A definição da corrente trotskista morenista para o Brasil (texto 7)

Michel Oliveira e Claudia Gonzales, Coordenação da CST

O Brasil é um país oprimido e explorado fundamentalmente pelo imperialismo yankee, mas é também explorado pelo Imperialismo Chinês ou pelo Europeu. Um país semicolonial, que pela via de pactos e tratados econômicos, políticos e diplomáticos se submete aos impérios. Entre as maiores empresas que atuam aqui estão multinacionais dos EUA, China ou Europa. Exemplos são as estadunidenses Cargil (com sede em Minnesota), e a Bunge (com sede em Nova Iorque) com peso no agronegócio brasileiro. Outro é a empresa anglo-holandesa Shell no ramo dos combustíveis, petróleo e gás. E a montadora alemã Volkswagen. Entre a Chinesa podemos citar Huawei e Lenovo no setor de tecnologia ou China Three Gorges Corporation (CTG) e State Grid Corporation of China do setor de Energia e Infraestrutura.

De fato, a maior exploração é feita via o saque da dívida externa que consume trilhões de reais, canalizado para o sistema financeiro imperialista. É também explorado através da participação de capital estrangeiro imperialista em empresas brasileiras como a Petrobras e Vale, ou bancos brasileiros como Itaú, além das empresas que possuem o capital aberto negociado nas Bolsas de valores de São Paulo e dos EUA.

Porem. Ao mesmo tempo em que existe essa dominação e semi-colonização que imperialismo yankee ou Chines exercem sobre o Brasil, existe também uma dominação e exploração que o Brasil exerce sobre outros países e economias menores, sobretudo na América latina. Ao logos dos últimos anos, empresas como Petrobras, Vale, JBS, Eletrobras ou Odebrecht, exploraram países como a Bolívia, se apropriaram do campo no Paraguai para produção de soja e de parte significativa do mercado de carnes do Uruguai ou destruíram florestas e atacaram povo indígenas no Equador e Peru para construção de Hidrelétricas e empreendimento petrolíferos. Então, em relação a esses países e economias menores, o Brasil e suas empresas exercem uma dominação e exploração.

Desse fenômeno complexo surge a necessidade de definir o Brasil como uma país semicolonial e ao mesmo tempo um subimperialismo ou submetrópole. Desse processo derivam tarefas políticas concretas: lutar contra império yankee, Chines, europeu, ou Russo que nos exploram e nos saqueiam e ao mesmo tempo lutar contra a opressão e exploração que o Brasil e suas empresas exercem em outros países e economias menores da américa latina.

Por contas dos debates em andamento após o último fórum dos BRICS, vamos retomar algumas definições acerca do Brasil feitas pela corrente trotskista morenista desde os anos 60 que ainda hoje mantem sua vitalidade.

Brasil: “Submetrópole a serviço do imperialismo yankee na América latina”

Na década de 60, nosso continente estava sob impacto da Revolução Cubana e do outro lado oceano a luta anticolonial estava em curso na África. É o momento em que o imperialismo estadunidense adota uma política mais agressiva e dura em relação a américa latina, visando melhor dominar sua zona de exploração e dominação por excelência. O documento Latinoamericano do PRT de 1967, na parte “El Imperialismo yanqui e la conquista de latinoamerica”, caracteriza que após a posse do governo Johnson a política dos EUA mudou “tanto no terreno social-econômico como no político-militar. No lugar do acordo ou a possível negociação com as direções burguesas, pequeno-burguesas ou reformistas do movimento de massas tem optado pela intervenção militar direta frente ao menor perigo de desenvolvimento revolucionário…” (II congresso, 1967). E mais adiante, define o Brasil como um subimperialismo: “Em relação à economia, parecia que se inclinava por um acordo com os setores latifundiários ou exportadores das burguesias latino-americanas (proprietários de terras brasileiros e argentinos, mineiros chilenos e fabricantes peruanos de farinha de pescado, etc.) com base na divisão do trabalho dentro do mercado mundial, abandonando os programas de investimento e acordos com a burguesia industrial. Dentro desta perspectiva entraria o mercado comum latino-americano (ALAIC), o que significaria transferir a divisão aos diferentes países. Brasil, México seriam, principalmente, as submetrópoles industriais do imperialismo ianque, os únicos países aos quais se permitiria grande desenvolvimento industrial dentro do mercado comum”. (idem). E ao final: “BRASIL é hoje em dia a submetropole a serviço do imperialismo yankee na América latina” (idem).

