ARGENTINA | Fernández, “Cambiemos” e empresários preparam mais ajuste

Publicado em 15 de julho de 2020 no jornal El Socialista Nº 469


A foto de 9 de julho, no ato do Dia da Independência argentina, é muito ilustrativa e forte. O presidente Alberto Fernández parece “cercado” pelo mais representativo das patronais. Estavam Miguel Acevedo, presidente da UIA (União Industrial Argentina); Adelmo Gabbi, titular da Bolsa de Comércio; Eduardo Eurnekian, pela Câmara Argentina de Comércio e Serviços; Javier Bolzico, pela Adeba (Associação de Bancos Argentinos); Néstor Szczech, pela Câmara Argentina da Construção; e Daniel Pelegrina, pela Sociedade Rural Argentina. E em uma das extremidades da foto, o burocrata sindical da CGT, Héctor Daer. Dias depois, tivemos outra imagem reveladora, a do presidente com os dirigentes de “Cambiemos” (coligação que levou o empresário Maurício Macri à presidência em 2015) “baixando o nível de confronto político”, como foi intitulado pelo jornal La Nación em 14 de julho.

Então o debate cresce entre muitos companheiros que votaram na Frente de Todos e Alberto Fernández “contra o ajuste gerador de fome de Macri” e que, embora mantendo expectativas no governo peronista, começam a ver essas contradições. Por que Fernández se encontrou com os empresários mais importantes da Argentina e com os dirigentes da coligação “Juntos por el Cambio”? Onde ficou aquele discurso sobre a expropriação da empresa Vicentin e a “soberania alimentar”? E o imposto sobre a riqueza?

Enquanto todos os anúncios “progressistas” afundaram no mar do duplo discurso, a realidade, infelizmente, é que o governo peronista está negociando com as patronais para aprofundar o ajuste. Com mais de 300 mil demissões, salários que caem até 25% em termos nominais, décimo terceiro abonado em parcelas ou não remunerados, um IFE (Ingresso Familiar de Emergência para trabalhos informais) de 10 mil pesos e aumento da fome nos bairros populares, hoje a crise já está sendo paga pelos trabalhadores com um ajuste bem forte. Mas eles pretendem aprofundar tudo isso.

Parece, cada vez mais, que essa cota do IFE será “a última”. E tanto a patronal quanto o governo insistem que “não há mais espaço” para a reabertura de um novo Acordo Coletivo de Trabalho. Nas empresas geridas pelo Estado (empresas estatais como Aerolíneas Argentinas e Austral ou empresas semi-públicas como a petroleira YPF), são anunciadas reduções de salário e de pessoal.

Do outro lado, à lista de benefícios que a patronal já recebe (salários pagos pelo Estado, subsídios, empréstimos a taxas preferenciais etc.) deve ser acrescentado o anúncio de uma moratória fiscal. Já não será, como foi dito no início, “para aliviar as PMEs” (Pequenas e Médias Empresas). Pelo contrário, grandes empresas também podem entrar.

Em concreto, não só não haverá imposto sobre a riqueza, senão que as mais importantes patronais do país serão “perdoadas” pelos impostos em vigor que eles não estão pagando. Devemos acrescentar que o governo recuou definitivamente com a megaempresa Vicentin (“Eu errei na questão da Vicentin”, disse Fernández em entrevista à Rádio FM La Patriada, 13/7). A expropriação foi arquivada.

E devemos acrescentar, também, que o presidente, pela enésima vez, garantiu aos empresários que ele estava disposto, de todo jeito, a fechar o acordo com credores conhecidos como “polvos” (porque com seus tentáculos acaparam tudo). Negociação em que o governo peronista já cedeu 15 bilhões de dólares a mais do que a primeira oferta.

Tudo acontece, não esqueçamos, enquanto seguimos no auge da pandemia de coronavírus. Por incrível que pareça, entre os piores números de contágios e ocupação de leitos, o “consenso” entre os governos da Nação, da Cidade e da Província de Buenos Aires, está caminhando rumo a uma “maior abertura”. Em acordo com o que a patronal exige, nos próximos dias teremos milhares de indústrias e comércios abertos, com mais trabalhadores sujeitos ao risco de contágio.

Como dizem os ferroviários da linha Sarmiento, que denunciam que o distanciamento social nos trens não é respeitado, pondo em risco os passageiros e os próprios trabalhadores diante da possibilidade de multiplicação do contágio. Isso mesmo aconteceu com nossa companheira delegada e eleita deputada nacional Mónica Schlotthauer, que deu positivo no teste do coronavírus, situação que se repete com outros cento e oitenta ferroviários.

Enquanto isso, apesar da cumplicidade entre a patronal e o governo, os trabalhadores saem para lutar. É o que fazem os companheiros das companhias de aviação Austral e Latam, cujos técnicos seguraram os aviões que as patronais queriam levar do país. Também os trabalhadores na indústria de laticínios. Os da UTA (União Transporte Automotor) de Córdoba, que foram fortemente reprimidos, ou os motoristas de ônibus da empresa Bariloche. Ou as enfermeiras do hospital Posadas e os trabalhadores da saúde em geral, que continuam lutando contra a precariedade enquanto enfrentam a pandemia do coronavírus.

Diante do atual arrocho e do ajuste maior que ainda está por vir, nós da Izquierda Socialista e do Sindicalismo Combativo, seguimos insistindo: a crise deve ser paga pela patronal, os milionários, os banqueiros, os usurários da dívida pública e não os trabalhadores. É necessário estabelecer de uma vez por todas um imposto sobre a grande riqueza, conforme proposto pelo projeto apresentado pela Frente de Izquierda Unidad.

Devemos deixar imediatamente de pagar a ilegal, usurária e fraudulenta dívida pública. Está aí o dinheiro para implementar um fundo de emergência para atender às necessidades mais urgentes, tanto relacionadas à saúde produto da pandemia, como sociais, dando trabalho, salários dignos e comida para todos que precisam.

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