Brasil: Semi-colônia e Sub-imperialismo capitalista (texto 6)

Michel Oliveira e Claudia Gonzalez, Coordenação da CST

 O governo Lula/Alckmin é um governo capitalista a serviço das multinacionais e de distintos imperialismos. As falas de Lula em eventos internacionais, os atritos com Donald Trump no contexto do tarifaço, o discurso de Lula se alinhando a Trump e Putin na guerra da Ucrânia, produzem debates acerca do papel internacional do governo da frente ampla. Por outro lado, há uma maior participação internacional do Brasil nas organizações imperialistas: na ONU, na COP 30 ou na presidência do Banco dos BRICS, temas que causam confusão.

Em assembleias e fóruns do movimento, os lulistas falam de um suposto caráter “multilateral democrático” ou até “anti-imperialista” do governo Lula/Alckmin. Trata-se de outro engano divulgado pelos governistas e seus agentes. Vejamos. Desde sua posse, a linha de Lula foi buscar apoio dos EUA (então governados por Biden), da França e da China.

O governo brasileiro, portanto, longe de ser “independente” ou “anti-imperialista”, é um governo burguês que pacta com distintos imperialismos. Isso não significa que não possam ocorrer nuances ou divergências entre o governo brasileiro e os seus chefes imperiais.

A situação do imperialismo norte-americano é de “desordem mundial”, crise de dominação dos EUA, em meio à sua derrota no Afeganistão e à agudização da crise econômica capitalista. Existem atritos e choques interburgueses e inter-imperialistas, em meio às lutas internacionais. Então, podem ocorrer diferentes pontos de vista entre o governo brasileiro e os EUA, no marco das referidas crises e disputas inter-imperialistas e burguesas. Mas isso não significa um projeto nacional de ruptura com o imperialismo, e sim tentativas da burguesia brasileira de negociar melhor o seu espaço subordinado no âmbito da dominação, procurando margens de manobra no interior da exploração imperialista. Agora mesmo, os atritos e o tarifaço de Trump são respondidos por Lula com a linha de “negociar” e de buscar um novo alinhamento com os falcões da Casa Branca.

Isso não é por acaso. Lembremos que Lula e o PT foram os governos mais à direita do ciclo frentepopulista dos anos 2000, com ótimas relações com Bush, ausência de atritos com os EUA e até mesmo liderando os sanguinários capacetes azuis da ONU na invasão imperialista do Haiti.

Posições do governo Lula/Alckmin nada anti-imperialistas

No plano internacional, o governo brasileiro apoiou a resolução norte-americana sobre a invasão imperialista ucraniana, depois recebeu o chanceler russo em território nacional e, em seu discurso na China, propôs a “paz dos cemitérios”, com a entrega da Crimeia aos russos. Embrulhou tudo em um genérico pedido para que os EUA estimulem “a paz”. Por fim, respaldou a proposta nefasta de Trump a Putin de dividir o país em benefício dos EUA e da Rússia. Lula, no Vietnã, declarou que “na medida em que o Trump toma a decisão de discutir a paz entre Rússia e Ucrânia, que o Biden deveria ter tomado, eu sou obrigado a dizer que, neste aspecto, o Trump está no caminho certo” (www.uol.com). Um elogio direto a Trump, o maior líder da extrema direita mundial e inimigo da classe trabalhadora e dos setores populares, bem como ao governo bonapartista e de extrema direita de Putin na Rússia.

Outro exemplo foi a visita de Lula e sua comitiva aos Emirados Árabes, que significou ratificar a privatização bolsonarista da Refinaria de Mataripe (Bahia), por meio de um memorando entre o governo da Bahia, liderado pelo PT, e o fundo financeiro Abu Dhabi Mubadala. O que perpetua a internacionalização do setor.

No tema palestino, Lula, após fazer discursos corretos comparando o que ocorre na Palestina com o Holocausto nazista, nada fez contra Israel. Nenhuma medida efetiva de ruptura de relações ocorreu. Também nada fez contra os atentados nazi-sionistas contra o Líbano, as ações militares imperialistas contra o Iêmen ou os bombardeios dos EUA contra o Irã. A recente medida contra a exportação de armas é correta, porém insuficiente, e foge de temas centrais: impedir o comércio de petróleo brasileiro para os nazistas de Israel e realizar embargo militar para que nenhuma arma ou tecnologia militar do enclave colonial seja utilizada no Brasil.

Nós temos de manter de pé o combate anti-imperialista: combater o tarifaço de Trump e repudiar as novas taxas contra o Brasil. É necessário exigir do governo Lula/Alckmin a taxação das multinacionais estadunidenses e dos bilionários brasileiros sócios dos gringos, a proibição de remessas de lucros para as sedes nos EUA, o não pagamento da dívida e a expulsão do embaixador dos EUA. Dentre outras medidas. No plano internacional também defendemos o povo ucraniano do pacto de rapina de Trump e Putin. Mantemos a solidariedade à resistência do povo palestino e lutamos pelo seu triunfo contra qualquer ação militar sionista e imperialista no Oriente Médio, além de seguir exigindo a ruptura de relações com Israel. Ou seja, ações concretas anti-imperialistas.

