Carta Aberta às forças da esquerda do PSOL.
- Aos camaradas, do MES, Rebelião Ecossocialista e Insurgência, Reconstrução Democrática, APS, LSR, que questionam o ingresso de Boulos e se posicionam por independência e autonomia;
- Aos camaradas da Revolução Socialista, Fortalecer o PSOL, o mandato do deputado Glauber Braga e demais forças que não integram o campo majoritário do PSOL.
1 – Guilherme Boulos acaba de se tornar ministro do governo Lula/Alckmin. Boulos é a principal liderança do PSOL e tornou-se deputado federal com mais de 1 milhão de votos. Foi um dos principais articuladores dos gigantescos atos do dia 21/09 contra a PEC da Bandidagem e outras manifestações contra Bolsonaro, Trump e o Centrão. Com sua nomeação, Lula deseja consolidar o apoio de organizações populares, manter a melhora dos índices de popularidade e preparar a campanha eleitoral de 2026.
Não estamos diante de um “giro à esquerda” e nem haverá “mudança de rumo”.
2 – Sabemos que muitos trabalhadores e jovens avaliam positivamente a nomeação de Boulos. Compreendemos essa expectativa pelo histórico de Boulos e seu papel na convocação das manifestações do dia 21. A CST construiu as manifestações contra Trump, contra o Centrão e o bolsonarismo. Defendemos a continuidade da luta unificada nas ruas contra a extrema direita. Mesmo participando dessa unidade, temos outra visão. O ingresso de Boulos não vai “mudar os rumos” do governo Lula/Alckmin e nem se trata de um “giro à esquerda”. A política de colaboração de classes, governando com os patrões, é uma estratégia política e programática de Lula e do PT. Apesar do passado ligado às lutas populares e do discurso progressista, a Frente Ampla sustenta a ordem capitalista. O governo Lula/Alckmin não está em disputa. Seu rumo está expresso na política a serviço do grande capital, nas relações com os imperialismos e em suas alianças conservadoras. A Frente Ampla de Lula/Alckmin não governa para a classe trabalhadora e não é uma alternativa para nossa classe. Não podemos depositar confiança ou semear ilusões no governo burguês de Lula/Alckmin. A nomeação de figuras do mercado financeiro, do agronegócio ou do Centrão para postos-chave do atual governo comprova o compromisso com o pagamento da dívida, a destruição ambiental e o fisiologismo. A política de austeridade, a serviço do capital, é ditada pelo petista Fernando Haddad. Não se pode esquecer que o PT já governou da mesma forma antes. Por isso expulsou os parlamentares radicais do PT (Heloísa Helena, Luciana Genro, João Fontes e Babá), desencadeando a fundação do PSOL. Precisamos manter a independência de classe.
2.1 – Uma prova do que falamos é que o arcabouço fiscal aos banqueiros e multinacionais e o Plano Safra ao agronegócio se mantêm intactos. Outros exemplos são as políticas de destruição ambiental, como os leilões do petróleo, que ofertarão blocos do pré-sal para empresas como a Chevron, Qatar Energy, Shell e Total, fato denunciado pelos Sindipetro RJ e Litoral Paulista, além da autorização da exploração de petróleo na Foz do Amazonas, criticada por ambientalistas, povos indígenas, ribeirinhos e organizações políticas.
2.2 – O governo Lula/Alckmin não convocou os atos contra o Centrão, contra Bolsonaro, contra o tarifaço de Trump ou contra a PEC da Bandidagem. Ao contrário, a política do PT foi de “negociações” com a extrema direita imperialista de Trump. Manteve reuniões com Washington no mesmo momento em que os EUA realizavam agressões contra a soberania da Venezuela e da Colômbia ao mesmo tempo em que, com a “mão esquerda”, negociava o ingresso de Boulos na Esplanada dos Ministérios. Além disso, o governo Lula/Alckmin não é consequente no combate nas ruas à extrema direita. E, no caso de governadores ultrarreacionários como Tarcísio, mantém uma política de boa vizinhança com financiamentos do BNDES para privatizações. Algo que deixa livres esses setores, que se mantêm como força eleitoral em direção às eleições de 2026. Sem falar na ausência de revogação das contrarreformas, na ausência da legalização do aborto e na continuidade do genocídio contra o povo negro e os povos indígenas, inclusive nos governos estaduais do PT.
