Nahuel Moreno e seu legado internacionalista, 100 anos após seu nascimento

Por Federico Novo Foti, para o jornal El Socialista

Em 24 de abril de 1924 nasceu, na Argentina, Nahuel Moreno, o dirigente trotskista mais consequente da segunda metade do século XX. Moreno lutou no trotskismo contra oportunistas e sectários, defendendo a importância da construção de partidos revolucionários e da Quarta Internacional. No quadro das homenagens que a Izquierda Socialista e a UIT-QI estão prestando cem anos após o seu nascimento, nesse segundo artigo resgatamos as contribuições de Moreno na construção da Quarta Internacional.

Na Argentina, em meados da década de 1940, o Grupo Obrero Marxista (GOM) [Grupo Operário Marxista], liderado por Nahuel Moreno, começava a dar os primeiros passos na tarefa de construir um partido revolucionário inserido na classe trabalhadora e nas suas lutas. Tarefa que enfrentou contra a corrente, com o peronismo no governo. [1] Em março de 1948, Moreno zarpou no navio “Provence” em direção à França. Aos 24 anos, foi escolhido delegado do GOM para participar do segundo congresso da Quarta Internacional, em Paris. [2]

Em sua primeira participação num congresso da Quarta Internacional, Moreno abraçou a causa internacionalista. Desde então, acompanhou apaixonadamente a situação mundial e os processos mais importantes da luta de classes internacional. Além disso, ele se envolveu em duras polêmicas contra os oportunistas e sectários no movimento trotskista. Décadas mais tarde, ele ainda sustentava: “se a economia [capitalista] é global, deve haver uma política mundial e uma organização mundial de trabalhadores para que cada revolução, cada país que faça a sua revolução, a estenda em escala global […] o socialismo não pode ser outra coisa senão mundial”. [3]

Polêmicas na Quarta Internacional

A Quarta Internacional nasceu em 1938 para construir uma nova direção revolucionária, que lutasse contra as direções traidoras, lideradas por Joseph Stálin, que burocratizou o governo soviético da URSS e abandonou o marxismo revolucionário em nome da falsa teoria do “socialismo num só país”. Porém, ao fim da Segunda Guerra Mundial, Stálin e os partidos comunistas desfrutaram de um enorme prestígio, conquistado após a derrota de Hitler, a tomada de Berlim pelo Exército Vermelho, as transformações na Europa do Leste e a revolução chinesa. Tal autoridade foi usada pelo stalinismo para encorajar a reconstrução capitalista nos países da Europa Ocidental, como parte dos seus pactos (Yalta e Potsdam) com as potências imperialistas.

No período do pós-guerra, o trotskismo tinha uma direção muito jovem, sem muita experiência no movimento operário e de massas. Leon Trotsky foi assassinado em 1940 por um agente stalinista. A falta de uma direção revolucionária experimentada permitiu que uma orientação oportunista, de capitulação ao stalinismo e ao nacionalismo burguês, fosse imposta a partir do terceiro congresso da Quarta Internacional, em setembro de 1951. Tais posições foram acompanhadas de métodos burocráticos, com a expulsão de dissidentes, acelerando o processo de ruptura e desintegração do trotskismo. [4]

Sob o clima da “Guerra Fria”, os dirigentes trotskistas Michel Raptis (Pablo) e Ernest Mandel afirmaram, erradamente, que a Terceira Guerra Mundial se aproximava e que isso obrigaria os partidos comunistas a assumirem posições revolucionárias. O “pablismo” considerava que a tarefa do trotskismo era, então, praticar o “entrismo” permanente nos partidos comunistas, renunciando assim à tarefa de construir partidos revolucionários. Uma política que foi sustentada durante quase vinte anos, enfraquecendo o trotskismo europeu. Moreno se opôs à teoria da “guerra iminente” e à proposta revisionista de que os partidos comunistas se tornariam revolucionários.

Em 1952, uma revolução eclodiu na Bolívia. A insurreição operária e camponesa destruiu o exército burguês, milícias foram organizadas e a Central Obrera Boliviana (COB) [Central Operária Boliviana] começou a centralizar o movimento operário. O trotskismo teve grande influência no processo, através do Partido Obrero Revolucionario (POR) [Partido Operário Revolucionário]. Mas a burocracia da COB entregou o poder ao Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR), um partido nacionalista burguês liderado por Victor Paz Estenssoro. Pablo e Mandel, numa traição histórica, ordenaram o apoio do POR ao MNR, em vez de combatê-lo e de defender a tomada do poder pelas milícias e pela COB. Moreno sustentou que o POR deveria lutar pela bandeira “Todo poder à COB”, para conquistar um governo operário.