O papel de sub-metrópole ou sub-imperialista do Brasil

Devemos enquadrar as posições do governo Lula/Alckmin lembrando da definição do Brasil como uma sub-metrópole ou sub-imperialismo. Ou seja, um país dominado e explorado pelos imperialismos centrais, mas que cumpre um papel local ou regional de exploração sobre burguesias menores. Na América Latina, isso se expressa na exploração que a burguesia brasileira exerce sobre Paraguai, Argentina e Uruguai. Por isso, com Lula, o Brasil retoma a linha dos BRICS, CELAC e Mercosul. Mas isso em nada altera o fato de que o governo Lula/Alckmin é pró-imperialista, negociando e pactuando com as multinacionais e os principais imperialismos e que somos explorados e dominados por eles.

A retomada do Mercosul, CELAC e BRICS gera debates e confusões. São projetos antigos, alguns anteriores aos governos do PT, como o próprio Mercosul. Porém, nos governos passados do PT já ficou claro que nada têm de progressivo ou anti-imperialista: primeiro, porque não enfrentam a exploração imperialista; segundo, porque se baseiam na intensificação da exploração da classe trabalhadora e dos países vizinhos. É um projeto que expressa os interesses de frações da burguesia brasileira, sócia-menor dos imperialismos, de melhorar sua posição explorando burguesias menores, como mostram as tratativas do acordo Brasil–Paraguai na Usina Hidrelétrica de Itaipu, com prejuízos aos trabalhadores paraguaios. Tudo isso sem deixar de utilizar as disputas interimperialistas para barganhar espaço.

Os lulistas escondem que o Mercosul, a CELAC e os BRICS são acordos e blocos de comércio capitalista. No caso dos BRICS, com a presença direta dos imperialismos chinês e russo. Portanto, nada de bom para o povo trabalhador virá daí. A proposta de retomada das relações regionais via CELAC ou Mercosul visa favorecer a burguesia brasileira, com total acordo e subserviência às multinacionais instaladas nesses países, às custas da exploração da classe trabalhadora latino-americana e da intensificação da destruição ambiental capitalista. É o que se vê nas tratativas do gasoduto de “Vaca Muerta”, recentemente firmado na cúpula do Mercosul de 2025. A ideia é conectar os campos de gás ao Centro-Oeste brasileiro, utilizando o Paraguai como corredor logístico e energético (ou outras rotas em avaliação).

Ao mesmo tempo, trata-se de uma política tão pragmática e conservadora que levou Lula a reconhecer o governo assassino de Dina Boluarte no Peru, sustentado pelas forças fujimoristas e responsável pelo assassinato de manifestantes, o que fala por si só.

Repudiamos a espionagem do governo soberano do Paraguai

Recentemente, foi revelado pela UOL que o governo brasileiro, via ABIN, durante a gestão Bolsonaro, espionou o governo do Paraguai para obter vantagens nas negociações em torno do tratado da Usina Hidrelétrica de Itaipu. O governo Lula, por meio do Itamaraty, confirmou a informação e afirmou ter cancelado a espionagem em março de 2023. Ou seja, a ABIN, já sob a gestão da frente ampla de Lula, continuou espionando uma país soberano, latino-americano, por três meses.

Essa arapongagem tem como objetivo manter a rapina contra o Paraguai, prejudicando sua classe trabalhadora. Pelos acordos assinados entre a ditadura brasileira e a ditadura paraguaia nos anos 1970, o Paraguai é obrigado a ceder sua parte da energia gerada em Itaipu para o Brasil por um valor abaixo do preço de mercado. Além disso, o Paraguai não pode utilizar essa energia como bem entender, nem a vender a outros países a preços de mercado capitalista. Trata-se de uma subjugação subimperialista da burguesia brasileira contra o Paraguai, que nós combatemos.

Repudiamos a espionagem e exigimos a punição dos arapongas e de todas as autoridades envolvidas, bem como o fim da ABIN. Estamos com a classe trabalhadora paraguaia e em defesa de sua soberania nacional, pelo cancelamento do tratado de Itaipu e pela derrota do subimperialismo brasileiro. Exigimos do governo Lula um novo tratado justo, sem exploração contra nossos irmãos da classe trabalhadora paraguaia.

Da mesma forma, somos contra a retomada dos acordos da IIRSA, promovida pelo governo Lula através da ministra Simone Tebet.

A IIRSA: integração para negócios capitalistas

No final de 2023, a ministra do Planejamento, Simone Tebet, anunciou a retomada da IIRSA (Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana). “O projeto das cinco rotas de integração e desenvolvimento sul-americano, desenhado no Ministério do Planejamento e Orçamento, tem o papel duplo de incentivar e reforçar o comércio do Brasil com os países da América do Sul e reduzir o tempo e o custo do transporte de mercadorias entre o Brasil e seus vizinhos e a Ásia”, disse a ministra Simone Tebet em 12/12, em conversa com jornalistas na sede do ministério (www.gov.br/planejamento). Uma das preocupações da ministra é a diminuição do tempo de transporte das mercadorias até a Ásia, onde se localiza a China, um dos principais compradores de soja e minério de ferro do Brasil.

