3 anos sem Bruno e Dom – O tráfico mata, desmata e segue impune.

Por Eziel Duarte e Ana Luiza Ugucione, militantes da CST
No dia 05 de junho o indigenista Bruno Pereira e o jornalista Dom Philips foram mortos, esquartejados, queimados e enterrados, na região do Vale do Javari – no Amazonas. A região é fronteira com Peru e Colômbia, tendo a segunda maior terra indígena do Brasil, região onde os dois atuavam juntos ampliando a voz e luta dos povos dessa região.
Se passaram três anos e o assassinos não foram a julgamentos, Polícia Federal prendeu o peruano Rubén Dario da Silva Villar, conhecido como ‘Colômbia’, conhecido por tráfico de drogas e outros crimes, indicando como mandante do crime, indiciado junto com outros 8 envolvidos, que apesar de ter sido recomendado e mandado a júri, não foi concretizado seu julgamento.
A região do assassinato dos dois é rota do tráfico de drogas e extração ilegal de madeira entre Peru, Colômbia e Brasil, conhecida pelos conflitos e assassinatos relacionados ao crime organizado, incluindo um servidor da Fundação Nacional do Índio (Funai), em 2019, que trabalhava no Vale do Javari foi assassinado em Tabatinga, no Amazonas.
Devastação Ambiental e tráfico de drogas
O Brasil é um dos principais países de trânsito e consumo de drogas na América do Sul (UNODC, 2023) e alguns desses caminhos e fluxos estão na Amazônia Legal. O Relatório Mundial de Drogas 2023 apresentou uma seção sobre as possíveis conexões entre crime organizado e degradação do meio ambiente, em um esforço de realizar um levantamento da literatura existente sobre o assunto, já que, em comparação com outros campos relacionados às drogas, os dados são ainda limitados e há relativamente poucos estudos acadêmicos. Sendo assim, o capítulo fornece uma visão geral do estado atual da pesquisa sobre os impactos diretos e indiretos do cultivo e produção de drogas, do uso de drogas e das estratégias desenhadas pelas políticas sobre drogas com relação ao meio ambiente. Sob essas perspectivas, foram mapeadas cinco áreas de danos ambientais, que são: poluição do ar, desmatamento, consumo de energia, poluição e esgotamento do solo e da água.
O boletim mostra que o tráfico de drogas também impacta territórios a populações indígenas: “Um aspecto importante é que o tráfico de drogas na Amazônia brasileira segue a tendência de acarretar consequências não apenas para a segurança pública da região, mas também tem um impacto significativo para o meio ambiente e as comunidades locais. Diversas pesquisas demonstraram que o tráfico de drogas está associado ao desmatamento, à contaminação de rios e à perda de biodiversidade na região (UNODC, 2022; JONES, 2021). Além disso, o tráfico de drogas tem um impacto negativo na economia local, ao promover a corrupção, a violência, a falta de oportunidades econômicas, a instabilidade social e a presença de grupos armados ilegais.”
O documento mostra que há uma atuação sobreposta de grupos de tráfico de drogas em outras atividades ilegais e que o tráfico se torna um propulsor e organizador de outras ilegalidades. Diferentes grupos e atividades criminosas se combinam, relacionam/incentivam e se fortalecem nos territórios da Amazônia: O desmatamento, por exemplo, possui ligação com a especulação imobiliária e a grilagem de terras. O processo de queimadas pode fazer com que a terra valorize até 20 vezes mais do que a terra com cobertura florestal. As queimadas são, por sua vez, de grande interesse dos grileiros, pois “o crime do desmatamento é posteriormente consolidado com o recebimento do título fundiário da terra atingida”. Por outro lado, a grilagem de terras encontra brechas na lei, como o Programa Terra Legal, que aceitará “como prova para a datação de ocupação o registro de desmatamento em imagem de satélites” (LIMA, 2022a, p. 16).
A atual lei de drogas gera lucro aos capitalistas e encarcera jovens negros
Os dados apresentados demonstram que para enfrentar o tráfico é preciso de uma profunda mudança, que no modo de produção capitalistas não será feita, pois essa engrenagem proibicionista gera lucros e favorece uma economia paralela. Dados do Fundo Monetário internacional (FMI) estimam que só o narcotráfico estimula uma cifra de US$ 320 bilhões de dólares, quem ganha com isso? O jovem que vende ou o gerente dos negócios?
