A CST é etapista? (Parte I e II)

Por Claudia Gonzales e Michel Oliveira, coordenação da CST
Diálogo com o MRT sobre Palestina laica, democrática e não racista
Na Coordenação Nacional da CSP-Conlutas, de 12 a 14/07/24, os camaradas do MRT afirmaram que a defesa da CST por uma “Palestina laica, democrática e não racista” seria uma “reedição do etapismo”. Trata-se de uma definição equivocada contra a CST.
Os camaradas do MRT afirmam que “Se expressou, no entanto, nosso debate com outras correntes no programa, onde se limitam a defender uma Palestina “laica, democrática e não-racista” e “Consideramos que a posição de defender uma palestina “democrática”, opondo-se à defesa de uma Palestina operária e socialista, é uma reedição de um etapismo fortemente combatido pelo marxismo revolucionário no século passado” (www.esquerdadiario.com.br). Vejamos isso mais de perto.
A definição do MRT é equivocada
O etapismo é uma concepção reformista que retalha e atrasa as lutas das massas, dividindo-as em momentos estanques por meio de “etapas” nacionalistas ou antifascistas. Essa orientação oportunista dos partidos comunistas e social-democratas justifica o apoio a lideranças ou governos burgueses ditos anti-imperialistas ou democráticos. No discurso, esses partidos deixam para um momento indefinido o socialismo. Trata-se de uma teoria e programa que desviam lutas, congelam e derrotam revoluções, cujo grande patrono foi Stálin e a burocracia soviética.
A CST sempre lutou contra o etapismo. Essa luta está no DNA da corrente trotskista morenista à qual nos integramos. Defendemos a revolução permanente e internacional.
As diferenças da CST e do MRT são outras
Em primeiro lugar, devemos manter a unidade de ação em defesa do povo palestino, enquanto debatemos. Em segundo lugar, temos muitos pontos de acordo com o MRT: a luta contra o colonialismo de Israel, contra a proposta imperialista de dois Estados, a luta contra as burguesias árabes, o direito do povo palestino de se defender, críticas ao programa burguês e teocrático do Hamas, dentre outros temas. Saudamos a ação dos camaradas do MRT de integrar a delegação que esteve na marcha por Gaza.
Nossa diferença não é sobre etapismo. É outra: os camaradas do MRT nutrem expectativas de que a luta na Palestina pode contar com apoio da classe trabalhadora de Israel. Isso é equivocado, pois ela é formada habitantes de um enclave colonial nazi-sionistas e imperialista. Essa linha leva o MRT a não hierarquizar a destruição de Israel, nem o apoio à resistência militar palestina e ao seu triunfo.
Isso ajuda a compreender sua oposição à consigna de uma Palestina laica, democrática e não racista, que significa a destruição de Israel, ponto fundamental do processo revolucionário na Palestina.
O que diz o MRT e sua Internacional?
Na declaração da organização internacional do MRT, a Fração Trotskista (FT), logo após o 7 de outubro, podemos ler o seguinte: “Frente ao fracasso da política de ‘dois Estados’ e frente à nova ofensiva da ultradireita, é necessária uma luta massiva de todo o povo palestino, junto à classe trabalhadora árabe e judia em Israel, que rompa com o sionismo” (10/10/23). Em relação ao enclave nazi-sionista de Israel, não há nenhuma hierarquia sobre sua destruição. De passagem, afirmam vagamente que “para acabar com o regime de apartheid, é necessário desmontar o Estado Sionista de Israel”. O documento conclui com consignas contra o bombardeio, contra a ajuda militar a Israel e pela liberdade dos presos palestinos, porém sem nenhuma que apoie ativamente a resistência militar palestina. No mesmo sentido, estão a declaração da FT de 14/05/24, “Pelo fim do genocídio em Gaza e da repressão aos jovens que se solidarizam…”, e a mais recente, “Os capitalistas estão levando o mundo à barbárie…” (5/07/2025).
