Oscar 2020: As lutas do mundo entram em cena  

Oscar 2020: As lutas do mundo entram em cena

Bruno Pacífico – Militante da CST-PSOL

A tradicional premiação de cinema internacional, o Oscar, este ano apresentou uma mudança significativa em sua história: premiou o filme sul-coreano “Parasita” de Bong Joon Ho nas principais categorias, na de Melhor Roteiro Original, Melhor Diretor, Melhor Filme Estrangeiro e, a mais esperada, Melhor Filme. O filme apresenta os problemas sociais na Coréia do Sul, um dos principais satélites capitalistas na região asiática, mostrando a exploração, os interesses e os conflitos de classe através da mistura de diversos gêneros, como a comédia, o drama e o suspense.

Bong Joon Ho é reconhecido por trazer em suas histórias as relações e os conflitos de classes. Além disto, também tece críticas de natureza anticapitalista quando retrata os crimes ambientais, como em “O Hospedeiro”, ou as consequências das mudanças climáticas e o aquecimento global sobre a luta de classes, como em “Expresso do Amanhã”. Parasita não é diferente e por isso fez história ao ser indicado nas principais categorias e levar a melhor em um duelo direto com outro filme cujo o gênero, o de guerra, costuma ser premiado. Até à noite da premiação, “1917” de Sam Mendes, estava no topo das premiações que antecedem o Oscar, que são consideradas termômetros para a tradicional premiação estadunidense.

Em parte, a indicação e a premiação de “Parasita” nas principais categorias é um reflexo da pressão política entorno do Oscar nos últimos anos. Pressão exercida por profissionais da área que são de outros países, que buscam maior diversidade nos filmes, melhores condições salariais e maior reconhecimento por parte da Academia e da indústria norte-americana. Houve conquistas que se expressaram, por exemplo, na premiação das principais categorias como Melhor Filme e Melhor Diretor. Seja com “Birdman ou A Inesperada Virtude da Ignorância”, em 2014, do mexicano Alejandro González Iñárritu; seja com a “A Forma da Água”, em 2018, do também mexicano Guillermo Del Toro. Ainda assim, todos estes se enquadram na estética do cinema de Hollywood e  são de língua inglesa. Um dos poucos filmes a ameaçar a arrancar a estatueta de Melhor Filme sem ser falado em inglês, nos últimos anos, foi “Roma” na cerimônia de 2019, que contou com a produção da Netflix, a direção do mexicano oscarizado Alfonso Cuarón, atores e atrizes mexicanas, dentre elas, Yalitza Aparicio, de descendência indígena. “Roma” perdeu para “Green Book: O Guia”, exemplo de filme da indústria cinematográfica de Hollywood que ideologicamente mascara o racismo norte-americano com histórias leves e sem conflito, em que apresentam personagens de cor branca mantendo boas relações com seus empregados negros ou vice-versa.
Há pressão também do movimento negro que trabalha na indústria de Hollywood, seja na direção, seja como atores, atrizes e produtores, entre outras funçoes, que buscam igualdade e reconhecimento por seus trabalhos. Isto se expressou no movimento “Oscar So White”, em 2016. Diretores, produtores, atrizes e atores negros não compareceram à cerimônia porque atores negros, como Will Smith, Idres Elba e Samuel El Jackson, que deveriam estar presentes entre as indicações foram esnobados nas respectivas categorias. Esta situação fez com que Spike Lee expressasse além de sua felicidade, o seu descontentamento com o governo Trump, mas também com o esnobismo racista e misógino da Academia, quando subiu ao palco por levar o prêmio de Melhor Roteiro Adaptado (o único que ele arrancou) em 2019. E mesmo com todos estes questionamentos, no mesmo ano de 2019, o Oscar premiou “Green Book: O Guia”, desbancando “A Favorita”, “Roma” e “Infiltrado na Klan”, todos estes muito premiados e com muita torcida dentro da premiação. O curioso é que Spike Lee, esnobado na categoria de Melhor Filme em 2019, não foi indicado em 89 por seu filme “Faça A Coisa Certa” (considerado o filme da década, na época). A Academia decidiu premiar “Conduzindo Miss Daisy”, cuja a estrutura narrativa é a mesma utilizada em “Green Book: O Guia”.

