A epidemia de coronavírus

por Miguel Sorans, dirigente da Izquierda Socialista (Argentina) e UIT-QI tradução Natália Granato e Marcello Bertolo

A epidemia de coronavírus, que tem seu epicentro na China, tem um grande impacto mundial pela gravidade das perdas de vidas. Porém o impacto também ocorre pelas consequências econômicas que afetarão as massas em todo o planeta. A China está semiparalisada. O coronavírus gera uma nova queda da produção e produz estragos no mercado mundial. As multinacionais vão querer que os povos do mundo paguem essa conta.


Stringer/Getty Images

A crise do coronavírus evidencia ainda a realidade social da China e da ditadura do Partido Comunista (PC) Chinês. O regime censurou as primeiras advertências de um médico e o acusou de “perturbar severamente a ordem social”. Semanas depois o médico morreu infectado pelo vírus. A resposta para a epidemia foi lenta. Nem o capitalismo chinês, nem o imperialismo mundial tem garantido uma resposta adequada a esta crise humanitária que está afetando milhões de pessoas.

Neste mês tornou-se público que a epidemia de coronavírus começou na cidade de Wuhan em dezembro. Contundo, as autoridades do governo chinês apenas recentemente, em janeiro, reconheceram a epidemia. A cidade de Wuhan tem 11 milhões de habitantes e é a capital da província de Hubei. Ali está se produzindo a maior quarentena da história. Hubei tem 56 milhões de habitantes.

Até agora a epidemia não foi controlada e o número de mortos na China já superou 1400, segundo os dados oficiais do regime. Com uma média de 100 mortos por dia, houve um salto no dia 12 de fevereiro, com 242 vítimas fatais. Atualmente, as autoridades chinesas já falam em mais de 64 mil afetados. Todavia não há uma vacina. Com o epicentro na China, a epidemia se estendeu aos vizinhos da Ásia e a alguns países da Europa.

A gravidade da epidemia em números pode parecer baixa, mas já foi superado no país as mortes causadas pela epidemia anterior de SARS (2003). Pode parecer uma simplificação afirmar que esta epidemia é produto do capitalismo chinês. Porém, é a miséria crescente gerada pelo sistema capitalista desenvolve as condições para o surgimento destas novas epidemias e para agravá-las. As causas do surgimento e o desenvolvimento na China deste tipo de enfermidades, como foi em um momento anterior o SARS, a gripe aviária, e agora o coronavírus, tem origem na crise social gestada no país desde o retorno ao capitalismo.

Pelos dados que se tem conhecimento sobre as possíveis origens do coronavírus, é possível suspeitar que surgiu nos populosos mercados públicos de Wuhan, onde são vendidos animais vivos: desde galinhas e porcos até outras aves e repteis, que em muitos casos são abatidos na hora. Também se comercializam raposas, morcegos e serpentes. Acredita-se que alguns animais podem ter transmitido o vírus. O governo chinês tem buscado justificar estas práticas, totalmente insalubres e que estão proibidas em muitas partes do mundo, como uma questão “cultural” ancestral. Quando na realidade este tipo de mercado, que se dá ali e em outras partes do mundo, são fruto da desigualdade social. Uma tradição originada da miséria e da fome geradas pela exploração capitalista.

O surgimento e o agravamento desta epidemia confirma a verdadeira face da China capitalista atual, que o imperialismo e os meios de comunicação burgueses elogiam como um exemplo de “modernidade”. Por outro lado, a maioria da esquerda e centro-esquerda mundial, entre eles o chavismo, o lulismo e o castrismo, elogiam e reivindicam a China como um exemplo de suposto “socialismo de mercado do século XXI”. Na realidade, estão sendo desnudadas as contradições que vive a China capitalista atual e suas tremendas desigualdades sociais, com 400 milhões de ricos e integrantes da classe média alta, frente a mais de um bilhão de trabalhadores, mulheres e camponeses que sobrevivem superexplorados, em condições de superpopulação, insalubridade e miséria.

A epidemia de coronavírus ocorre ainda no marco da deterioração do sistema de saúde chinês que resulta das privatizações que se deram no calor da restauração capitalista no fim dos anos 80 e durante a década de 90 do século passado. A partir da revolução de 1949, o sistema de saúde era estatal e gratuito.