MRT não hierarquiza a destruição de Israel
Para manter a linha ilusória de unidade das “classes trabalhadoras árabes e de Israel”, predomina uma política pelo fim da guerra, visando parar a máquina militar, mas sem ter como eixo central a destruição do enclave nazi-sionista de Israel. Por isso, não tratam como central o apoio à resistência armada liderada pelo Hamas, cuja frente militar é composta por dezenas de organizações, como a FPLP. Por outro lado, a proposta de considerar os habitantes de Israel como aliados retira a hierarquia do povo palestino como motor do processo revolucionário, sobretudo sua ala mais avançada de Gaza.
A saída “operária” apresentada pelo MRT está conectada à sua definição equivocada de aliança com “trabalhadores israelenses”, considerando os habitantes do enclave imperialista como supostos aliados da luta revolucionária palestina. É nesse contexto que o MRT inclui sua crítica à consigna de uma Palestina laica, democrática e não racista.
Os habitantes do enclave não vão apoiar os palestinos
Os camaradas do MRT acrescentam que a unidade com a “classe trabalhadora de Israel” será realizada com os “que rompam com o sionismo”. Isso é algo equivocado. A existência material dos habitantes do enclave imperialista, incluindo suas moradias, está conectada ao projeto de colonização nazisionista de 1947, de 1967, e à linha de expansão racista contra o povo palestino. Não serão aliados da luta revolucionária pela libertação da palestina. Após quase dois anos da nova nakba, com todas as informações sobre o holocausto disponíveis, nada que indique uma ruptura com o sionismo aconteceu na classe trabalhadora de Israel. Pelo menos que se possa qualificar de apoio a luta palestina. De acordo com pesquisa publicada no jornal Haaretz, em 28/05/25, há uma altíssima aceitação (82%) da ideia de expulsar pela força os palestinos, tanto de Gaza como das fronteiras do enclave. Cerca de 56% apoiam, além disso, a expulsão forçada dos árabes que vivem em Israel. Uma minoria significativa apoia a matança massiva de civis capturados pelas forças armadas israelenses. Dados que refletem o caráter sionista e racista da ampla maioria de Israel. Por isso, os protestos massivos são fundamentalmente pela liberdade dos sionistas que estão sob guarda do Hamas e das forças da resistência palestina, e contra Netanyahu, nenhum pelo triunfo do povo palestino. Logicamente, qualquer crise no interior do enclave nazista de Israel gera brechas que podem ser aproveitadas pelo povo palestino, como agora os atuais protestos em Israel contra a nova ofensiva militar de Netanyahu e que pedem cessar fogo para a libertação dos sionistas que estão sob a guarda da resistência palestina.
Outra coisa é que, fora de Israel, se fortalece o movimento dos judeus antissionistas, que são aliados importantes das mobilizações mundiais.
Onde está o etapismo?
Os camaradas do MRT nos criticam como se a consigna Palestina laica, democrática e não racista fosse “etapista” e a deles “operária e socialista”. Ou seja, falam como se a CST fosse contra uma revolução operária e socialista na Palestina e no Oriente Médio. Isso é completamente falso.
A importância de colocar no centro do chamado a mobilização com a consigna democrática por uma Palestina laica, democrática e não racista está dada pelo caráter da luta. Trata-se de uma luta anticolonial e democrática, já que uma população foi expulsa e oprimida por uma invasão militar financiada pelo imperialismo. Desde 1948, os socialistas revolucionários apoiamos incondicionalmente o povo palestino e sua heroica resistência militar, batalhando pelo seu triunfo. É uma luta pelo direito ao retorno de milhões que foram expulsos de suas terras.
Apoiamos a autodeterminação nacional do povo palestino, o que significa apoiar sua luta democrática para destruir o Estado nazi-sionista de Israel, recuperar seu território expropriado e conquistar seu país. Não há outro caminho, já que o nazismo não se debate, deve ser destruído com a mobilização do povo palestino e mundiais.
O capitalismo em decadência produziu o enclave nazista de Israel como parte da política contrarrevolucionária do imperialismo para conter a revolução no mundo árabe e espoliar aquela região. Assim, as tarefas nacionais, democráticas e anti-imperialistas do povo palestino estão diretamente conectadas à destruição do enclave nazista de Israel, porta-aviões do imperialismo capitalista.
