Relato de um chileno indignado

| Por Pedro Mara – Mestrando em Educação na UFRJ

Neste sábado o estudante chileno Pablo Gutierrez, da Juventude do MST (Movimento Socialista dos Trabalhadores – Chile) esteve na UFF à convite do coletivo Vamos à Luta para falar sobre as experiências das mobilizações juvenis naquele país.

Ao começar seu relato falou sobre a implantação do neoliberalismo durante a ditadura de Pinochet e da “Concertação” (coalizão dos partidos que lutavam contra a ditadura), responsáveis por privatizar os serviços públicos, entre os quais a educação, saúde, transportes, etc. É importante destacar que no Chile foram privatizados o ensino e a saúde ao ponto de haver taxas e pagamentos para todos os “serviços públicos”. Pablo relatou que há muitos casos em que os estudantes ficam pagando o seu curso superior por até 25 ou 30 anos e que o endividamento dos estudantes é generalizado.

Seguindo todas as recomendações do Banco Mundial, a privatização da educação naquele país, no setor universitário, por exemplo, se evidencia não apenas nas dívidas contraídas com os bancos, mas também com o problema do desemprego estrutural e do trabalho precário.

Entretanto, o cenário aberto a partir de abril de 2011 foi de grandes mobilizações, com um forte caráter indignado, de grandes lutas contra o modelo neoliberal da educação, da saúde e de toda a sociedade. Uma das bandeiras que agitou e mobilizou as massas foi a consigna da “educação pública e gratuita”, agitada por diversas organizações estudantis, partidos políticos, entre outros. A bandeira da educação gratuita é fundamental porque ataca o centro do modelo capitalista no Chile, por se opor radicalmente à lógica destrutiva do capital, se opondo aos princípios do neoliberalismo. Afirmar que educação não é uma mercadoria é uma bandeira altamente anticapitalista.

Nesta nova conjuntura de lutas, diferente dos anos 90 quando predominava a ideologia da morte das lutas sociais, ressuscitaram mobilizações e o surgimento de organizações e novos dirigentes. No seio do movimento uma profunda diferença se instalou. O Partido Comunista teve como eixo de reivindicação o aumento das bolsas. Essa diferença dividiu o movimento entre radicais e moderados, pois não defender a gratuidade e defender apenas o aumento das bolsas não resolve em nada o problema estrutural pelo qual a juventude chilena passa.

Diferentemente do que a grande mídia coloca, Gutierrez afirmou que a luta dos estudantes não foi apenas de universitários, pois houve muita unidade com estudantes secundaristas, numa onda de mobilizações sem precedentes nos últimos vinte anos em toda a América Latina. No meio dessas mobilizações está a CONFECH (Confederação dos estudantes chilenos), a UNE de lá, dirigida pelo Partido Comunista (PC), de caráter estalinista, e sua principal figura pública, a estudante Camila Vallejos, cumprem tal qual aqui, um caráter totalmente traidor, apostando num diálogo com o parlamento corrupto, que não vai viabilizar educação pública porque muitos dos parlamentares são justamente os empresários da educação, aqueles que lucram cifras altíssimas com a mercantilização da educação. A mobilização fez emergir uma grande consciência entre os estudantes e depois delas, a juventude do PC (a UJS de lá) tem perdido as principais Federações (os DCE´s de lá se chamam assim), como por exemplo a da Federação da Universidade do Chile, USACH (Santiago), UMCE (Pedagógico) e UV (Valparaiso).

Pablo encerrou nos falando que a perspectiva é que a mobilização continue em 2012. Que boa parte do movimento e o seu grupo político, o MST, atuam batalhando por uma nova direção do movimento estudantil, com 3 eixos bem claros que questionam a essência do neoliberalismo: a educação pública e gratuita para todos; a renacionalização das matérias-primas e a desburocratização das entidades estudantis e sindicais.

Valeu muito o relato e as conclusões que pudemos extrair a partir dele. Fica nosso agradecimento ao Pablo e também à organização irmã chilena, o MST. Entender que nossas lutas não se resolvem no terreno nacional e que o internacionalismo é um caminho fundamental para os de baixo é um quesito básico se quisermos avançar nas lutas e conquistas em nosso país. Agora o companheiro Pablo fará debates em outras universidades do Rio e também viajará ao Pará, trocando experiências e reforçando laços de luta latino americanos.