A nomeação de Boulos aprofunda a integração do PSOL ao governo capitalista
3 – A nomeação de Boulos aprofunda a integração do PSOL ao governo capitalista da frente ampla de Lula/Alckmin e às engrenagens do Estado burguês. Boulos é a maior liderança do partido, e a Secretaria-Geral é um cargo estratégico do Palácio do Planalto, da condução do governo e da relação dos movimentos sociais com o chefe de Estado.
3.1 – A preparação de Boulos para ser ministro tem relação com sua campanha eleitoral para a Prefeitura de São Paulo, quando fez de tudo para normalizar suas relações com os empresários e afastar a imagem de lutador dos movimentos sociais. Um desses movimentos foi incluir em sua chapa a ex-prefeita Marta Suplicy, que, na época, participava do governo reacionário de Ricardo Nunes; a indicação de Alexandre Gasparian, ex-dirigente da ROTAM, para o programa de segurança pública; incluir temas do empreendedorismo em seu programa de campanha; e uma absurda live com Marçal.
3.2 – O PSOL já integra o governo Lula/Alckmin por meio do ingresso da deputada Sônia Guajajara e dos cargos na liderança no Congresso Nacional. Após três anos, não se alterou o rumo do governo. Nem se fortaleceram as lutas sociais, como vimos na aprovação do marco temporal. Um exemplo recente foi o papel da frente ampla sobre o PL da devastação: dois terços dos votos favoráveis vieram da base aliada do governo. A ministra Gleisi Hoffmann e o chefe da Casa Civil, Rui Costa, ambos do PT, nada fizeram contra o projeto. O líder do governo, senador Randolfe Rodrigues (Rede), ausentou-se da sessão. Jaques Wagner, líder do governo no Senado, deixou o plenário na hora da votação. E Lula deu veto parcial ao PL da devastação, do mesmo modo como o fez com o marco temporal. O fato de que a extrema direita atue contra os vetos e queira mais destruição ambiental e massacre dos povos indígenas não anula o papel da frente ampla nesses episódios. E, enquanto ministros como o ruralista Carlos Fávaro atuam abertamente pela aprovação desses retrocessos, a ministra Sônia Guajajara não tem a mesma ação em favor da mobilização direta nas ruas. Tudo isso reflete a realidade governamental: quando um partido de esquerda entra num governo capitalista, ele não modifica esse governo e nem o leva para a esquerda. Na realidade, transforma-se num partido que legitima a ordem capitalista e a aliança com os patrões. Os palácios condicionam a política e a ação do PSOL nos ministérios. Talvez a ação mais emblemática dessa adaptação tenha sido o papel da ministra Sônia Guajajara na ocupação dos povos indígenas e na greve da educação do Pará, onde compareceu aos protestos para tentar desmontar a luta.
3.3 – Outra demonstração da integração ao governo capitalista de Lula e ao Estado burguês é o fato de que a nomeação de Boulos nem sequer passou pelas instâncias do PSOL, diferente do que ocorreu com a nomeação anterior. Em meio à conversão à frente ampla, o centro de gravidade das decisões políticas do PSOL se deslocou dos diretórios do partido para sua bancada parlamentar e agora dá um salto, capturado pelos espaços governamentais. É a perda de independência do PSOL novamente explicitada.