Lei de Drogas (11.343/2006), editada pelo governo Lula. Tal Lei, do PT, no segundo inciso do capítulo III (DOS CRIMES E DAS PENAS) contém a seguinte máxima: “§ 2º Para determinar se a droga se destinava a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente”. Essa definição foi modificada pelo STF que estabeleceu em decisão judicial a diferenciação de consumo e tráfico. Essa criminalização na lei gerou um encarceramento em massa entre 2006 e 2016, a população carcerária do Brasil aumentou em 85%, e grande parte desse aumento se deveu a prisões por crimes relacionados às drogas.
Para enfrentar o problema é preciso legalizar as drogas e tratar como caso de saúde pública, destinar verbas ao SUS e a política de redução de danos, desmantelando a rede de tráfico de drogas com inteligência e controle estatal dos ambientes de uso recreativo, a exemplo de outros países. Combatendo o racismo das operações policiais que o dito pretexto de “guerra as drogras” mata jovens negros nas favelas e periferias.
O enfraquecimento dos órgãos ambientais contribui
No Vale do Javari, na Amazônia, habitam vários povos indígenas, incluindo Marubo, Matis, Kanamari, Kulina, Mayuruna, e os povos de recente contato Korubo e Tyohom Dyapa. Há também 16 povos indígenas isolados na região, mas como já apontamos em outro texto. Além da diversidade dos povos, a biodiversidade são encontrados inúmeros problemas no Vale do Javari, mas também em toda Amazônia.
A fiscalização é insuficiente, A fiscalização ambiental na Amazônia é feita por cerca de 1.698 agentes do Ibama e do ICMBio, segundo dados divulgados pela globo, esses agentes cobrem uma área de 4,2 milhões de km² no território da Amazônia brasileira. A politica de desmonte dos órgão, a falta de concurso público e os recorrentes cortes de verbas, o Ibama terá 18,7% menos orçamento em 2025 para licenciamento ambiental federal, com a previsão de R$ 5 milhões em vez de R$ 6,1 milhões em 2024. Essa ação foi duramente rebatida por especialistas, como o Observatório do Clima (OC) e outras 11 organizações apontaram que o projeto de lei orçamentária (PLOA) de 2025 reduziu recursos em 25 ações ambientais estratégicas.
Um exemplo de como esse desmonte dos órgãos afeta as ações é que o Instituto Ibama fiscalizou apenas 1,3% dos alertas de desmatamento na Amazônia publicados entre 2019 e 2020 pela plataforma MapBiomas, que reúne universidades e organizações ambientais.
Em 2024 a greve do IBAMA e ICMBio tinham entre suas denúncias os elementos levantados aqui, pedia além das questões salariais concurso, mais investimentos, equipamentos e segurança para o trabalho das equipes. Essa greve foi criminalizada pelo governo Lula/Alkimin, impondo pela justiça multa ao movimento grevista de R$200 mil reais por dia parado, além de ter ficado com quase nenhum apoio das centrais sindicais como CUT, CTB e demais.
Lutar por justiça
A maioria dos crimes contra ativistas e ambientalistas não são resolvidos no brasil, a ONG Human Rights Watch documenta a impunidade das máfias de madeireiros ilegais que impulsionam o desmatamento e divulgou dados publicados pelo El Pais em 2019. Dos 300 defensores da Amazônia brasileira assassinados na última década, só 14 casos acabaram diante de um tribunal.
Esse cenário de impunidade se mantém, por isso é preciso lembrar dos que tombaram lutando, mas pautar a necessidade de investigação, prisão dos culpados, confisco dos bens dos mandates de assassinatos no campo, destinação de terras e recursos a reforma agrária, proteção da floresta e fiscalização. A expropriação da indústria madereira que desmata. Enquanto a prioridade for destinar bilhões ao plano SAFRA, manter o arcabouço fiscal desmontando os órgãos e cortando de onde deveria ser mais investido, não teremos mudanças, os ataques seguirão e a impunidade reinará.
É preciso apoiar os movimentos por investigações independentes, com participação dos movimentos sociais do campo, comissões de direitos humanos e seguir lutando nas ruas para garantir justiça, para Bruno e Dom e para tantos outros casos.
Exigimos da CUT, CONTAG, do MST, APIB, CONDSEF, associação de servidores ambientais e demais movimentos a construção de uma jornada nacional de lutas, que paute a necessidade de nossa classe. Só a luta muda a vida!