Mandel – o sucessor de Pablo – aprofundou essa política oportunista e transformou-a num princípio orientador: capitular a todas as direções maioritárias do movimento de massas, encorajando a colaboração de classes. Em oposição, Moreno alertou que tal orientação levava à renúncia à tarefa de construir partidos revolucionários e ao abandono da luta por governos dos/as trabalhadores/as e pelo socialismo mundial. Apesar de estar em minoria, exigiu um debate honesto e democrático nas fileiras do trotskismo e lutou para organizar uma oposição para disputar a direção da Quarta.

O triunfo da revolução cubana, em 1959, reavivou os debates. Moreno defendeu tal revolução, que colocou Cuba como o primeiro Estado socialista da América Latina. Fez isso contra os sectários, como a corrente de Pierre Lambert, posteriormente apoiada por Jorge Altamira, que definiu Cuba, nos tempos de Ernesto “Che” Guevara, como um país capitalista. Mas também polemizou com o mandelismo, que capitulou à direção de Fidel Castro, ao guerrilheirismo e ao Partido Comunista Cubano. Moreno defendeu a importância de construir em Cuba um partido revolucionário, que lutasse para implementar a democracia operária e pela ampliação da revolução socialista em escala internacional. [5] A realidade deu razão a Moreno. A burocracia cubana capitulou ao stalinismo e acabou por restaurar, após a queda da URSS, o capitalismo, em nome de uma falsa “atualização do socialismo”.

Como eco da revolução cubana, entre 1961 e 1963, ocorreu uma grande mobilização camponesa no sul do Peru, em La Convencion y Lares (Vale de Cuzco), liderada por Hugo Blanco, então militante ativo do movimento morenista. Inspirado por Moreno, Blanco organizou sindicatos camponeses e defendeu a tomada de terras, formando milícias camponesas armadas para enfrentar a violência dos latifundiários. Moreno combateu então, apoiando por Blanco, o desvio guerrilheirista. Anos mais tarde, o próprio Blanco lembraria que “o mérito de ter reagido primeiro e iniciado uma luta séria contra esse desvio pertence ao camarada Nahuel Moreno, o principal teórico do trotskismo latino-americano”. [6]

Em 1979, durante o exílio na Colômbia, Moreno impulsionou a criação da Brigada Simón Bolívar, para intervir na revolução nicaraguense, inspirado pelo exemplo das brigadas internacionalistas da Guerra Civil Espanhola. [7]

Construir partidos revolucionários e reconstruir a Quarta Internacional

Entre as lições que Moreno nos deixou, está a tarefa de construir uma organização internacional, mesmo que seja fraca e pequena, porque não é possível fazer uma análise precisa da situação internacional a partir de um partido nacional e porque, em diferentes países, a construção partidos revolucionários só pode ser desenvolvida com a combinação das lutas locais com o acompanhamento dos principais processos revolucionários regionais e globais. Nós, da Izquierda Socialista na Argentina , a CST no Brasil e da UIT-QI, continuamos o legado de Nahuel Moreno e redobramos os esforços para seguir na tarefa de unir os revolucionários do mundo, na luta pela reconstrução da Quarta Internacional. Nesse sentido, travamos uma luta implacável contra as direções traidoras do movimento de massas, que apoiam o capitalismo decadente, e o oportunismo e o sectarismo nas fileiras do trotskismo, que capitulam a tais setores. Lutamos, por exemplo, contra o novo oportunismo fomentado pelos mandelistas ao aderir, com o PSOL, ao governo de conciliação de classes de Lula no Brasil. Além disso, defendemos a necessidade urgente, e ainda atual, de lutar por governos dos/as trabalhadores/as e pelo socialismo mundial.

Notas:

[1] Ver o artigo no jornal El Socialista, nº 579, de 20/03/2024, e o documentário “Nahuel Moreno: una vida, infinitas luchas”, de Mariano Manso (diretor), de 2017. Disponível em www.nahuelmoreno.org

[2] Ernesto González (coord.). “El trotskismo obrero e internacionalista en la Argentina”. Tomo 1, Editorial Antídoto, Buenos Aires, 1995. Disponível em www.marxist.org

[3] Nahuel Moreno. “Ser trotskista hoy”. Editorial CEHuS, Buenos Aires, 2020. Disponível em www.nahuelmoreno.org

[4] Mercedes Petit. “Apuntes para una historia del trotskismo (1938-1964)”. Ediciones El Socialista, Buenos Aires, 2006.

[5] Sobre las polémicas con el guerrillerismo de Nahuel Moreno. “Polémica con el Che Guevara”. Editorial CEHuS, Buenos Aires, 2017. E Martín Mangiantini. “El trotskismo y el debate de la lucha armada”. El Topo Blindado, Buenos Aires, 2014. Disponível em www.cehus.org

[6] Hugo Blanco. “Tierra o muerte”. Ediciones Siglo XXI, México, 1972. E Nahuel Moreno. “Perú: dos estrategias”. CEHuS, Buenos Aires, 2015.

[7] Ver “La Brigada Simón Bolívar”. Ediciones El Socialista, Buenos Aires, 2009.

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