno, di­ante de novos re­veses le­gis­la­tivos ou po­lí­ticos, to­mará me­didas mais an­ti­de­mo­crá­ticas. Até agora, tem mos­trado uma grande fra­queza es­tru­tural para impor seu plano geral di­ante de uma classe tra­ba­lha­dora que não está der­ro­tada e está lu­tando. A ta­refa da es­querda é apoiar as lutas, co­or­dená-las, for­ta­lecer o sin­di­ca­lismo com­ba­tivo e pos­tular que a saída virá com um plano econô­mico com­ple­ta­mente oposto”.

Leia a en­tre­vista com­pleta com o de­pu­tado ar­gen­tino Juan Carlos Gi­or­dano.

Cor­reio da Ci­da­dania: O que po­demos re­sumir dos pri­meiros meses de man­dato de Ja­vier Milei? Quais são os pri­meiros re­sul­tados?

Juan Carlos Gi­or­dano: Após 100 dias da posse do go­verno ul­tra­di­rei­tista e au­to­ri­tário de Milei, os re­sul­tados para o povo tra­ba­lhador já eram de­sas­trosos. Por isso co­meçou um pro­cesso de lutas muito im­por­tantes, iné­ditas para tão pouco tempo de novo go­verno. Até mesmo a The Eco­no­mist pu­blicou um ar­tigo in­ti­tu­lado “Os 100 bru­tais dias de Ja­vier Milei”.

Há es­tag­flação, re­cessão com alta in­flação. A po­breza passou de 45% para 60% (70% em cri­anças e ado­les­centes). A perda sa­la­rial e de apo­sen­ta­doria é a pior dos úl­timos 30 anos. Milei as­sumiu e a pri­meira coisa que fez foi des­va­lo­rizar a moeda em 118% e dar li­ber­dade de preços, le­vando a uma in­flação de 25% em de­zembro, 20% em ja­neiro e 13,2% em fe­ve­reiro. E como todo plano de ajuste brutal não passa sem re­pressão, ele tentou aplicar um pro­to­colo “an­ti­blo­queio”, que im­pede ma­ni­fes­ta­ções nas ruas (apenas nas cal­çadas), com um des­lo­ca­mento in­comum de agentes em cada pro­testo. Es­tamos di­ante de um go­verno ad­mi­rador de Bol­so­naro, Trump e que vi­ajou a Is­rael para se abraçar com o as­sas­sino Ne­tanyahu no meio do ge­no­cídio que está per­pe­trando contra a Pa­les­tina.

Di­ante disso, em 20 de de­zembro co­me­çaram as mo­bi­li­za­ções, os pa­ne­laços e foi ar­ran­cada uma greve geral das cen­trais sin­di­cais pe­ro­nistas CGT-CTA em 24 de ja­neiro, que foi bem-su­ce­dida, com mi­lhares nas ruas. Em se­guida, ocorreu o 8 de março mas­sivo do mo­vi­mento das mu­lheres e neste 24 de março houve um re­púdio mas­sivo com as mar­chas de massa pelo 48º ani­ver­sário do golpe mi­litar ge­no­cida d 1976.

Cor­reio da Ci­da­dania: Como va­lorar os elo­gios, ainda que tí­midos e em lin­guagem vaga, de se­tores li­gados ao mer­cado, que falam em re­cu­perar “graus de in­ves­ti­mento”, “atingir dé­ficit zero” e coisas do tipo?

Juan Carlos Gi­or­dano: Os grandes em­pre­sá­rios, os bancos, as mul­ti­na­ci­o­nais e o FMI apoiam o plano de saque de Milei. São os be­ne­fi­ciá­rios do ajuste ul­tra­di­rei­tista. No en­tanto, eles estão muito pre­o­cu­pados com os pro­blemas que um go­verno recém-as­su­mido já en­frenta. Até mesmo fun­ci­o­ná­rios do FMI du­vidam se esse ajuste po­derá ser man­tido ao longo do tempo. Por exemplo, o dé­ficit zero foi al­can­çado em ja­neiro e fe­ve­reiro, mas à custa de cortes de 45% nas apo­sen­ta­do­rias, eli­mi­nação de obras pú­blicas em todo o país e não trans­fe­rência de fundos para as pro­vín­cias. O go­verno até mesmo re­tirou a co­mida de 45.000 re­fei­tó­rios po­pu­lares.

