Fora ingleses das Malvinas!

| Izquierda Socialista, tradução Pedro Mara

Foi uma guerra justa? Deveríamos apoiar, apesar da ditadura? Quais foram os motivos da derrota? Qual o papel do peronismo, dos radicais e da Igreja? Que posição tiveram os socialistas revolucionários?

As Ilhas Malvinas foram usurpadas pela Grã-Bretanha em 1833. Foi um clássico roubo imperialista, similar ao que o Império Britânico realizara em outras partes do mundo. Nas Malvinas se instalou uma base militar e começou um saque dos recursos naturais, que continuou ao longo do século XX e que segue até hoje. Deste então os argentinos vivem reclamando a devolução do território usurpado. Gerações após gerações repetem uma simples verdade: as Malvinas são argentinas. Por isso, nós, socialistas revolucionários, dizemos com todas as letras: a causa das Malvinas é uma causa justa, na guerra de 1982 estávamos incondicionalmente do lado argentino contra o imperialismo britânico e norte-americano.

O porquê da guerra

No dia 2 de Abril de 1982 a ditadura militar mais genocida e pró-imperialista que tem conhecido a história argentina havia ocupado as Malvinas. O presidente Galtieri e seus sócios da Junta Militar lançaram uma operação militar buscando uma saída que “desse ar” a uma ditadura enrolada entre a crise econômica e a resistência operária e popular crescente. Apenas dois dias antes, em 30 de Março, uma imensa marcha convocada pela CGT havia sido ferozmente reprimida. A última coisa que queriam os militares era haver uma guerra progressivamente anti-imperialista. Mas a politica aventureira da ditadura de “salvar-se” e canalizar o ódio para os ingleses levou a uma guerra contra a Grã-Bretanha, que contou com o apoio dos Estados Unidos.

A ditadura errou em seus cálculos. Imaginava-se que por trás da ocupação das ilhas viria uma etapa de negociações que terminaria com o apoio norte-americano. Chamaram as massas a movimentar-se para apoiar sua “aventura” para ganhar popularidade. Mas tudo ficou de cabeça para baixo. Os norte-americanos não podiam permitir que se violasse o status-quo imperialista e, naturalmente, apoiaram seus sócios ingleses. No intento de manipular as massas, gerando movimentos de apoio à ditadura, terminaram desencadeando uma fenomenal mobilização anti-imperialista. Assim, no dia 10 de Abril daquele ano, mais de 150 mil pessoas se concentraram na Praça de Maio com cartazes dizendo “fora ingleses e norte-americanos das Malvinas”. Os militares se encontraram ante uma situação sem saída: entrar em uma guerra contra o imperialismo ou retirar-se sem uma luta, suicidando-se antes às massas. Os acontecimentos terminaram levando à guerra.

Se podia ganhar, mas a ditadura escolheu a derrota

No dizer dos próprios especialistas militares ingleses se permitiu que uma frota inteira corresse todo o Oceano Atlântico sem ser perturbada (apesar de contar em negociação com o apoio norte-americano), se rechaçou a ajuda que estavam oferecendo outros países da América-latina, não se tocou nos interesses econômicos britânicos na Argentina e inclusive se seguiu pagando a divida externa inglesa. A isto tem que se somar que havia lideres militares (como o genocida Astiz) que se renderam sem disparar um único tiro. Além destas condições, sobraram atos de heroísmo de nossos soldados e inclusive de alguns setores da oficialidade (como os pilotos da Força Aérea), que mais de uma vez ameaçaram as forças britânicas.

Em terra firme a ditadura elogiou a derrota. Esta foi também a politica dos partidos patronais (PJ-UCR) e da Igreja Católica, que “contribuiu” com a vinda do Papa para passar a rendição. Mesmo assim, em 15 de Junho uma multidão foi para a Praça de Maio para gritar “as crianças foram mortas, as cabeças foram vendidas”. Seria o começo do fim da ditadura.

Nosso partido de então, o PST (Partido Socialista dos Trabalhadores) se encontrava ilegal e perseguido, com presos e mais de 100 desaparecidos. Mesmo na clandestinidade o PST denunciou o caráter aventureiro da ocupação militar de dois de Abril. Mas fomos claros desde o principio: ante um choque armado, estamos com a Argentina contra os ingleses. Mas isto ia além da ditadura, porque o que estava na ordem do dia não era a “democracia ou o fascismo”, e sim a justa causa de um país oprimido e atacado por uma potência do imperialismo. Alistamos-nos incondicionalmente no campo militar da Argentina, sem nenhuma confiança nem apoio politica à ditadura, enquanto seguíamos denunciando seus crimes e proporíamos uma politica para ganhar a guerra: ir a fundo contra os ingleses, aceitando a ajuda latino-americana e expropriando o imperialismo. Exigimos o levantamento das restrições dos partidos políticos e intervenções aos grêmios, liberara os presos políticos e reclamamos aumento salarial, enfrentávamos demissões, apostando sempre na mobilização. Chamamos a CGT que unificasse a “unidade de ação anti-imperialista”, tudo ao contrario do que fizeram a ditadura, o PJ, a Igreja e a burocracia sindical. Hoje, trinta anos depois seguimos agitando: Fora o imperialismo da América Latina.

O povo derrubou a ditadura genocida

O PST, que havia estado durante seis anos em total clandestinidade, havia começado a participar de maneira cada vez mais aberta das mobilizações iniciadas pela agressão militar britânica, que teve seu ápice e sua maior expressão em 15 de Junho, quando uma multidão repudiou a rendição dos genocidas. É possível perceber as mudanças históricas que haviam sido produzidas nas ruas: com a luta se recuperaram liberdades democráticas, se podia sair e gritar “são todos assassinos os militares desse processo” ou “paredão a todos os militares que venderam a nação”, e, salvo algumas exceções, nada era reprimido. Por definição o PST, os trabalhadores e o povo com sua mobilização pela recuperação das ilhas havia imposto uma mudança histórica, abrindo uma situação revolucionaria, encurralando a ditadura, e provocando imediatamente a crise do poder militar, num vazio politico que durou vários dias.

