Basta de fome e genocídio em Gaza

Por Miguel Angel Hernández, dirigente do PSL da Venezuela e da UIT-QI

 

Há quase três meses, o governo de extrema-direita de Netanyahu impôs um bloqueio criminoso na Faixa de Gaza, impedindo a entrada de alimentos, água, remédios e combustível, além de restringir o fornecimento de eletricidade.

Seu objetivo é fazer o povo de Gaza passar fome para expulsar a população do enclave e forçar a rendição da resistência palestina, completando assim a limpeza étnica iniciada por Israel em 1947 e endossada hoje por Trump.

Gaza está passando por uma grave situação humanitária. O perigo da fome está aumentando. Os números são alarmantes: 14.000 bebês podem morrer se não receberem a alimentação necessária nas próximas horas, segundo a ONU. Meio milhão de pessoas (20% da população) correm risco de morrer de fome, segundo relatórios da mesma organização. Por sua vez, a Organização Mundial da Saúde informou que 57 crianças morreram de desnutrição desde março, quando Israel iniciou o bloqueio de Gaza.

Netanyahu e a limpeza étnica

Em março, o regime sionista de Israel quebrou a trégua e retomou os bombardeios, como parte de uma nova ofensiva lançada em 18 de maio, chamada “Operação Carruagens de Gideão”.

O criminoso Netanyahu disse que a nova ofensiva tem como objetivo tomar Gaza e que eles não recuariam. Declarou num comitê do parlamento sionista: “Estamos destruindo cada vez mais casas, e os moradores de Gaza não têm para onde retornar. O único resultado inevitável será a decisão dos moradores de Gaza de emigrar para fora da Faixa de Gaza.”

Em uma declaração posterior, de 13 de maio, anunciando a nova operação militar, ele disse: “Estabelecemos uma administração que permitirá que eles saiam, mas o problema do nosso lado se resume a uma coisa: precisamos de países dispostos a recebê-los. É nisso que estamos trabalhando atualmente.” “Se lhes oferecermos a chance de sair, mais de 50% sairão, e acredito que muitos mais. Mas o Hamas terá desaparecido.”

O objetivo é claro: tomar o controle total de Gaza, expulsar o povo palestino de suas terras e lares e transformar a Faixa num resort, como Trump anunciou.

A pressão mundial força Israel a permitir entradas mínimas de ajuda humanitária

Depois de levar o povo palestino em Gaza à beira da fome total, Netanyahu foi forçado a permitir a entrada de uma fração mínima da ajuda humanitária. Entre segunda-feira, 19 de maio, e sexta-feira, 23 de maio, cerca de 385 caminhões com alimentos, medicamentos e outros produtos entraram na Faixa de Gaza. Muitos desses produtos demoraram muito para chegar aos moradores de Gaza. Essas quantidades ainda são insuficientes, tendo em vista que, durante a trégua, até 600 caminhões com ajuda humanitária entravam diariamente e que há centenas de caminhões aguardando atualmente na fronteira.

Essa reviravolta do governo israelense não se deu por razões humanitárias. Foi uma decisão fria e calculada, impulsionada pela pressão de vários governos, como o próprio Netanyahu reconheceu cinicamente: “Nossos melhores amigos no mundo, senadores que conheço que apoiam Israel, vêm até mim e dizem: daremos a vocês toda a ajuda necessária para uma vitória total. Armas, apoio para eliminar o Hamas, apoio no Conselho de Segurança (da ONU), mas não podemos continuar a receber imagens de fome (em Gaza)”.

Com a brutalidade que lhe é característica, o ministro das finanças de extrema-direita, Bezalel Smotrich, disse: “Eu preferiria não enviar um único grão de comida para Gaza, nem mesmo para os civis? Talvez.” E acrescentou: “Eu entendo profundamente a raiva e a dor que todos sentimos. A verdade é que, até que todos os reféns sejam libertados, não deveríamos nem enviar água. Mas, na realidade, se agirmos assim, o mundo nos forçará a parar a guerra imediatamente, e nós perderemos.”

A pressão dos governos sobre Israel é determinada pela mobilização

As inúmeras vozes de organizações internacionais denunciando a iminente catástrofe humanitária deram um novo ímpeto às mobilizações em todo o mundo, especialmente na Europa. Essa situação coincidiu com o 77º aniversário da Nakba, quando milhares de pessoas se mobilizaram em todo o mundo contra seus governos e em apoio à luta do povo palestino. Em Madri, em 10 de maio, mais de 80.000 pessoas foram às ruas, exigindo o fim da venda de armas a Israel e o rompimento de relações com o país sionista; em Haia, Holanda, em 18 de maio, 100.000 marcharam, exigindo que o governo encerrasse seu apoio a Israel; em Londres, quase meio milhão de pessoas se mobilizaram no dia 17 de maio.

