A luta contra a “Chinalização” nas relações de trabalho na Amazônia

trabalho semi-escravo na época da decadência e crise da economia capitalista | Rubra Pauta

Michel Oliveira
Júlio Miragaia

Introdução
A rebelião dos operários de Jirau, no Rio Madeira, Rondônia, com sua generalização por canteiros de obras de todo país, contribui para que o proletariado amazônico volte a ocupar espaço na agenda de debate da esquerda na região.
Quase não se fala no operário da Amazônia. A luta de classes quase sempre é vista por meio da luta camponesa e dos povos da floresta contra o agro/hidronegócio e demais faces do capital. Atualmente o embate mais visível é contra as hidrelétricas, por seus conhecidos impactos sócio-ambientais.
No entanto, desde os anos 80 um forte operariado industrial se estrutura no meio da selva. Exemplos são o pólo de Barcarena ou as operações da Vale do Rio Doce no Pará e a Zona Franca de Manaus, no Amazonas. Esta última, um dos pólos mais diversificados e internacionalizados da região.
No Pólo Industrial de Manaus os operários são massacrados pela patronal e seu chamado modelo de desenvolvimento da Zona Franca. As empresas desejam aumentar o nível de exploração, elevando seus lucros, tentando impor ritmos chineses de produção. Para isso, contam com a complacência dos governantes, da Justiça e, sobretudo, das lideranças sindicais pelegas.
Contra esse processo, que chamamos de “Chinalização”, há distintos focos de organização. Uma delas é a experiência da Oposição Metalúrgica de Manaus. Mesmo com dificuldades, há avanços na articulação de um sindicalismo classista, combativo e anti-burocrático. O chão das fábricas do pólo industrial do Amazonas é um dos palcos da resistência operária na Amazônia.

A “Chinalização”: trabalho semi-escravo na época da decadência e crise da economia capitalista
As empresas desejam incorporar padrões chineses nas relações de trabalho em todo mundo. Hoje, os trabalhadores chineses são os mais explorados do planeta, o que foi fundamental para os lucros dos capitalistas em nível internacional. A jornada de trabalho média na China é de 50 horas semanais. Em 2010 o salário mínimo em dois grandes centros urbanos como Pequim e Xangai era de, respectivamente, R$ 250 e R$ 290. Dos 1,3 bilhões de habitantes chineses, apenas cerca de 300 milhões ganham salário mínimo. Essas relações de trabalho são tratadas como um modelo por todas as empresas, sobretudo em função da necessidade de elevarem seus lucros diante da crise da econômica capitalista.
Para aplicar esse plano de aprofundamento da super-exploração da classe trabalhadora, o imperialismo conta com um aliado central: o Partido Comunista Chinês.
Esse nível de exploração só é possível com a cumplicidade e apoio das lideranças sindicais e sobre tudo, pela implantação dessas políticas por partidos de esquerda que chegam ao governo. Esse é o caso da ditadura capitalista do Partido Comunista Chinês.
Para tentar sair de sua crise econômica, a burguesia precisa impor em nível mundial um regime de super-exploração igual ou similar ao da China. Alí se impôs através de um regime autoritário, sem sindicatos e com organizações frágeis e fisiologistas, longas jornadas de trabalho e nenhum direito social. Mas para isso necessitam derrotar o proletariado de forma fulminante como na Praça da Paz Celestial, coisa que estão longe de conseguir como o demonstram as revoluções nos países do norte da África e o forte ascenso das lutas operárias e juvenis na Europa contra os planos de ajuste.
No Brasil, o projeto que o PT aspira vai nesse sentido. Não é por acaso que o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC/CUT, berço de Lula, está propondo alterações na legislação trabalhista, para que o negociado se sobreponha ao legislado. Assim, cada empresa poderia massacrar seus operários sem se importar com as leis do país.

Os Planos de “Chinalização” no Brasil
Por isso, as discussões sobre diminuir o “custo Brasil”, “flexibilizar as relações de trabalho” e aumentar vantagens comparativas ganha na atualidade um contorno mediado pela situação trabalhista e econômica da China. Trata-se de atrair empresas e capitais chineses ou americanos e europeus que investem na China. O investimento internacional dos chineses é muito alto e o Brasil recebe pequena quantia. Apenas cerca de US$ 13,7 bilhões daquele país são investidos em nossas terras, sendo restrito a produtos primários. A visita de Dilma à China teve o objetivo de aumentar investimentos chineses em áreas para além das commodities.
O próprio presidente da FoxConn, que produz os componentes para Apple, já declarou que no Brasil o salário é muito “alto” e o proletariado indisciplinado. Por outro lado, há uma pressão dos capitalistas nacionais para conseguir lucros em níveis iguais aos chineses, o que levou o mega-empresário siderúrgico Jorge Gerdau a se transformar em assessor do governo Dilma, por meio da presidência da Câmara de Políticas de Gestão. A Foxconn já possui fábricas no Brasil. Em Manaus são duas, totalizando mais de 2300 operários, atuando na fabricação de componentes de celular para Ericson, Nokia e Sansung. A média salarial é de R$ 680.

