Qual o papel do intelectual na greve da USP ?

No dia 27/09, o professor do departamento de sociologia da USP, Ruy Braga, filiado ao PSOL e conhecido pela sua importante pesquisa sobre a precarização do trabalho, denunciou via redes sociais uma suposta ação violenta por parte dos estudantes contra a porta do seu escritório. Mais tarde veio a se elucidar que esse episódio, que o professor atribuiu à “cultura de ódio” da greve, tratava-se, na verdade, da retirada da placa de identificação da porta de seu escritório. Importante destacar que o Centro Acadêmico, em nota oficial, explicou que não ocorreu qualquer depredação do local. Além de afirmar que tal ação não partiu das “instâncias deliberativas da greve”, repudiando a tentativa de criminalizar e “deslegitimar o movimento estudantil”. Apesar da aparente insignificância do episódio se comparado ao conjunto da greve, esse fato trouxe consigo um questionamento necessário: qual é o papel de um intelectual de esquerda frente a uma greve?

Escolha um lado na trincheira, mas escolha o lado certo: aquele do explorado e oprimido! 

Uma característica bastante frequente nos processos de mobilização e enfrentamento é a capacidade que estes têm de jogar luz sobre as posições existentes; de, por assim dizer, simplificar aquilo que muitas vezes aparece dissimulado no dia a dia. Pois, uma greve como a da USP traça uma nítida fronteira entre dois lados: o lado de quem luta e resiste contra um projeto em curso de desmonte da educação pública e o lado de quem defende e aplica esse projeto. Em meio a esses dois exércitos há um conflito. Ou se está de um lado ou se está do outro; alegar não ter lado ou não expor a sua posição em casos como esses é aderir de má-fé ao lado do opressor. Não há dúvidas de que uma greve, uma passeata, um “trancaço” ou ocupação incomoda. Mas os estudantes ou a classe trabalhadora usam esses recursos para obter o que lhe é negado, conquistar novos direitos ou evitar um retrocesso, dentre outros motivos. É o caso da USP hoje. É o caso dos Metroviários, Ferroviários e Sabespianos na greve unificada do dia 3. São protestos legítimos que merecem apoio. Desde o maio de 68, a grande rebelião estudantil cujo epicentro foi a França, sempre se repetiu que “a barricada fecha a rua, mas abre caminhos”. O lugar do intelectual de esquerda é nela, no protesto, na manifestação.

Qual a posição de Ruy Braga? 

Vejamos qual a posição do professor Ruy Braga. Em suas redes sociais, ele, infelizmente, usa seu prestígio acadêmico para tentar desmoralizar as pautas da greve. Um exemplo é a seguinte declaração: “o setor acadêmico da FFLCH está enfrentando um desafio histórico: contratar em três anos um IFCH-Unicamp inteiro de professores”. O professor tenta ironizar uma das principais pautas estudantis. Joga com o senso comum, como se fosse uma utopia reivindicar novas contratações. Ele passa por cima da realidade, que é de defasagem de docentes, algo que prejudica alunos, funcionários, professores e a produção de conhecimento. Vai na contramão de uma luta social legitima. Não é por acaso que ele republica as notas oficiais da Reitoria da USP. É algo lamentável.

Ainda há tempo 

A greve continua e ainda é possível mudar de postura. Esperamos que o professor Ruy Braga reflita e reveja sua posição. Apelamos a que coloque seu conhecimento, sua capacidade intelectual e seu prestígio acadêmico a serviço da greve estudantil da USP. Um posicionamento em favor do movimento poderia ajudar a greve a ter mais apoio. Poderia ajudar a unificar trabalhadores e estudantes da USP.

Intelectuais ativos nas lutas sociais 

O pensamento crítico, se é verdadeiramente crítico e emancipador, não deve ter como postura esse pretenso distanciamento do processo de luta, pois é dele que ele tira a sua força vital. Isso não significa, de forma alguma, que ele não possa ter a liberdade de analisar criticamente o próprio movimento, pelo contrário, aderir ao lado dos que lutam é a condição efetiva de realização desta liberdade. Um pensamento crítico que não se coloca a serviço dos trabalhadores e estudantes em luta é só uma vertente diferente da resignação à ordem estabelecida, pois a burguesia tem a capacidade de acolher para si até mesmo o seu opositor mais radical, desde que se esvazie dele qualquer intenção mobilizadora e o transforme numa fonte de paralisia e desesperança.

Um intelectual deve ajudar a descortinar o véu ilusório da realidade. Combater o senso comum repetido pelos poderosos e instituições como a Reitoria. Os intelectuais que se reivindicam de esquerda ou marxistas precisam se fundir com as lutas da juventude e da classe trabalhadora. Marx sempre defendeu que, ao lado de interpretar o mundo, temos de tratar de transformá-lo, exercendo uma ação revolucionária, uma crítica prática.

Assim, uma atitude coerente com um pensamento de esquerda é dar total apoio aos grevistas e se engajar nesta luta que ultrapassou os muros da USP. Felizmente, muitos assim o fizeram e a assembleia da ADUSP deliberou greve até o dia 2. Do mesmo modo que o SINTUSP. Além disso, os estudantes em sua assembleia aprovaram unificar no dia 3 na greve do Metrô, CPTM e Sabesp.

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