França, Canadá e Reino Unido, num comunicado emitido em 19 de maio, rejeitaram a nova ofensiva militar sionista, pediram um cessar-fogo e, hipocritamente, após meses de apoio a Israel, afirmaram que “o nível de sofrimento humano em Gaza é intolerável. Nesse comunicado conjunto, afirmaram: “Se Israel não interromper a nova ofensiva militar e suspender as restrições à ajuda humanitária, tomaremos novas medidas concretas em resposta”. Posteriormente, o governo britânico suspendeu as negociações até então em curso com Israel para chegar a um acordo de livre comércio. Dezoito outros países exigiram a retomada imediata da ajuda integral à Faixa de Gaza.

Os governos capitalistas da Europa e de outras regiões não estão questionando Israel por conta de princípios humanistas, mas sim devido à forte pressão do movimento de massas, que pode eventualmente gerar crises dentro de seus regimes.

A crise política em Israel continua

Enquanto isso, em Israel, os protestos continuam, agora diários, exigindo o fim da guerra e o retorno dos reféns mantidos pela resistência palestina. Essas manifestações são o pano de fundo de uma crise política contínua.

Não é coincidência que o ex-primeiro-ministro Ehud Olmert tenha dito numa entrevista em 4 de abril que Israel estava passando pela “crise mais grave de sua história”. Mais tarde, em 21 de maio, ele declarou: “O que Israel está fazendo atualmente em Gaza é muito próximo de um crime de guerra”.

Quase simultaneamente às declarações de Olmert, Yair Golan, oficial militar aposentado, deputado e líder do partido Os Democratas, fez declarações que causaram comoção em Israel. Ele declarou: “Um país sensato não declara guerra contra civis, não mata bebês por diversão e não tem como objetivo expulsar uma população.” Acrescentou que “Israel está a caminho de se tornar um Estado pária, como a África do Sul foi (durante o Apartheid)”.

Olmert, Golan e outros dirigentes críticos ao governo de Netanyahu são tão sionistas e antipalestinos quanto ele. No entanto, a mobilização global contra o genocídio e as marchas e manifestações em curso contra o governo israelense estão causando uma grande crise política dentro do sionismo, revelando contradições e diferenças políticas. Golan, Olmert, Benny Gantz e outros estão entre aqueles que defendem a fracassada solução de dois Estados e divergem de Netanyahu e seus ministros de extrema-direita quanto ao ritmo e aos métodos de enfrentamento à resistência palestina.

Aprofundar a mobilização mundial em apoio à resistência palestina

Nós, da UIT-QI, afirmamos que, para derrotar a tentativa de limpeza étnica e ocupação de Gaza, devemos continuar a nos mobilizar mundialmente em apoio ao povo palestino e à resistência.

A “Marcha para Gaza”, promovida por organizações de mais de 20 países, está planejada para 15 de junho. Os manifestantes marcharão até a fronteira de Rafah, entre o Egito e Gaza, para exigir o rompimento do cerco e a abertura da fronteira, permitindo a livre entrada da ajuda humanitária e de todas as expressões de apoio ao povo palestino.

A UIT-QI junta-se à convocatória dessa mobilização e apela a ações unitárias em todo o mundo no mesmo dia. Nesse sentido, defendemos a abertura imediata das passagens na fronteira, para garantir a entrada de alimentos, medicamentos, combustível e água, e o restabelecimento do fornecimento de energia elétrica.

Nós, da UIT-QI, exigimos que todos os governos do mundo, especialmente os regimes árabes e do Oriente Médio, que pouco fazem pelos palestinos, rompam relações políticas, diplomáticas, comerciais, culturais e acadêmicas com Israel. E, no caso dos governos árabes, que apoiem a resistência palestina em Gaza e na Cisjordânia com armas e demais recursos.

Defendemos um cessar-fogo imediato e a retirada de todas as tropas israelenses de Gaza, da Cisjordânia, da Síria e do Líbano. Rejeitamos a limpeza étnica promovida por Trump e Netanyahu, bem como o bombardeio estadunidense e israelense ao Iêmen. Rechaçamos o plano de Israel e de Trump de militarizar e privatizar a entrada da ajuda humanitária.

Condenamos a detenção ilegal e a ameaça de deportação de ativistas que defendem a libertação da Palestina, como aconteceu nos Estados Unidos e na Alemanha. Por uma Palestina única, laica, democrática e não racista. Palestina livre, do rio ao mar!