Milei ataca o mo­vi­mento tra­ba­lhista, a classe média e também pe­quenas e mé­dias em­presas e eco­no­mias re­gi­o­nais. Isso causou um choque com os go­ver­na­dores “amigos”, que não apro­varam a lei “ônibus” e levou o Se­nado a re­jeitar o DNU (De­creto de Ne­ces­si­dade e Ur­gência). Nin­guém se ar­risca, neste ce­nário, a anun­ciar grandes “in­ves­ti­mentos”, ex­ceto para o saque do lítio ou coisas do tipo.

Eles dizem a Milei “man­tenha o ajuste ao longo do tempo e de­pois ve­remos”. Além disso, já sa­bemos que se houver algum in­ves­ti­mento, será para os lu­cros ca­pi­ta­listas, não para trazer uma luz no fim do túnel, como o go­verno diz fal­sa­mente.

Cor­reio da Ci­da­dania: Qual a per­cepção po­pular do Go­verno após os fortes e rá­pidos surtos de pro­testo?

Juan Carlos Gi­or­dano: O go­verno alega que ob­teve 56% dos votos no se­gundo turno elei­toral para aplicar o ajuste. Diz que nunca acon­teceu de um go­verno pro­meter um ajuste e as pes­soas vo­tarem nele. Mas tudo é mais con­tra­di­tório. Em­bora Milei man­tenha uma imagem po­si­tiva, muitos co­meçam a dizer “eu não votei nisso”. Muitos tra­ba­lha­dores que vo­taram em Milei, por exemplo, são os pri­meiros a fazer greves por au­mento sa­la­rial.

O go­verno se apre­sentou como “novo”, disse que a elite e os po­lí­ticos iriam pagar pelo ajuste, que com­ba­teria a in­flação e iludiu muitos tra­ba­lha­dores e jo­vens com a do­la­ri­zação. Mas agora eles veem que é o povo tra­ba­lhador que está pa­gando pelo ajuste. A “mu­dança fa­vo­rável” pro­me­tida não está acon­te­cendo; 70% con­si­deram que sua si­tu­ação econô­mica pi­orou desde a posse do go­verno.

O trá­gico é que di­ante do de­sastre do go­verno pe­ro­nista an­te­rior (e dos an­te­ri­ores), mi­lhões de tra­ba­lha­dores e jo­vens vo­taram er­ro­ne­a­mente em um ul­tra­di­rei­tista, can­sados da de­ca­dência do país. Houve uma vi­rada à di­reita nas elei­ções, com todas essas con­tra­di­ções. Mi­lhões con­si­de­raram que era pre­ciso votar em Milei para se li­vrar do pe­ro­nismo, mas sem con­cordar com toda a sua po­lí­tica. Por isso, a imagem po­si­tiva di­mi­nuiu, quando todos os go­vernos cres­ciam em seus pri­meiros meses. O ódio ao go­verno an­te­rior é hoje o prin­cipal ponto de força deste go­verno. Cer­ta­mente, à me­dida que o ajuste avance, iremos ver uma maior de­cepção e de­sen­canto dos tra­ba­lha­dores que vo­taram em Milei.

Cor­reio da Ci­da­dania: O que levou à queda da lei do ônibus, pa­co­taço de me­didas ex­cep­ci­o­nais que Milei tentou im­plantar logo de saída?

Juan Carlos Gi­or­dano: A lei ônibus caiu. Em­bora tenha sido apro­vada em geral na Câ­mara dos De­pu­tados, na mesma sessão o go­verno teve que re­tirá-la di­ante da re­jeição dos pri­meiros ar­tigos pela opo­sição dos par­tidos pa­tro­nais ‘amigos’ do go­verno e após a pri­meira greve geral en­fren­tada pelo go­verno 45 dias de­pois de as­sumir. Foi uma vi­tória po­pular, com mi­lhares de ma­ni­fes­tantes em frente ao Con­gresso e a es­querda par­ti­ci­pa­tiva.

A lei ônibus tinha 664 ar­tigos. De­le­gava po­deres para que o Exe­cu­tivo go­ver­nasse por de­creto. Previa o fe­cha­mento de or­ga­nismos es­ta­tais com mi­lhares de de­mis­sões, ata­cava as apo­sen­ta­do­rias, o di­reito à edu­cação pú­blica, a au­to­nomia uni­ver­si­tária, dava li­ber­dade para con­ti­nuar com a es­po­li­ação po­lu­ente, per­mi­tindo o des­ma­ta­mento e a mi­ne­ração em áreas pe­ri­gla­ciais. Agora, o go­verno en­viou outra lei mais res­trita, mas igual­mente pre­ju­di­cial.