A resolução do Diretório Nacional de dezembro de 2022 abriu esse caminho
4 – Uma das raízes desse processo é a resolução de dezembro de 2022 que respaldou o ingresso do PSOL no governo Lula/Alckmin, resolução apoiada por praticamente todas as forças do PSOL. A CST se opôs, e esse foi um dos motivos da nossa ruptura com o PSOL. O Diretório do PSOL votou o apoio ao governo Lula/Alckmin, a inclusão na base parlamentar e o ingresso no ministério, renunciando à sua independência. Sobre o ingresso, o texto diz que “o PSOL preserva sua autonomia de organização e, portanto, os filiados que, no caso de convidados, optem por ocupar funções no governo federal, devem se licenciar dos espaços de direção partidária”. Ou seja, a resolução aprova que outros dirigentes entrem no governo Lula/Alckmin, bastando que se “licenciem da direção partidária”. Basta cumprir uma mera formalidade burocrática.O PSOL pode até preservar sua “autonomia de organização”, ser um partido formalmente próprio, mas perde sua independência política, pois qualquer dirigente do partido que entre no governo vai responder ao governo e atuar de acordo com a linha do governo.
4.1 – O ingresso de socialistas ou comunistas em governos capitalistas nunca fortaleceu a luta das ruas nem propiciou “giros à esquerda”. Fortalece o governo de conciliação de classes, cujo conteúdo de classe é burguês. Gera, cedo ou tarde, desmobilização, desmoralização, retrocessos e derrotas. Não se trata de algo tático, mas de princípios. A participação do PSOL em um governo burguês significa dar apoio político a um governo que aplica ajuste fiscal e colabora com medidas de destruição ambiental. Críticas ao arcabouço ou voto contra algumas medidas de ajuste não salvam o PSOL. Votar contra propostas que atacam o BPC ou criticar a exploração do petróleo na Foz do Amazonas é uma obrigação democrática e humanista. Mas, para um socialista, é contraditório votar contra projetos e apoiar um governo que os impulsiona.
Propomos ação em comum com as forças da esquerda do PSOL
5 – Várias organizações do campo das esquerdas do PSOL não são favoráveis ao ingresso de Boulos no governo e defendem independência e autonomia. Os camaradas do MES falam da “importância da independência política”. Os camaradas da Rebelião Ecossocialista e Insurgência Reconstrução Democrática defendem “a autonomia do PSOL”. A APS critica a decisão no mesmo sentido. A LSR afirma que “aprofundar o atrelamento do PSOL ao governo através de sua principal figura pública é o caminho errado”. Embora, até aqui, não exista uma efetiva luta política no interior do PSOL contra o ingresso de Boulos.
5.1 – Apesar de nossas diferenças em relação às forças que seguem no PSOL, mesmo com o PSOL integrando o governo Lula/Alckmin, estamos à disposição de atuar em comum com os camaradas que defendem “independência” e “autonomia”. Propomos construir ações conjuntas com essas forças do PSOL, visando uma esquerda independente e autônoma em relação ao governo capitalista de Lula/Alckmin. Trabalhar em conjunto enquanto debatemos, democraticamente e com fraternidade, divergências como a disputa de rumos do governo ou o apoio a medidas progressivas que as forças do PSOL defendem (e nós, da CST, não defendemos), sem que esse debate paralise ações unificadas.
5.2 – A CST avalia que é possível uma atuação conjunta através da luta de classes. Nossa proposta é construir blocos combativos contra as políticas capitalistas do governo Lula/Alckmin e fortalecer a luta nas ruas contra a extrema direita. De certa forma, algo nesse sentido ocorreu no congresso da UNE, através da chapa unificada das oposições contra a direção majoritária da UNE, envolvendo juventudes da esquerda do PSOL, UP, PCBR, PSTU e a CST. Um processo que poderia ser estendido ao movimento sindical, numa batalha contra os pelegos da Articulação/PT e PCdoB, e pela democratização dos sindicatos. Algo semelhante ocorreu recentemente na eleição do Metrô de SP, cuja chapa vitoriosa abarcou setores do PSOL e da esquerda independente contra a chapa da Articulação e do PCdoB.
