Bangladesh: revolta estudantil e popular derruba o governo

Por Miguel Lamas, dirigente da ITU-CI
Os enormes protestos estudantis em Bangladesh, reprimidos ferozmente e com mais de 400 mortos, culminaram em 5 de agosto com a renúncia e a fuga de helicóptero do país para a Índia da até então primeira-ministra, Sheikh Hasina, depois que milhares de manifestantes invadiram seu escritório na sede do governo e também queimaram milhares de delegacias de polícia.
A primeira-ministra, que estava no poder desde 2009, havia sido reeleita de forma fraudulenta no início deste ano, com a proibição da oposição. Sheikh Hasina foi apelidada de “dama de ferro” da Ásia por seus métodos ditatoriais.
A rebelião estudantil, com grande simpatia popular e apoio direto dos sindicatos de médicos e trabalhadores têxteis, incluiu estudantes universitários e do ensino médio e teve início em repúdio à “Lei de Cotas”, que permitia ao governo uma gestão discricionária e corrupta da força de trabalho estatal. Em uma economia marcada por condições de trabalho ultraexploradoras e desemprego estrutural, o emprego estatal é a única saída possível para milhares de estudantes universitários. Todos os anos, 400.000 graduados competem por apenas 3.000 empregos nos exames de admissão. E Sheik Hasina procurou controlar isso com nomeações escolhidas a dedo, anulando essa pequena possibilidade para os estudantes como um todo.
Essa verdadeira insurreição estudantil com apoio popular não pôde ser interrompida com o assassinato dos 400 manifestantes e o toque de recolher. “As pessoas não recuam nem mesmo quando são alvejadas”, disse um correspondente da DW.
A polícia também entrou em greve, dizendo que “o governo a havia forçado a atirar nos manifestantes”.
Rebelião contra a exploração e a miséria
Tanto os estudantes quanto os trabalhadores da cidade e do campo desse país de 170 milhões de habitantes têm, obviamente, muitos outros motivos subjacentes para sua rebelião, que são a miséria e o desemprego generalizados e a superexploração do trabalho.
Em Bangladesh, como em grande parte do mundo atualmente, não há empregos regulares para os jovens, nem mesmo para os jovens formados em universidades. E a maior parte de sua população vive na miséria. É por isso que há uma grande rebelião de jovens e, no final do ano passado, houve uma grande greve de 4 milhões de trabalhadores têxteis por vários meses.
Bangladesh, um país com 170 milhões de habitantes, localizado geograficamente no leste da Índia, fez parte da colonização britânica da Índia até a década de 47. Posteriormente, conseguiu sua independência como parte oficial do Paquistão, e em 1971 se tornou um país independente deste último.
Atualmente, como muitos países asiáticos, é uma semicolônia sujeita a multinacionais imperialistas que exploram sua mão de obra barata.
Enquanto grande parte da população vive da produção agrícola, arroz, trigo, milho, legumes, verduras e frutas, carne, peixe, frutos do mar e laticínios, dos quais se obtêm alimentos, a principal exportação é de têxteis, roupas que são consumidas principalmente na Europa, com exportações de 45 bilhões de dólares por ano de Bangladesh.
Essas empresas de vestuário empregam 4 milhões de trabalhadores (a grande maioria mulheres) que, após 4 meses de greve no ano passado, conseguiram aumentar seus salários para 90 dólares por mês, embora a renda mínima para uma vida decente em Bangladesh esteja entre 250 e 280 dólares. As empresas têxteis são nacionais, mas associadas a transnacionais – como Zara, Gap, Levi’s, Adidas, H&M, Benetton, Inditex, Wal-Mart ou Marks & Spencer – que levam as roupas para a Europa e os Estados Unidos. Bangladesh é o segundo maior exportador de roupas do mundo, depois da China. Isso significa grandes lucros para essas multinacionais e para a burguesia de Bangladesh. Mas resta muito pouco para seus trabalhadores.
O novo governo
Foi anunciado que o país asiático terá um governo interino chefiado pelo ganhador do Prêmio Nobel da Paz Muhammad Yunus, um popular professor economista de 85 anos proposto pelos estudantes. A decisão foi acordada em uma reunião entre o presidente do país, Mohammed Shahabuddin, líderes militares e os líderes do grupo Estudantes Contra a Discriminação, que liderou a rebelião, informou a presidência.
Na terça-feira, o presidente Shahabuddin dissolveu o legislativo para facilitar a formação de um executivo interino. De acordo com a constituição, o presidente tem poderes muito limitados e agora cabe ao primeiro-ministro e ao ministério a ser formado tomar medidas urgentes em face da crise nacional.
Os estudantes rebeldes também exigiram a dissolução do parlamento e que os militares não assumissem o poder. Em outras palavras, para pôr fim à insurreição em massa, o presidente e os militares tiveram que ceder à exigência dos estudantes de dissolver o parlamento e nomear Muhammad Yunus como primeiro-ministro.
O novo governo interino convocará eleições nacionais.
Pelo poder do povo trabalhador
A UIT-QI saúda essa luta heróica e o primeiro triunfo da juventude e do povo trabalhador de Bangladesh, que hoje é um grande exemplo para os explorados e oprimidos da Ásia e do mundo.
Esse grande triunfo da mobilização estudantil e popular mostra o enorme poder que a juventude e o povo trabalhador podem ter se se unirem para conquistar soluções fundamentais para o país, para acabar com a precariedade e a miséria, para ter salários dignos, trabalho para todos.
Essa mudança fundamental em um país tão submetido ao imperialismo e tão pobre exige uma mudança econômica radical que acabe com a subjugação ao imperialismo e à burguesia que tira os lucros do trabalho de milhões. Mas isso não será feito por um governo em aliança com os setores capitalistas. Para isso, é necessária a luta por um novo sistema político com um governo da juventude e de todos os trabalhadores, com suas organizações sindicais e estudantis, que mostraram seu grande poder com a grande greve têxtil de alguns meses atrás e com a insurreição que derrubou o governo semiditatorial de Sheikh Hasina.