85 anos sem Trotsky: A Oposição de Esquerda no Brasil

Por João Santiago, coordenação da CST do Pará
Por conta do crescimento da burocratização do Partido Comunista Russo e da Internacional Comunista sob o comando de Stálin, da política de “frente popular” que na China levou à quase liquidação do PC chinês ao se dissolver no Kuomitang (partido burguês) de Chiang-Kai-Check e da perseguição implacável à Trotsky e aos velhos bolcheviques, o movimento de rupturas e críticas ao Comintern e aos partidos comunistas se espalhou por diversos países.
Na década de 30 do século XX houve trinta e quatro grupos que aderiram à Oposição de Esquerda Internacional em países como Brasil, México, Bolívia, Argentina, Uruguai, Panamá, Porto Rico, Chile e Cuba[1].
A formação da Liga Comunista Internacionalista
No Brasil, as teses da Oposição de Esquerda chegaram às mãos dos militantes comunistas brasileiros através de Mário Pedrosa em 1929. Escolhido pelo PCB para participar de uma Escola de Quadros Leninista na Rússia, ele ficou na Alemanha e teve contato com os documentos de crítica que Trotsky enviara para o VI Congresso da Internacional Comunista, em 1928, e com os quais teve pleno acordo.
De volta ao Brasil “forma quase imediatamente o primeiro grupo oposicionista brasileiro, o Grupo Comunista Lenine, em 1930”, do qual participam Lívio Xavier, João da Costa Pimenta, Aristides Lobo, Dalla Déa, Mário Dupont, Mary Houston Pedrosa, Manuel Medeiros, José Auto e a escritora Raquel de Queiroz[2]. O GCL publica o primeiro jornal da Oposição que se chama “Luta de Classes”.
Desse núcleo e das cisões do PCB em São Paulo, surge em 21 de janeiro de 1931, a Liga Comunista em um ato realizado na Associação dos empregados do Comércio em São Paulo. A Liga tinha cerca de 50 militantes em São Paulo, mas tinha uma influência grande na União dos Trabalhadores Gráficos[3].
A partir do jornal Luta de Classes, a Liga Comunista Internacionalista analisará as principais questões relacionadas ao processo de transição de uma sociedade agrária para uma burguesa-industrial, principalmente analisando o caráter que teve a “revolução de 30”, que trouxe Getúlio Vargas ao poder, discrepando categoricamente das teses etapistas e equivocadas do PCB.
Uma análise do Brasil a partir da Revolução Permanente
Mesmo a LCI sendo minoritária no movimento operário, o historiador Edgar Carone, no seu livro sobre a Segunda República, dedicou mais páginas ao trotskismo e à Liga do que ao PCB stalinista. Ele justificou assim: “…fizemos questão de reproduzir grande número de textos de sua tendência, por causa da maior lucidez de suas análises”[4].
De fato, ao ver o processo histórico brasileiro como um elo da cadeia histórica imperialista e a burguesia brasileira subordinada a esses interesses imperialistas, a LCI vai além das análises etapistas da revolução brasileira feitas pelo PCB e seus intelectuais como Octávio Brandão. No “Projeto de Teses sobre a Situação Nacional”, o stalinismo é caracterizado como o irmão gêmeo do menchevismo, pois “prepara as derrotas do proletariado, estrangula a revolução com a doutrina do socialismo nacional, utopia reacionária, revestida de um internacionalismo abstrato…A distinção dada pelo programa da IC entre países maduros e países não maduros para o socialismo nada tem de marxista”[5]. O exemplo da própria revolução russa feita pelos operários em um país atrasado é a prova de que mesmo em país que não alcançou os níveis de um país adiantado com suas forças produtivas, é possível o proletariado pular as etapas “democráticas”, burguesas, e fazer a revolução socialista. O caráter permanente da revolução permite esses saltos históricos.
No documento “Esboço de uma análise da situação econômica e social do Brasil”. escrito pelos militantes trotskistas da LC, Mário Pedrosa e Lívio Xavier, buscava-se entender o significado da chamada “revolução de 1930”, movimento que levou Vargas ao poder. “O eixo presente no “Esboço” é o entendimento de que o desenvolvimento capitalista em países atrasados, como o Brasil, tinha especificidades, não repetindo o percurso dos países centrais”[6]. Contra as teses do PCB de que a revolução de 1930 trouxe a burguesia industrial ao poder, esmagando a classe dos proprietários rurais, a LCI caracterizou a revolução de 30 como um “compromisso”, um acordo entre todas as classes dominantes para continuar o processo de exploração da classe operária.
Diante do caráter bonapartista do governo de Getúlio Vargas, a LCI vai propor o chamado a uma Assembleia Nacional Constituinte para resguardar as liberdades políticas e sindicais; diante do crescimento do fascismo, vai propor para as organizações de esquerda a Frente Única Antifascista(FUA) em 1933, que culmina em 7 de outubro de 1934, com a dissolução do comício dos integralistas (os camisas verdes), que ficou conhecido como “a revoada dos galinhas-verdes”, com muitos feridos e alguns mortos.
Mesmo com sua breve existência (1930-1936), a LCI marcou época na história da luta de classes no Brasil, se contrapondo ao stalinismo do PCB e sua revolução por etapas e incutindo na nova vanguarda operária e estudantil, as teses da revolução permanente formuladas por Trotsky e pela IV Internacional. Depois da sua dissolução e a saída de Mário Pedrosa e outros dirigentes, uma nova geração de trotsquistas vai fundar o Partido Revolucionário Socialista, em 1943, tendo à frente Hermínio Sachetta e toda uma ala do PCB de SP que rompe com o stalinismo. Tema que fica para a próxima edição do Combate Socialista.
NOTAS:
[1] José Roberto Campos. O que é Trotskismo. 4ª edição, São Paulo Brasiliense, 1985, pp. 64-65.
[2] Fulvio Abramo e Dainis Karepovs. Na Contracorrente da História: Documentos da Liga Comunista Internacionalista, 1930-1933. São Paulo: Brasiliense, 1987; pág. 31.
[3] José Roberto Campos, idem ibidem, pág. 65.
[4] Edgar Carone. A Segunda República (1930-1937). 3ª edição. Rio de Janeiro/São Paulo: Difel, 1978, pág. 9.
[5] Edgar Carone, Idem ibidem, pág. 377.
[6] Henrique Lignani. Os 90 anos da Liga Comunista do Brasil. In: https://www.cstuit.com/home/2021/08/17/90-anos-da-liga-comunista-do-brasil/