“Qualquer esquerda que faça jus ao nome deve ser oposição a Lula 3 (como foi em relação a Lula e Dilma anteriormente)”

O jornal Combate Socialista desde dezembro do ano passado vem batalhado por uma frente de esquerda independente e uma reunião conjunta das forças que não estão no governo Lula/Alckmin. Nesse sentido dialogamos com Marco Antonio Perruso, Professor da UFRRJ. O camarada integrou o Polo Socialista e Revolucionário de 2022 no Rio de Janeiro. É militante do Andes-SN e da Rede de Educação Popular da Baixada Fluminense. Leia a seguir:

Combate Socialista: Qual sua visão do primeiro ano de mandato da frente ampla de Lula/Alckmin?

Marco Antonio Perruso: Trata-se de um governo burguês progressista típico, composto pela ex-esquerda, que já abandonou qualquer veleidade socialista em nome de um suposto desenvolvimento capitalista nacional, e por setores liberais e conservadores fisiológicos (Centrão, etc.) que participam de todos os governos desde a redemocratização. Lula 3 tenta voltar aos “bons tempos” do lulismo da década retrasada, fazendo o Estado mobilizar a maior parte do fundo público para apoiar os grandes negócios empresariais (agronegócio, extrativismo mineral, “neoindustrialização” – que prejudicam trabalhadores, populações tradicionais e o meio-ambiente) enquanto a menor parte fica para a assistência social aos mais pobres. O arcabouço fiscal de Lula-Haddad é o principal instrumento de arrocho sobre as classes populares. Por tudo isso, qualquer esquerda que faça jus ao nome deve ser oposição a Lula 3 (como foi em relação a Lula e Dilma anteriormente). Mas muitos da oposição de esquerda das décadas passada e retrasada (PSOL, principalmente) agora compõem um governo de “frente ampla” contra os trabalhadores. Nada de novo em relação à história da esquerda reformista, constituída por muitos egressos da esquerda combativa que se acomodaram às suas raízes de classe menos desfavorecidas e às benesses da institucionalidade política liberal.

 CS: Qual o impacto dessa linha de colaboração de classes nas lutas contra a extrema direita?

MAP: A colaboração de classes, expressa na adesão do PSOL, que nasceu contra o lulismo, ao governo Lula 3, apenas favorece a polarização política artificial entre a extrema-direita reacionária e autoritária, de um lado, e o progressismo burguês apresentado como esquerda, de outro. Assim, o bolsonarismo é retro-alimentado pelo lulismo: a ambos interessam apresentar-se um ao outro como fascismo e comunismo, duas tremendas falsidades. Se antes a extrema-direita brasileira foi gerida parcialmente no interior da coalizão governista petista (lembremos que Bolsonaro foi deputado federal pelo PP, da base governista, naqueles anos), agora ela é preservada como inimigo maior que dá sentido a uma suposta “frente ampla”. Por isso o bolsonarismo sofre derrotas eleitorais e judiciais, além de políticas, mas mantém sua força mobilizadora. Apenas os movimentos populares combativos podem derrotar a extrema-direita no verdadeiro terreno da transformação social: as ruas. Ocorre que ex-esquerda agora está nos gabinetes fazendo a gestão estatal da miséria e da violência, tendo perdido a capacidade de lutar politicamente por mudanças sociais efetivas. Ela apenas protege o governo da insatisfação popular contra a pobreza e a precariedade da vida.

CS: Qual sua opinião sobre a frente ampla nas eleições municipais de 2024?

MAP: Ela buscará reproduzir o combate eleitoreiro à extrema-direita nas disputas por prefeituras e câmaras municipais, mas à base do marketing político o mais rebaixado possível em termos ideológicos, utilizando as redes sociais para agitar palavras de ordem despolitizadoras – uma vez que o lulismo trata os movimentos sociais apenas como correias de transmissão de seus próprios interesses. Os trabalhadores e demais setores subalternizados de nossa sociedade merecem ter acesso a uma alternativa contrária ao sistema capitalista, que produz a barbárie da exploração social e da destruição ambiental. A extrema-direita é uma falsa alternativa anti-sistêmica, ao contrário de nós da esquerda socialista e revolucionária.

 CS: O que avalia sobre a ideia de uma frente eleitoral envolvendo UP, PCB, PCB-RR, PSTU e outras organizações?

MAP: É uma necessidade, que só será efetivada se cada agrupamento militante desses pensar menos em sua auto-construção e mais no diálogo com os trabalhadores em luta por melhores condições de vida, contra a exploração, o racismo estrutural, o patriarcado. Daí a importância desta iniciativa da CST e de todos que saíram do PSOL para viabilizar a reconstrução dos movimentos sociais e da esquerda. Tal reconstrução deve se dar por fora da órbita lulista e contra o reformismo em geral que transformou tantos militantes – agora ex-marxistas – em serviçais do impossível desenvolvimento nacional sob a direção de um Estado burguês brutal como o brasileiro, que assassina e encarcera pobres, negros, mulheres, indígenas. Não se deve esquecer que as classes populares têm se movimentado nos últimos anos, com o breque dos APPs, as greves dos trabalhadores dos correios e metrô, os protestos estudantis, etc. Um exemplo recente e promissor é o da minha própria categoria profissional, os professores universitários. No Congresso do ANDES-SN realizado agora no final de fevereiro, as correntes sindicais combativas (Rosa Luxemburgo, da qual faço parte, e CAEL-PSTU) expressaram o desejo dos docentes pela recomposição salarial negada por Lula 3 (mas cedida a outras categorias, como os policiais federais e rodoviários). Assim, aprovamos a greve ainda para o primeiro semestre de 2024, derrotando a proposta da direção do sindicato (PSOL, PCB) que pretendia empurrar com a barriga a greve para o segundo semestre, tornando-a inviável – assim atendendo aos interesses contrários à luta, por parte do PT e do governo federal. Com a efetivação desta e de lutas correlatas (os técnicos-administrativos das universidades já iniciam sua greve em 11 de março), os servidores públicos podem tensionar a conjuntura política favoravelmente aos trabalhadores, simultaneamente contra a extrema-direita e o lulismo, o que dará corpo a uma frente eleitoral da esquerda socialista.

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