5.3 – A CST propõe um debate sobre a construção de um espaço à esquerda que seja unitário, superando a fragmentação atual. Para isso, sugerimos uma reunião entre as direções do MES, Rebelião Ecossocialista e Insurgência Reconstrução Democrática, APS e LSR, e as forças do PSOL que questionam o ingresso de Boulos, juntamente com forças que não são do PSOL, mas querem atuar visando uma esquerda independente.
5.4 – Outro tema que apresentamos para o debate é sobre as eleições de 2026. Em nosso entendimento, a defesa da independência e da autonomia também passa por não apoiar a chapa de colaboração de classes de Lula/Alckmin. Poderíamos construir um bloco da esquerda independente, sem patrões. Sabemos que os camaradas da esquerda do PSOL não têm a linha de romper com o PSOL. Mas uma coisa é não romper com o PSOL e outra é aderir novamente às chapas da frente ampla em 2026. A CST, mesmo quando integrava o PSOL, desacatou a linha majoritária do partido: não apoiamos nem fizemos campanha para a chapa Lula/Alckmin em 2022. Esse é um tema para discussão.
5.5 – Os camaradas do MES, Rebelião Ecossocialista e Insurgência Reconstrução Democrática, APS e LSR, Revolução Socialista, Fortalecer o PSOL e o mandato do deputado Glauber Braga têm uma forte responsabilidade. Uma movimentação pela esquerda ajudaria a construir um espaço unitário na luta de classes e a reorganizar uma esquerda independente.
A tarefa que se impõe é a reorganização independente da classe trabalhadora
6 – A CST defende confrontar o sistema capitalista e seus representantes, mantendo um combate radical contra o tarifaço de Trump, o imperialismo, a extrema direita e governadores ultrarreacionários como Tarcísio. Defendemos manter de pé a luta por reajuste emergencial de todos os salários, benefícios e bolsas, zerando as perdas; garantir que todos os acordos coletivos assegurem o reajuste automático dos salários de acordo com a inflação real dos alimentos, tarifas e remédios; e lutar pela duplicação do salário mínimo. Lutar pelo fim da 6×1, pela redução da jornada de trabalho e pelo atendimento das reivindicações do breque dos apps. Exigir o fim do arcabouço fiscal e do Plano Safra, contra qualquer mudança nos pisos constitucionais de saúde e educação. Por mais verbas para as áreas sociais e para as pautas feministas e LGBTQIA+. Pelo não pagamento da dívida, taxação dos bilionários e multinacionais, estatização do sistema financeiro e expropriação das multinacionais. Garantir terra para quem nela quer trabalhar, impor a demarcação de todas as terras dos povos indígenas, acabar com as chacinas policiais e com todo o aparelho repressivo contra o povo negro. Cadeia para Bolsonaro e todos os golpistas, e expropriação das empresas que financiaram o golpe. Exigimos da CUT, CTB, UNE e MTST uma jornada nacional de lutas. Batalhamos por uma nova direção democrática, unitária e de lutas para o movimento operário e popular, combatendo as direções majoritárias pelegas. E, nesse caminho, aproximar as forças que não integram e nem apoiam o governo Lula/Alckmin, reorganizando a esquerda socialista e comunista de forma independente. Uma esquerda radical e sem patrões.
6.1 – A CST é uma organização socialista e revolucionária independente. Somos a seção no Brasil da UIT-QI (Unidade Internacional de Trabalhadoras e Trabalhadores – Quarta Internacional).
Estrategicamente, defendemos a unidade dos revolucionários e revolucionárias. Lutamos por um governo da classe trabalhadora, sem patrões, e por um Brasil socialista.
Por uma efetiva unidade anti-imperialista latino-americana contra Trump, rumo a uma Federação das Repúblicas Socialistas da América Latina.
São Paulo, 23/10/2025
Corrente Socialista de Trabalhadores e Trabalhadoras, seção da UIT-QI no Brasil
