Peru: entrevista com Enrique Fernández Chacón, ex-deputado nacional e dirigente do Uníos-PT (UIT-QI)

Por Imprensa UIT-QI
20/10/2025. Em 10 de outubro, numa sessão relâmpago, o Congresso peruano aprovou por ampla maioria o impeachment de Dina Boluarte, encerrando assim seu governo. Durante o mandato de três anos de Boluarte, marcado pela repressão às mobilizações e lutas dos trabalhadores, da juventude e do povo peruano, o Congresso foi o principal pilar de sustentação — junto com a polícia e as forças armadas — do governo. Agora, antigos aliados estão se afastando do governo, seis meses antes das eleições gerais, aprofundando a atual crise política no Peru. A nomeação do novo presidente, José Enrique Jerí, desencadeou uma nova onda de mobilizações. Há a denúncia de que Jerí assumiu o mandato parlamentar sem o apoio popular exigido, chegando ao Congresso com apenas 11.600 votos, após o ex-presidente Vizcarra ter sido destituído. Além disso, Jerí acumula denúncias de violência sexual e enriquecimento ilícito. A grande mobilização juvenil de 15 de outubro, em que a polícia assassinou o jovem rapper Trvko, expressa a busca por uma alternativa ao sistema governamental de fome, exploração e repressão.
Conversamos com o companheiro Enrique Fernández Chacón, dirigente do Uníos, seção da UIT-QI no Peru, sobre esse processo de luta em aberto.
I – Uma grande mobilização eclodiu no Peru, com milhares de jovens e pessoas dos setores populares indo às ruas de Lima. O que eles estão reivindicando?
Enrique: Para entender do começo. Dina Boluarte foi vice-presidente de Pedro Castillo, deposto por uma tentativa de golpe. O Congresso o destituiu e nomeou Dina Boluarte em seu lugar, que tinha um passado suspeito e estava sendo investigada pelo próprio parlamento. Quando ela foi nomeada, parece que impuseram condições.
Na minha perspectiva, essa mobilização massiva, liderada por milhares e milhares de jovens e com a adesão de alguns setores populares, é uma continuação da luta de 7 de dezembro de 2023 a março de 2024, que foi justamente quando Pedro Castillo foi destituído do cargo por uma tentativa de golpe e Dina Boluarte assumiu o poder. E, desde que a Sra. Boluarte assumiu o cargo, ela tem despertado indignação, porque disse que, se tirassem Pedro Castillo, ela iria com ele, o que não aconteceu. Além disso, ela fez um acordo com o Congresso e formou uma santa aliança mafiosa com todos os membros do parlamento, com raríssimas exceções, com quatro ou cinco votos contrários de um total de 130. Uma santa aliança que conta com a participação, aliás, da extrema-direita, da “esquerda”, das diversas variantes da burguesia. O que mais chamou a atenção, para os desavisados, foi que a participação da “esquerda”, que tinha, algo inédito, 41 deputados de um total de 130. Essa santa aliança foi montada com o apoio da presidente (ou da presidenta) e do Congresso. Aprovava tudo por acordo. Eles montaram toda uma farsa eleitoral para ganhar as próximas eleições, com fraudes escandalosas.
O que é importante para mim é o traço de continuidade da luta, primeiro porque os slogans são os mesmos: Fora todos! Isso tem um significado muito importante dentro do contexto da negação de tudo o que existe. Em outras palavras, eles não veem uma saída com os atuais políticos e partidos. É por isso que estão pedindo que todos saiam. E, quando falam de todos, não estão falando apenas dos que estão no Congresso, mas de todos os partidos patronais e reformistas que o compõem.
Além disso, exigem a revogação de todas as leis aprovadas pelo Congresso corrupto, que prejudicam diretamente a classe trabalhadora e os setores populares, especialmente a repudiada lei da AFP (Previdência Privada), que coloca em risco o futuro dos jovens.
Isso é o que importa hoje: que os jovens tenham assumido as bandeiras de luta que foram levantadas fundamentalmente pelos povos originários, camponeses e setores populares.
II – Como vê a situação? Num país com uma população pobre e explorada, repleto de ex-presidentes presos por corrupção.