Parte do pa­cote an­ti­po­pular também está no De­creto de Ne­ces­si­dade e Ur­gência (DNU) que foi re­jei­tado no Se­nado, em­bora ainda es­teja vi­gente. Um me­ga­de­creto in­cons­ti­tu­ci­onal com 366 ar­tigos que al­tera 300 leis, re­ti­rando di­reitos his­tó­ricos da classe tra­ba­lha­dora, re­vogou a lei de alu­guéis, au­to­riza a pri­va­ti­zação da YPF, Ae­ro­lí­neas, Banco Na­ción, Fer­ro­vias e até mesmo dispõe a trans­for­mação de clubes es­por­tivos em So­ci­e­dades Anô­nimas.

A lei ônibus caiu após a greve geral da CGT em ja­neiro, por isso es­tamos exi­gindo que seja con­vo­cada outra greve geral e um plano de luta na­ci­onal CGT-CTA para der­rotar o con­junto do plano mo­tos­serra de Milei.

Cor­reio da Ci­da­dania: Existem res­tri­ções ob­je­tivas ao di­reito de or­ga­ni­zação e ma­ni­fes­tação pelo atual go­verno?

Juan Carlos Gi­or­dano: Sim, existem res­tri­ções ob­je­tivas ao di­reito à livre or­ga­ni­zação e ma­ni­fes­tação po­lí­tica. O plano de Milei é re­pres­sivo e ataca o di­reito ao pro­testo e ou­tras li­ber­dades de­mo­crá­ticas. Com o pro­to­colo da mi­nistra Bull­rich, ele tenta im­pedir as mar­chas nas ruas. No en­tanto, isso está fra­cas­sando. Apesar da re­pressão, já ocor­reram grandes mar­chas nas ruas que não pu­deram ser evi­tadas, como o grande 8 de março pro­ta­go­ni­zado pelo mo­vi­mento das mu­lheres e o 24 de março mas­sivo em um novo ani­ver­sário do golpe mi­litar, entre ou­tras ações.

Ini­ci­al­mente, con­si­de­rava-se crime a reu­nião de duas ou mais pes­soas, algo que só ocorre em es­tados de sítio. Impôs multas mi­li­o­ná­rias às or­ga­ni­za­ções so­ciais que mo­bi­li­zaram. Le­gi­tima-se a exe­cução su­mária po­li­cial. Agora, anun­ciou o envio de uma lei para que as Forças Ar­madas in­ter­ve­nham na “se­gu­rança” in­terna (algo proi­bido) e de­cidiu au­mentar as penas para prender os lí­deres das or­ga­ni­za­ções so­ciais que re­a­lizam mar­chas e blo­queios de ruas. Tudo isso levou a um 24 de março mas­sivo, re­sul­tando em um duro revés para o go­verno.

Cor­reio da Ci­da­dania: Como des­cre­veria a pos­tura da cha­mada di­reita tra­di­ci­onal? Ela se adaptou ao go­verno anar­co­ca­pi­ta­lista ou há algum dis­tan­ci­a­mento entre os di­fe­rentes par­tidos de di­reita?

Juan Carlos Gi­or­dano: Milei ga­nhou no pri­meiro turno com 30% dos votos. De­pois, chegou a 56% no se­gundo turno com o apoio da can­di­data der­ro­tada do PRO e atual Mi­nistra de Se­gu­rança, Pa­tricia Bull­rich, e do ex-pre­si­dente Mau­ricio Macri. Parte da cha­mada di­reita tra­di­ci­onal, agru­pada em ou­tros se­tores, também apoiou o go­verno. Mas quando se es­pe­rava que eles apoi­assem as me­didas do go­verno, al­gumas coisas mu­daram. O go­verno en­trou em choque com os go­ver­na­dores. Tratou o Con­gresso como um “ninho de ratos” e os de­pu­tados que vo­taram contra como “trai­dores” e coisas do tipo.

O go­verno é ul­tra­di­rei­tista e Milei se au­to­de­no­mina anar­co­ca­pi­ta­lista, ou seja, não re­co­nhece ao Es­tado quase ne­nhum papel, nem mesmo aqueles que qual­quer de­mo­cracia ca­pi­ta­lista tem (emissão de moeda pró­pria, ser­viços so­ciais bá­sicos). Uma ver­da­deira utopia, in­viável. Até existe um livro que des­creve o fi­asco do ex­pe­ri­mento li­ber­tário-anar­co­ca­pi­ta­lista apli­cado em 2004 em Grafton, uma ci­dade dos Es­tados Unidos, que levou ao de­sastre.

Cor­reio da Ci­da­dania: Como você vê o campo pe­ro­nista? Por que, afinal, Sergio Massa não con­se­guiu con­vencer os elei­tores a vo­tarem nele?