A luta contra o enclave colonial sionista é ponto fundamental da luta revolucionária do povo palestino, sobretudo de sua vanguarda mais combativa: o povo de Gaza, aprisionado no gueto de Varsóvia do século XXI. Em Gaza, atualmente, os camponeses não podem cultivar a terra para se alimentar e os trabalhadores não podem produzir artigos mínimos de primeira necessidade.
As tarefas nacionais e democráticas se combinam com a luta socialista
Para a CST, a luta pelas tarefas mais elementares da independência nacional e da democracia burguesa da Palestina se combinam com a luta socialista e contra o imperialismo mundial. O triunfo do povo palestino, destruindo Israel, significaria uma vitória contra o projeto de poder imperialista e colocaria a luta de classes em um patamar mais avançado em nível global. Seria um abalo profundo no projeto de poder imperialista, com repercussões na luta de classes de todo o Oriente Médio e na luta contra as burguesias árabes. Afetaria profundamente o centro imperialista estadunidense e os europeus, sobretudo sua classe trabalhadora imigrante altamente explorada. Impactaria também novos imperialismos, como o chinês e o russo.
Por outro lado, poderia abrir uma dinâmica que colocaria em questão a posse da terra usurpada pelos nazi-sionistas desde 1947 e 1967, bem como as propriedades situadas nos territórios ocupados. Algo que poderia atingir a propriedade privada capitalista e imperialista. Por isso, não podemos secundarizar as tarefas nacionais, democráticas e anti-imperialistas. A consigna Palestina laica, democrática e não racista, criada pelo movimento palestino, está adequada à realidade e fortalece o ponto chave: a mobilização pela destruição do enclave nazista de Israel.
As novas gerações da luta palestina massificaram o chamado por uma “Palestina livre, do rio ao mar”. Palavra de ordem democrática e nacional revolucionária que significa a retomada da Palestina nas fronteiras anteriores à Nakba de 1947, ou seja, antes da imposição do enclave nazista de Israel. Algo que tornou-se massivo em todas as mobilizações de apoio ao povo palestino no mundo. Dentro desse chamado, a consigna Palestina laica, democrática e não racista se encaixa perfeitamente. Ela mobiliza de forma consequente pela destruição do enclave de Israel e pela retomada das fronteiras históricas do povo palestino, do rio Jordão ao Mar Mediterrâneo.
Para Nahuel Moreno, fundador de nossa corrente internacional, a consigna Palestina laica, democrática e não racista integra um sistema de reivindicações transitório, sendo uma ponte capaz de abrir o caminho para uma revolução operária e socialista na Palestina e para a batalha por uma Federação Socialista de Repúblicas Árabes no Oriente Médio. É com base nessa linha que nossa corrente trotskista morenista batalha para construir um partido marxista revolucionário na Palestina.
Os camaradas do MRT precisam refletir e mudar de atitude
A CST sempre conectou a mobilização revolucionária palestina com a luta mundial de solidariedade. Sempre batalhou pela revolução em todo o território histórico palestino, por sua expansão em todo o Oriente Médio e em nível mundial. Jamais fomos etapistas. Lamentamos que os camaradas do MRT atuem dessa forma, com definições infundadas, o que não ajuda na necessária unidade da esquerda independente.
Trata-se de um debate importante com o MRT, um setor relevante da esquerda classista e combativa. Apelamos para que reflitam e mudem de atitude, já que sua definição sobre um suposto etapismo da CST é incorreta. Do contrário, os camaradas estariam refletindo uma postura auto-proclamatória e sectária, que não contribui para avançar em ações comuns. Nós, da CST, reivindicamos a atuação comum com o MRT e outras organizações, como o PSTU e o SOB, no Polo Socialista Revolucionário. Defendemos a unidade da esquerda independente, que não integra nem apoia o governo burguês de Lula/Alckmin. Propomos ações em comum com o MRT e outras organizações, lideranças e partidos.
A CST, organização trotskista morenista, seção no Brasil da UIT-QI, defende como estratégia a batalha pela unidade de revolucionários e revolucionárias no Brasil e no mundo.