Há uma ligação direta da IIRSA com o PAC: “Tebet lembrou que, no dia 30 de maio, o presidente Lula recebeu os 11 chefes de Estado da América do Sul e, nessa reunião, conhecida como Consenso de Brasília, os líderes reafirmaram o compromisso com a integração regional… O MPO chamou todos os 11 Estados brasileiros que fazem fronteira com os países da América do Sul e recebeu deles a lista de obras que cada um considerava prioritárias para estimular a integração. Essas obras foram cruzadas com as 9,2 mil obras do Novo PAC e indicaram uma lista de 124 empreendimentos com caráter direto de integração sul-americana, que estão sendo chamadas de PAC da Integração” (idem). De acordo com a ministra, os empreendimentos envolvem infovias, rodovias, pontes, portos, hidrovias, aeroportos, ferrovias e linhas de transmissão de energia elétrica.

Ocorre que esse projeto é antigo e significa integração para os negócios capitalistas. A infraestrutura proposta pela IIRSA, idealizada por Fernando Henrique Cardoso e impulsionada por Lula e Dilma em seus mandatos anteriores, converte a América Latina em peça-chave no mercado internacional das multinacionais, ao custo da devastação de nossos territórios, abrindo as veias da abundância para alimentar a acumulação de capital. Algo muito favorável para a burguesia brasileira.

As rotas da IIRSA colocam o território sul-americano à disposição das necessidades de pilhagem dos recursos estratégicos. Elas atravessam fontes de água, reservas minerais, gás e petróleo; cortam corredores industriais do subcontinente; passam por áreas de altíssima diversidade genética, refúgios indígenas e todos os bens valiosos que podem ser apropriados pelo capital.

Lula teve papel de destaque nas negociações de contratos de grandes obras com os governos da Venezuela, Colômbia, Bolívia, Nicarágua e Peru, muitos em favor de empreiteiras brasileiras, com volumoso financiamento do BNDES.

Esse projeto de integração capitalista não seria possível sem a intermediação do governo brasileiro junto aos países sul-americanos, já que o Brasil atuou como articulador das economias do subcontinente em função dos interesses das multinacionais e das grandes empresas responsáveis pela catástrofe ambiental. Por isso, mais do que nunca, temos de lutar contra a IIRSA.

Em defesa de um verdadeiro combate anti-imperialista e contra a burguesia brasileira na américa latina

É preciso lutar contra todos os imperialismos, pois todos atacam nossa classe e os setores populares. Devemos buscar unificar as lutas dos explorados e oprimidos contra a exploração capitalista-imperialista e contra os patrões nacionais, seus sócios. O fato de sermos contra a política imperialista estadunidense não pode nos levar à ilusória defesa de “um mundo multipolar” e muito menos à vala comum da ditadura imperialista chinesa ou dos imperialistas ultrarreacionários russos. Tampouco devemos acreditar no velho discurso lulista de que Alemanha e França seriam “menos piores” e “mais pacifistas” que os EUA.

Nós defendemos que nossos aliados são a classe trabalhadora e os setores populares, não os patrões nem os imperialistas. Toda derrota dos planos imperialistas é uma vitória nossa e um passo à frente na batalha para sua derrota definitiva. E o fazemos com os métodos da classe trabalhadora e dos setores populares: passeatas, mobilizações, greves e ocupações.

A parceria com governos imperialistas é impossível, pois são eles que nos impõem o pagamento ilegal e ilegítimo das dívidas externas e internas, submetem nosso país a tratados econômicos, diplomáticos, tecnológicos e militares, exploram nossos minérios, águas e florestas a preço de banana, entre outras formas de dominação e rapina. No passado, foram essas mesmas relações que levaram o próprio governo Lula a liderar a ocupação militar do Haiti, por meio das tropas da ONU, violando a soberania daquele país.

Ao mesmo tempo, combatemos toda e qualquer política da burguesia e do governo brasileiro contra os povos latino-americanos, reivindicando o fim das relações com o governo assassino de Dina Boluarte no Peru e o fim da exploração do povo paraguaio em Itaipu.

A batalha por uma verdadeira política de integração latino-americana significa enfrentar juntos a dominação imperialista, a começar pelo saque representado pelo pagamento da dívida externa e interna, com a proposta de uma frente de países contra o pagamento dessa dívida, que destrói a vida da classe trabalhadora e impõe o aumento da exploração patronal. Defendemos o fim dos acordos e tratados que exploram nossas florestas, nossa biodiversidade, nossa classe trabalhadora e nossos povos originários. Explicamos a necessidade estratégica de um Brasil e uma América Latina socialistas.