Juan Carlos Gi­or­dano: O pe­ro­nismo saiu der­ro­tado. Em 2019, pediu votos para en­frentar “a di­reita” de Macri e quando Al­berto Fer­nández, Cris­tina Kir­chner e Sergio Massa ga­nharam, dei­xaram o país em es­tado de de­sastre em seus quatro anos de go­verno, re­sul­tado do pacto as­si­nado com o FMI, le­vando a po­breza a 45% e a uma in­flação de 211%. Mesmo assim, muitos vo­taram neles, mesmo que “ta­pando o nariz” para que Milei não ven­cesse, mas não foi su­fi­ci­ente. O pe­ro­nismo criou o am­bi­ente para que Milei ga­nhasse. Até mesmo se com­provou que ofe­receu can­di­datos e re­gis­tros elei­to­rais para o grupo La Li­bertad Avanza. Da­niel Scioli, ex-em­bai­xador de Al­berto Fer­nández e Cris­tina Kir­chner no Brasil, agora se aliou a Milei.

Agora, o pe­ro­nismo na opo­sição está se re­or­ga­ni­zando. A CGT teve de de­clarar a pri­meira greve e no par­la­mento, o pe­ro­nismo vota contra as leis de Milei. Cris­tina Kir­chner com­bina al­gumas crí­ticas ao plano do go­verno, en­quanto faz gestos a Milei, pro­pondo até uma re­forma tra­ba­lhista e a pri­va­ti­zação de em­presas es­ta­tais. Mantém o seu dis­curso duplo, contra o “ne­o­li­be­ra­lismo”, o “Es­tado pre­sente”, “a re­dis­tri­buição da ri­queza”, mas sua po­lí­tica cen­tral é deixar que Milei con­tinue se des­gas­tando en­quanto se pre­para para as pró­ximas elei­ções.

Mi­lhares de lu­ta­doras e lu­ta­dores veem que o en­fren­ta­mento con­sis­tente contra Milei está sendo pro­posto pelo sin­di­ca­lismo com­ba­tivo e pela es­querda. Nesse con­texto, desde a Iz­qui­erda So­ci­a­lista, de­fen­demos a mais ampla uni­dade de todos os se­tores para der­rotar o plano de Milei, por isso exi­gimos uma nova greve geral da CGT pe­ro­nista, en­quanto cha­mamos aqueles que se sentem ór­fãos do pe­ro­nismo a se jun­tarem à luta diária contra Milei.

Cor­reio da Ci­da­dania: Não é ne­ces­sário que o país tenha op­ções pro­gres­sistas além do pe­ro­nismo? O que ex­plica que tantos se­tores pro­gres­sistas ar­gen­tinos per­ma­neçam sob o guarda-chuva pe­ro­nista?

Juan Carlos Gi­or­dano: Mais do que novas op­ções “pro­gres­sistas”, o que o povo tra­ba­lhador pre­cisa é de uma al­ter­na­tiva de es­querda, re­vo­lu­ci­o­nária, forte o su­fi­ci­ente para re­a­lizar as trans­for­ma­ções fun­da­men­tais que o país e a classe tra­ba­lha­dora pre­cisam, como es­tamos fa­zendo com o Frente de Iz­qui­erda. Porque as cha­madas forças “pro­gres­sistas”, ou “na­ci­o­nais e po­pu­lares”, como o pe­ro­nismo se au­to­de­no­mina, aca­baram go­ver­nando para os grandes em­pre­sá­rios, as mul­ti­na­ci­o­nais e o FMI.

O pe­ro­nismo uti­liza um dis­curso “pro­gres­sista” para en­co­brir que é apenas mais uma va­ri­ante dos go­vernos pa­tro­nais. Em­bora al­guns se­tores de­no­mi­nados pro­gres­sistas con­ti­nuem sob o pe­ro­nismo, ou­tros o aban­do­naram e vo­taram ou se jun­taram e estão se jun­tando ao nosso bloco so­ci­a­lista.

Cor­reio da Ci­da­dania: O que se pode es­perar para os pró­ximos meses? Milei avan­çará em sua agenda au­to­ri­tária? Os pro­testos con­ti­nu­arão fortes?