Não se tratava de um debate acadêmico. Foi uma armação conectada a necessidade de construir nossa internacional. O próprio documento insiste de que no Brasil devemos batalhar “pela organização de um partido marxista revolucionário, sem cair em propostas centristas. Pelo contrário, hoje mais do que nunca se impõe lograr a existência de um pequeno, ainda que sólido partido trotskista que aplique essa linha” (idem).

Nesse período a burguesia no Brasil está em meio a disputas e numa acelerada integração a dominação yankee, pois desde a segunda guerra ocorre um processo de industrialização sob a base dos interesses estadunidenses, elevando o endividamento externo, em meio a um forte ascenso operário e popular. E a solução para o conflito no interior da própria burguesia advém pela via do golpe militar de 64. De acordo com os trotskistas da Liga Operária é centralmente no governo ditatorial de Médici, fortalecido pela derrota do movimento de massas em 1968, que a ditadura pode acelerar o crescimento econômico baseado numa superexploração da classe operaria e do ingresso de investimento externo direto: “Médice reorienta a política até um fortalecimento do capitalismo financeiro e até a busca de mercados externos… O crescimento econômico se baseia fundamentalmente no investimento do exterior e no do Estado… O Estado se encarrega das obras de infraestrutura e dos investimentos mais caros. Quer dizer se estabelece um acordo solidário entre o capitalismo internacional, predominantemente norte-americano e o Estado brasileiro, pelo qual ambos participam conjuntamente do investimento e produção nos principais setores dinâmicos da economia” (Revista da América n 13, 1974).

Essa definição foi importante pois desse modo se pode compreender a elevação do papel submetropolitano ou subimperialista do Brasil em nosso continente. O que significou atuações sobre o Paraguaia via a Usina Hidrelétrica de Itaipu e mesmo atuação no golpe de estado da Bolívia para melhor servir ao imperialismo yankee e ao mesmo tempo manter sua dominação e exploração nesse país.

A burguesia brasileira é “socia menor do imperialismo” e “cumpre o papel de submetrópole, oprimindo outras burguesias menores”

Nos anos 80, no âmbito da LIT-QI, foi assim que a nossa corrente internacional definiu o Brasil, numa edição de 1986 do Correo Internacional. Em um extenso documento analisando a história, economia e a luta de classes do Brasil, se define que “Entre os países semicoloniais dominados pelo imperialismo há um grupo reduzido que mantem com ele relações especiais. Correa do Sul, Taiwan, Singapura, México, Argentina e Brasil tiveram um desenvolvimento industrial acelerado – não necessariamente em épocas e ritmos semelhantes – como parte da divisão mundial do trabalho imperialista. Este crescimento teve no Brasil o nome de ‘milagre econômico’. Um milagre nada misterioso. Apoiada em uma superexploração brutal dos trabalhadores e financiando pelos bancos yankees e europeus” (Correo Internacional, n°16, 1986). A burguesia brasileira “Está submetida ao imperialismo financeiramente – paga religiosamente os 12 milhões de dólares anuais de juros da dívida externa – e pelo controle do comércio exterior – a queda dos preços das matérias primas é um exemplo. Muitas vezes produz com licenças tecnológicas yankees ou europeias. Inúmeros grandes burgueses estão diretamente associados com empresas imperialistas… Porem essa burguesia tem interesses próprios. Cumpre um papel de submetrópole, oprimindo a outras burguesias menores, como a paraguaia (com o acordo da hidrelétrica de Itaipu) ou a boliviana. A venda de aviões para a força aérea inglesa contra uma fábrica suíça, o de tanques para Arábia saudita superando ingleses são exemplos disso. A exportação de produtos siderúrgicos o de calcados aos EUA, gerando uma luta com setores da burguesa yankee, são manifestações do mesmo” (idem). Nota-se uma coerência de elaboração entre o que se falava nos anos 60 e 80, embora a última formulação seja mais completa e profunda refletindo a própria intervenção da LIT-QI via a Convergência Socialista. É importante destacar que essa elaboração fortaleceu o combate aos setores stalinistas e frente populistas. No mesmo documento afirma-se que “A característica desta burguesia nos brinda uma resposta categórica ao stalinismo, que sempre defendeu aliança com a burguesia nacional. Ela é uma socia menor do imperialismo que tem interesses próprios e as vezes entre em disputa com empresas estrangeiras, porém é uma socia. E explora selvagemente a seus trabalhadores para garantir sua competitividade” (idem).