Desde a restauração capitalista “uns 45% da população urbana do país e 80% da população global, não possui nenhum tipo de seguro médico, fato admitido recentemente pelo vice-ministro da Saúde da China, Gao Qiang” (Andrés Oppenheimer, Cuentos Chinos, página 61, Editorial Sudamericana. 2005).

O governo chinês e os meios de comunicação têm tentado mostrado “certa eficácia”, difundindo que foi instalado um hospital em apenas 10 dias. Na prática, trata-se de uma improvisação desesperada para corrigir o estado de degradação da saúde pública chinesa.

Morre pelo vírus o médico que alertou e foi censurado

A gravidade da epidemia de coronavírus se põe em evidencia, também, pela condução repressiva e da censura por parte ditadura do PC Chinês. Diante desse quadro, os dados com número de mortes e infectados são altamente duvidosos. A única fonte de informação é a ditadura chinesa. Contudo, cada vez mais transcendem denúncias e protestos através das redes sociais.
O ponto mais alto que desatou o crescimento dos protestos do povo chinês, foi o caso da censura e repressão do médico oftamologista Li Wenliang. Em dezembro, este médico de 34 anos, que trabalhava no hospital de Wuhan, foi o primeiro a advertir a presença e agressividade do vírus, e começou a enviar mensagens a seus colegas alertando a gravidade e os perigos que estavam se desenvolvendo. No dia 30 de dezembro ocorreu o primeiro alerta que não foi levado em consideração. Para piorar, poucos dias depois, funcionários da guarda de segurança pública (policiais) se apresentaram para advertir o médico que estava “cometendo uma falta grave”. O obrigaram a escrever uma nota onde o acusavam de fazer “comentários falsos” e de “perturbar severamente a ordem social” (Clarín, Argentina 7/02/20). Lamentavelmente o médico já havia contraído o vírus e acabou falecendo em meados de janeiro, o que provocou uma grande repercussão. Hoje está sendo considerado um herói nacional pelo povo chinês à medida que sua luta vai se tornando reconhecida.

A ditadura, ao reprimir a advertência, provavelmente aprofundou o agravamento da epidemia. Diante da imensa repercussão destes fatos, o governo central foi obrigado a destituir a cúpula do Partido Comunista da província de Hubei e da cidade de Wuha para conter a ira popular.

O coronavírus e a negligência capitalista global

A atuação da ditadura chinesa é parte da negligência do sistema capitalista e imperialista de forma global, que agrava toda forma de resposta para que se evite a extensão da epidemia e as perdas de vidas pelo mundo.

Existe uma disputa entre os distintos países capitalistas, e em particular das multinacionais de produtos farmacêuticos e laboratórios privados, para ser o primeiro a descobrir uma vacina, ter a patente e conquistar mais lucros com a venda deste produto. Por exemplo, “o gigante farmacêutico britânico Glaxo Smith Kline (GSK) já começou a elaborar um projeto. A carreira é rápida e o primeiro a chegar leva o prêmio maior.” (Clarín, Argentina, 5/02/20).

Esta inescrupulosa disputa chegou ao ponto de levar o diretor da Organização Mundial da Saúde (OMS), o etíope Tedros Adhanom Ghebreyesus, a acusar “alguns países ricos de estarem muito atrasados no compartilhamento de informações sobre casos de coronavírus, reclamando maior solidariedade internacional para combater a epidemia na China” (idem, 5/02/20). A OMS estima que será necessário no mínimo um ano e meio para produção da vacina.

Mas além do pico da extensão da epidemia, e torcemos para que seja o menor possível, haverá um agravamento da atual crise econômica capitalista. A gigantesca China está semiparalisada. Se verá afetado todo o comércio mundial e haverá queda na produção. As multinacionais vão querer que as populações paguem a conta dessa crise. Os povos devem estar preparados para seguir os enfrentando.


14 de Fevereiro de 2020. Publicado originalmente em http://izquierdasocialista.org.ar/2020/index.php/blog/para-la-web/item/16438-china-coronavirus-y-dictadura

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