Juan Carlos Gi­or­dano: Os pró­ximos meses serão muito tur­bu­lentos. Porque o go­verno está com­pro­me­tido em in­ten­si­ficar o ajuste, en­quanto do outro lado as lutas ope­rá­rias e po­pu­lares, das mu­lheres e dos jo­vens, con­ti­nu­arão cres­cendo. Já houve uma greve geral, o 8 de março das mu­lheres e dis­si­dên­cias e um es­pe­ta­cular 24 de março. E os pro­testos nos lo­cais de tra­balho estão au­men­tando. Tudo isso le­vanta vá­rias ques­tões. Será que o go­verno con­se­guirá im­ple­mentar seu plano global? Até quando as pes­soas vão aguentar? Será que ele con­se­guirá chegar ao final do man­dato?

O mais im­por­tante é que há uma grande mu­dança, porque co­meçou um au­mento da con­fron­tação so­cial que cer­ta­mente se in­ten­si­fi­cará. Além disso, há con­flitos entre se­tores pa­tro­nais, mais crise po­lí­tica, cres­cente des­gaste do go­verno e perda de ex­pec­ta­tivas po­pu­lares.

É pre­ciso ver se o go­verno, di­ante de novos re­veses le­gis­la­tivos ou po­lí­ticos, to­mará me­didas mais an­ti­de­mo­crá­ticas. Até agora, tem mos­trado uma grande fra­queza es­tru­tural para impor seu plano geral di­ante de uma classe tra­ba­lha­dora que não está der­ro­tada e está lu­tando. A ta­refa da es­querda é apoiar as lutas, co­or­dená-las, for­ta­lecer o sin­di­ca­lismo com­ba­tivo e pos­tular que a saída virá com um plano econô­mico com­ple­ta­mente oposto.

Cor­reio da Ci­da­dania: Quais pers­pec­tivas a Iz­qui­erda So­ci­a­lista ar­gen­tina quer apre­sentar? Quais al­ter­na­tivas você vê para que este país siga um ca­minho di­fe­rente, que sig­ni­fique bem-estar so­cial para seu povo?

Juan Carlos Gi­or­dano: A pers­pec­tiva que a Iz­qui­erda So­ci­a­lista ar­gen­tina de­seja apre­sentar é a luta pela im­po­sição de um go­verno da classe tra­ba­lha­dora e da es­querda, com uma Ar­gen­tina so­ci­a­lista de plena de­mo­cracia para o povo tra­ba­lhador. Nós a de­fen­demos em opo­sição a Milei e a sus­ten­tamos sob todos os go­vernos ca­pi­ta­listas.

Milei pro­move a falsa cam­panha de que o “so­ci­a­lismo é o cul­pado de todos os males”. Ele usa os go­vernos la­tino-ame­ri­canos da falsa es­querda, como o pe­ro­nismo, Lula ou o cha­vismo, para isso. Todos eles de­fendem o ca­pi­ta­lismo. Apenas a es­querda re­vo­lu­ci­o­nária luta por uma so­ci­e­dade di­fe­rente, o so­ci­a­lismo.

Na Ar­gen­tina, todas as va­ri­antes pa­tro­nais go­ver­naram. Os ra­di­cais, pe­ro­nistas, o PRO e agora a ul­tra­di­reita. Todos nos le­varam a uma maior de­ca­dência, en­trega e sub­missão. Por isso, di­zemos que é pre­ciso romper com o FMI, parar de pagar a dí­vida ex­terna, re­es­ta­tizar as em­presas pri­va­ti­zadas, na­ci­o­na­lizar o pe­tróleo e o gás, por uma YPF 100% es­tatal, na­ci­o­na­lizar a banca e o co­mércio ex­te­rior. So­mente com essas me­didas os males do ca­pi­ta­lismo serão com­ba­tidos.

É im­por­tante res­saltar que o Frente de Iz­qui­erda Unidad é a ver­da­deira es­querda na Ar­gen­tina (não o pe­ro­nismo). Nós somos a es­querda trots­kista, como muitos meios de co­mu­ni­cação in­dicam. Desde a sua fun­dação em 2011, o FIT Unidad vem se for­ta­le­cendo, com a Iz­qui­erda So­ci­a­lista sendo um dos par­tidos fun­da­dores.

Com a as­censão de Milei, o Frente de Iz­qui­erda se for­ta­leceu, pois temos en­fren­tado con­sis­ten­te­mente o go­verno nas ruas e no par­la­mento, com nossas cinco ban­cadas de de­pu­tados, algo iné­dito em nosso país. As­pi­ramos a con­ti­nuar for­ta­le­cendo esta al­ter­na­tiva tra­ba­lha­dora e so­ci­a­lista para lutar por estas mu­danças pro­fundas.

Ga­briel Brito é jor­na­lista, re­pórter do site Outra Saúde e editor do Cor­reio da Ci­da­dania.

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