Enrique: Sim, há uma situação muito particular. É um país que alguns chamam de abençoado pela mão de Deus, porque, apesar de tudo o que está acontecendo, a economia se mantém, a moeda está estável e até o dólar está mais barato agora. Isso porque existe uma economia informal, que é ainda maior que a formal. Estima-se que, entre o narcotráfico e a mineração ilegal, sejam movimentados anualmente US$ 25 ou US$ 30 milhões. E há o outro lado da moeda: a pobreza assombrosa, 80% de emprego informal. As pessoas que trabalham hoje para comer amanhã representam 80%. Aproximadamente 50% da população se situa entre a pobreza e a pobreza extrema, e 50% das crianças são desnutridas, sofrendo de diferentes graus de anemia. Portanto, a situação da população em geral é inconsistente com o comportamento da economia e da renda do país. Há uma minoria de capitalistas e multinacionais que enriquecem a cada dia. Isso explica por que todos que chegam ao governo se dedicam a governar para essa minoria e a roubar descaradamente. Também explica o motivo de tanta oposição, de tantos ex-presidentes presos e de tantos outros estarem fazendo fila para se tornarem presidentes.
III – A repressão de ontem deixou um jovem manifestante morto. Qual é o papel da juventude?
Enrique: A manifestação de quarta-feira, dia 15, foi impressionante. Mesmo estando tantos anos na luta, fiquei bastante impressionado não só com a quantidade de jovens que compareceram, mas também com o espírito combativo que se vê no rosto de cada um deles. Eles possuem uma “inocência política”, que os leva a lutar por tudo o que acreditam, não importa o sacrifício, até o fim. Isso pode ser explicado, em alguma medida, pelo fato de que mais de 60% dos jovens deixariam o país se pudessem. Aqui, eles são amplamente conhecidos como os “Ní Ní” [Nem Nem], que não trabalham, nem estudam, nem têm a oportunidade de fazê-lo. Então, acredito que os jovens estão dando a resposta adequada, porque são os mais desfavorecidos; porque não sei o que mais pode passar pela cabeça de um jovem que não vê futuro. É por isso que acredito que eles são a vanguarda dessa luta.
E essa raiva se tornou mais radical desde o assassinato de Eduardo Ruiz Sáenz — um conhecido rapper do populoso bairro de San Martín de Porres, em Lima, que usava o pseudônimo Trvko —, quando um policial atirou nos manifestantes. Os jovens ainda se lembram dos assassinatos cometidos por Merino e dos 60 companheiros mortos por Boluarte nos grandes protestos do final de 2021, logo após sua posse. As autoridades reconheceram a responsabilidade das forças repressivas no assassinato, mas ainda não tomaram nenhuma medida, alimentando ainda mais a raiva dos jovens que lideram os protestos.
IV – Como segue a luta? As centrais sindicais estão convocando, são parte do processo?
Enrique: Em relação às centrais sindicais, elas são quase inexistentes, porque paralisaram o movimento sindical no Peru. Aqui, para formar um sindicato nas fábricas, são necessários apenas 20 filiados, mesmo que haja quatro ou cinco mil trabalhadores no local. Portanto, cada fábrica tem, pelo menos, várias opções sindicais e, claro, nenhuma delas é útil. E as centrais sindicais – que denunciam que 80% dos trabalhadores está na informalidade – têm pouco peso. E, além disso, há quatro centrais sindicais competindo entre si para ver qual é mais burocrática que a outra. Não são atrativas para as pessoas.
Porém, é verdade que alguns setores do movimento sindical, especificamente os que trabalham no Estado, participaram das manifestações. Em particular, os professores, que não faziam greve há muito tempo e agora cruzaram os braços. Outros sindicatos, divididos, aderiram. Há uma vanguarda de trabalhadores do transporte (motoristas de ônibus) participando, porque eles estão realmente sendo mortos em incidentes de segurança. E o Congresso é repudiado justamente porque aprovou leis para proteger os corruptos, amarrando as mãos e os pés de juízes e promotores que querem agir.
Portanto, não há possibilidade, nenhuma perspectiva diferente para o movimento sindical, a menos que, em primeiro lugar, a terceirização da mão de obra seja derrotada.
V – Que propostas vocês estão apresentando? Gostaria de acrescentar alguma coisa?
Enrique: As propostas que apresentamos e assumimos são o slogan “Fora todos!”. E, pelo lado positivo, a substituição dos donos do poder por um governo dos setores subalternos, que não esteja envolvido com a corrupção, nem faça parte da máfia do Congresso, nem superexplore os trabalhadores — o que é o nosso acréscimo.
Os jovens mobilizados aceitam de bom grado que o substituto não seja alguém envolvido em corrupção e nem parte das máfias que governam o Peru. Confirmamos isso através do diálogo com um grupo de jovens, com quem estamos debatendo e que acompanhamos nas mobilizações. Cedemos nossa sede aos jovens para seus encontros. É um grupo que faz parte de toda essa expressão de revolta que tomou as ruas nos últimos dias, e que está aberto ao debate, mas, acima de tudo, à luta.