Isto explica que em 16 de Junho, entre quatro paredes, era destituído Galtieri e se dissolvia a então toda-poderosa Junta Militar. Seguiram-se duas semanas até que a burguesia, com apoio da burocracia sindical, conseguiu colocar um substituto. Para retomar o controle politico da situação e encerrar a crise, entre os militares, os partidos patronais (agrupados de forma multipartidária) e a burocracia sindical, pactuaram que assumia a presidência, em 1 de Julho o general Bignone. Da mão do imperialismo norte-americano, proclamaram o fim da politica de encerramento (Estado de Exceção) e uma convocatória eleitoral, posando como os “campeões da democracia”. Todos queriam ocultar por completa que a ascensão das massas havia derrotado abruptamente o regime genocida da ditadura militar, recuperando liberdades e logrando o triunfo de uma revolução democrática.

Dizia Nahuel Moreno alguns meses depois: “a mobilização das massas começou contra o imperialismo inglês, estreitou laços com os povos latino-americanos e, por último, ante a vergonhosa capitulação, terminou enfrentando Galtieri e a ditadura em geral, por traidores na condução da guerra… Ao dissolver a Junta Militar o país correu fora das instituições de governo que o regiam. […] Esta situação de total colapso das instituições nacionais do governo burguês de até então – a Junta e o presidente nomeado por ela – e o eixo de que durantes dias e dias não apareceram outra instituição ou personalidade para preencher esse vazio, o que denominamos crise revolucionária… […], precisamente porque houve uma crise revolucionaria que culminou na destruição do antigo regime e sua substituição por um novo, dizemos que o país ganhou uma revolução”.

"Desmalvinização": transporte atmosférico, ursos de pelúcia e padrões duplos.

A partir de 1982os políticos peronistas e radicais se dedicam a reforçar o novo regime politico que surgiu da derrota da ditadura para antes as massas. Eles cerraram filas com os genocidas para ocultar que tinha havido uma revolução democrática que varreu as forças armadas e puseram em marcha um operativo de “arrependimento”, para mediar boas relações com os imperialistas norte-americanos e ingleses. Assim começou a “desmalvinização”.

O radical Raul Alfosin, que logo foi eleito presidente, começou um escarnio a guerra das Malvinas sem nenhum pudor. Pisoteando os sentimentos de dor pelos mortos da guerra, e mais meio século de reclamos por soberania, declarou que essa luta havia sido um “carro atmosférico”, ou seja, um caminhão de m… (Caderno de ANSA, citado em Solidariedade Socialista, n. 12, 10/2²1983). Em seu governo se abandonou os ex-combatentes que começaram a organizar-se pedindo pensões, reinserção laboral, assistência medica e outras pautas.

O peronista Carlos Menem manteve a desmalvinização. Seu chanceler Guido Di Tella colocou o país no ridículo enviando ursos de pelúcia Winnie-Pooh aos kelpers (nome inglês dos malvinenses). O governo radical-frepasista da aliança não inovou e foi varrido dois anos depois pelo argentinaço.

Em 25 de Maio de 2003 assumiu o peronista Nestor Kirchner. Como em todos os temas, a respeito às Malvinas instalou um conhecido duplo discurso. Sem muito esforço, se distanciou do “carro atmosférico” do radical Alfosin, e enterrou os ursos de pelúcia de Di Tella (que havia criticado quando era governador da província de Santa Cruz). Na chave “nacional e popular” do peronismo kirchnerista foi aplaudido em seu discurso inaugural, falando da “cultura Malvinas”, e prometendo manter a “reinvindicação da nossa soberania”. Pouco tempo depois viajou para Londres para participar de uma reunião de “governos progressistas”, onde abraçou o primeiro-ministro inglês Tony Blair e praticamente não se mencionou o tema Malvinas. Em um de seus discursos de 2006 classificou o conflito de “insensato e sinistro”. Primeiro Nestor e logo Cristina Kirchner tem mantido a desmalvinização. Eles mantiveram o discurso da farsa da guerra de 1982, não afetaram nenhum interesse econômico inglês, e tem sido incapaz de dar qualquer saída para a afirmação dos que foram recrutados durante a guerra, mas estavam no continente.

O exemplo do PST

No desencadeamento da Guerra das Malvinas, em Abril de 1982, o PST solicitou a Juan Carlos Lopez Osornio, o “Pelado Matosas” (preso durante mais de sete anos nos cárceres da ditadura) e a “Petiso” José Francisco Paez (ex-dirigente da Sitrac-sitram, preso em 1976 e libertado em 1981) que se alistassem como voluntários para ir pro combate contra os ingleses. Ambos (hoje falecidos) haviam compartilhado cela, e, apesar de terem saído recentemente do cárcere como presos políticos, aceitaram o desafio e demonstraram na prática como se apoia a luta do povo argentino contra o imperialismo, embora os mesmos genocídas que os mantiveram presos durante anos estivesse na vanguarda da guerra.

Neste processo tampouco faltou solidariedade internacional. Desde o PST peruano (partido integrante da corrente trotskista dirigida por Nahuel Moreno), seu dirigente, Enrique Fernandez Chacon, se apresentou no consulado argentino de Lima para inscrever-se como voluntario, declarando: “temos que estar ao lado da Argentina e seu campo militar agredido pelo colonialismo britânico e pelo retiro imediato da frota inglese dos mares latino-americanos”.