No governo Lula, após a ditadura militar, foi um segundo grande momento do papel submetropolitano ou sub imperialista do Brasil. Os recursos estatais foram usados para favorecer a internacionalização e até mesmo a criação de multinacionais brasileiras. Logicamente num outro contexto e não necessariamente do mesmo modo como ocorreu na ditadura militar.  Nos anos Lula com o Brasil cumprindo um papel na divisão internacional do trabalho com ênfase no fornecimento de matérias-primas, centralmente para a China. De fato, hoje é o principal país para onde se exportam produtos brasileiros, o que ampliou muito o peso do imperialismo Chinês na economia brasileira (até mesmo Bolsonaro teve de estabelecer diálogos com o governo Chinês).

Nos anos petistas, sobretudo com o governo de Lula, as políticas subimperialistas correram via da expansão de multinacionais voltadas a mineração ou petróleo como a Petrobras e Vale, o mercado das carnes como a JBS e a construção civil como a Odebrecht (cuja imensa expansão na América latina foi fonte de corrupção de distintos governos).

O maior ou menor grau de submissão aos imperialismos ou de dominação e exploração dos demais países latino americanos pode variar de acordo com a situação da economia mundial, a conjuntura internacional e projetos de poder de plantão: se mais vinculados diretamente aos EUA como Bolsonaro ou mais próximos de uma relação ampliada com todos os imperialismos como Lula. Mas de conjunto o caráter de semicolônia e subimperialismo ou submetrópole se mantem. E a burguesia brasileira localizada num país semicolonial é socia menor dos imperialismos, buscando garantir seus próprios interesses de submetropole, numa divisão mundial do trabalho imperialista onde o Brasil atua centralmente para a exportação de comodities.

Um governo da classe trabalhadora, sem patrões, e um Brasil Socialista

Uma saída profunda para a situação da classe trabalhadora brasileira e latino americana não virá das mãos dos governos capitalistas, comprometidos com as grandes empresas e as multinacionais e submetidos aos ditames dos imperialistas. Por isso, lutamos por um governo da classe trabalhadora, sem patrões, e um Brasil Socialista, que rompa com o capitalismo e a exploração imperialista, aplique medidas profundas para deter a crise social e ambiental em que vivemos.

Ao mesmo tempo, vimos como as multinacionais e grandes empresas capitalistas atuam em toda a América Latina de forma coordenada, comandada pelos governos de carne e osso em cada país. E no caso do Brasil que a burguesia exerce um papel nefasto de exploração e dominação em nosso continente.

Para enfrentar esse processo, exigimos das principais centrais (como a CUT no Brasil e a COB boliviana) e movimentos sociais (como a CONAIE no Equador e CONFECH no Chile) um fórum continental e um plano de luta comum. Para unificar cada uma das batalhas que estão em curso e que nós, da UIT-QI, somos parte em cada país onde atuamos. É preciso enfrentar as multinacionais, o pagamento da dívida externa, as grandes empresas e os governos de carne e osso que são responsáveis pela catástrofe atual.

A luta estratégica por uma Federação das Repúblicas Socialistas da América Latina

Uma luta unificada em nosso continente é uma necessidade. Seria um primeiro passo de unidade das classes trabalhadoras e setores populares latino-americanos contra a dominação das potências imperialistas. Seria um meio de batalhar para romper as fronteiras artificiais que nos foram impostas pelo processo de colonização. Fronteiras capitalistas nacionais que nos amordaçam e servem para a apropriação privada de nossas florestas, águas, solos, ar e exploração de nossa força de trabalho. Lutamos em cada país por governos da classe trabalhadora, visando a unidade e verdadeira integração latino-americana para enfrentar a catástrofe atual. Lutamos estrategicamente por uma Federação de Repúblicas Socialistas da América Latina, que enfrente os ditames dos países imperialistas, suas multinacionais e as empresas capitalistas.