Atrizes e diretoras também há anos vêm expressado críticas à indústria de Hollywood. Os movimentos “Me Too” e “Times’s UP” são exemplos concretos de suas reivindicações. Ambos buscaram combater o assédio moral e sexual e levantaram a discussão da predominância de homens tanto na indústria do cinema quanto nas premiações do Oscar. Este ano, com a hashtag “Oscar So Male”, mais uma vez a premiação foi contestada através do movimento de mulheres ativistas dentro e fora de Hollywood. O machismo da Academia ficou evidente com a indicação de somente um filme dirigido por uma mulher, “Adoráveis Mulheres” de Greta Gerwig, na categoria Melhor Filme. Greta não foi indicada às outras categorias principais porque na noite de lançamento de “Adoráveis Mulheres” (adaptação do importante livro Mulherzinhas, de Louisa May Alcott), alguns críticos não entraram nas sessões por conta da predominância do público feminino.Porém, uma das conquistas importantes deste ano foi a estatueta de Melhor Trilha Sonora para a compositora Hildur Guðnadóttir. Ela foi a quarta compositora nos 92 anos do Oscar a receber o prêmio. Este ano, as mulheres foram menos premiadas (total de 13) em relação ao ano passado. Contudo, foi maior que 2018, ano em as profissionais arrancaram somente 6 prêmios. Contudo, este ano, na categoria Melhor Documentário, as diretoras dominaram. Dentre os 5 documentários indicados, 4 foram dirigidos por mulheres. “Indústria Americana” levou a estatueta. O filme mostra a realidade de trabalhadores norte-americano numa fábrica de vidro em conflito com o dono chinês, um burguês aliado do PC da China e que busca expandir seus negócios no mercado dos EUA. A diretora Julia Reichert, durante seu discurso, fez clara menção ao Manifesto Comunista, que completou 170 anos no ano passado, ao dizer que “Hoje em dia, os trabalhadores têm a vida cada vez mais difícil. Nós acreditamos que as coisas vão melhorar quando os trabalhadores do mundo se unirem”, mostrando sua visão afinada com a realidade dos trabalhadores que hoje enfrentam ajustes e contrarreformas de seus governos com rupturas sociais e mobilizações nas ruas.

Outro discurso inflamado foi a do ator Joaquin Phoenix, elogiado e premiado por sua atuação em “Coringa”. O filme mostra a fratura social dos EUA nos anos 80 e apresenta a consequência nefasta das políticas liberais sob a mão de ferro do ex-presidente, conservador e bonapartista Ronald Regan. A loucura da personagem, baseada no vilão das HQ’s do herói burguês, Batman, é um resultado do abandono do governo e do não financiamento de medidas públicas que busquem reverter as desigualdades na sociedade capitalista. Um retrato cruel dos efeitos capitalistas sob a vida das pessoas. Em seu discurso, Joaquin mencionou o papel do artistas enquanto ativista: “se estivermos falando sobre gênero, igualdade, racismo, ou direito LGBT, ou das populações nativas, direito dos animais, estamos falando sobre injustiça. Lutar contra a injustiça, lutar contra a crença de que uma nação, um povo, uma raça, um gênero ou uma espécie tem o direito de dominar, controlar e usar, explorar uma outra e de forma impune”.

O Oscar deste ano expressou as pautas levantadas na última década, nas ruas dos Estados Unidos e de todo mundo. A onda feminista internacional contra Trump, a violência machista e a desigualdade de gênero. As lutas em defesa do meio ambiente e contra a catastrofe climática liderada por Greta Thunberg. As lutas da classe trabalhadora em todo o planeta contra os planos de ajuste fiscal.

Deve-se também ter em vista que há algo de renovador nos filmes nos últimos dois anos: as produtoras da indústria cultural hollywoodiana se abriram ao diálogo com a realidade, como pudemos ver em “Coringa”, que teve baixo orçamento, mas com um enredo bastante visceral, mostrando a potência de um personagem que pode ser qualquer uma pessoa submersa nas mazelas do capitalismo. O que conecta este filme com “Parasita” é a sua trama: mostram a máxima exploração que gera pobreza e eleva a degradação da vida do trabalhadores. Bong Joon Ho comentou, sobre seu filme, que achou incrível como ao refletir sobre uma situação que parecia específica da Coréia, obteve respostas semelhantes de públicos  de diversos países. “Aparentemente todos nós vivemos no mesmo país,  chamado capitalismo ” disse o cineasta.

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