O Plano de Aceleração do Crescimento
No Brasil, em linhas gerais, os embriões do projeto Lulista de chinalização pode ser vistos no Plano de Aceleração do Crescimento (PAC). Trata-se de um projeto do governo brasileiro, onde se injeta bilhões do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento) nas empreiteiras controladas por capitalistas nacionais. O objetivo é gerar uma grande massa de mão-de-obra barata e aprofundar a precarização nas relações de trabalho, tentando impor padrões chineses a exploração da classe trabalhadora em suas mais variadas categorias. Isso é o que garante a expansão internacional dessas empresas, hoje transformadas em multinacionais.
Com um orçamento de R$ 12 bilhões, a construção da hidrelétrica de Jirau, no rio madeira, é hoje a maior obra do PAC. Localizado no meio da floresta amazônica, em Rondônia, foi palco de uma gigantesca revolta. O salário estava na casa dos R$ 700 para 22 mil operários que viviam sobre jornada intensa. O intervalo do almoço era marcado por longas filas e a comida de péssima qualidade. Os alojamentos minúsculos amontoavam até oito pessoas por quarto. Havia constante assédio e ameaça das chefias.
Esse grau de exploração é visto também em empresas instaladas na China como a Foxconn, que submete seus trabalhadores exatamente as mesmas jornadas extenuantes e alojamentos como os da cidade de Shenzen, em que residem cerca de 400 mil funcionários. Cada bloco de 100 mil em um complexo, onde as visitas são proibidas e dormem oito operários por quarto.
Tanto em Jirau quanto em Shenzen a tensão social chegou a um limite. Na rebelião de Jirau foram incendiados 45 ônibus, 15 carros, 100 alojamentos, dentre outros locais. Iniciando um dos maiores movimentos grevistas dos últimos anos, paralisando, no primeiro trimestre de 2011, mais de 170 mil operários em todo o país. Todo movimento organizado por fora dos sindicatos pelegos da construção civil. A primeira reposta à revolta de Jirau por parte do PT foi a Força de Segurança Nacional, de Dilma e Gilberto Carvalho e a ordem da CUT de “voltem ao trabalho, porque são obras do PAC!”.
Na China, a insatisfação foi expressa por meio de uma onda de suicídios de 11 jovens em Shenzen. Em outras províncias, o enfrentamento foi realizado por meio de greves. Foi o que fizeram os operários da Honda, em Foshan, na província de Gangdong. Todo o movimento organizado por fora e contra os sindicatos estatais comandados pelo PC Chinês.
Para além de Jirau, outro exemplo no Brasil é a intensificação dos níveis de exploração no pólo industrial de Manaus. Por ser um proletariado na Amazônia, assim como em Jirau, padece de um isolamento geográfico que favorece os ataques patronais com a cumplicidade aberta das burocracias sindicais governistas e pelegas. Isso não ocorre sem que existam lutas por parte dos operários.

Pólo industrial de Manaus
“Isso aqui é um projeto piloto da China”. Foi assim que Daniel, integrante da Oposição Metalúrgica, definiu o Pólo Industrial da Zona Franca da Manaus. “A média salarial é muito baixa. É por isso que o pessoal até brinca sobre isso, sobre a China. O custo de vida é muito alto. O que a gente ganha não dá pra viver bem aqui”. De fato, o salário que se paga é muito inferior ao do metalúrgico de Campinas ou do ABC Paulista. A Convenção Coletiva de Trabalho 2010/2011 assinada pelo Sindicato dos Metalúrgicos do Amazonas impõe uma média salarial que varia de R$ 570 a R$ 700 no setor de eletro-eletrônico e de R$ 612 a R$ 759 no setor de duas rodas.
A atual Zona Franca foi iniciada em 1957. Dez anos depois a reformulação e ampliação do modelo estabeleceu incentivos fiscais por três décadas para que fosse concretizado um pólo industrial, comercial e agropecuário.
Nos anos 1980, o crescimento do pólo industrial é estimulado, sobretudo nos setores eletrônicos, duas rodas, óptico e relojoeiro. As leis do Governo Federal, Estadual e Municipal atuaram para isentar os impostos de importação, exportação e produtos industrializados e reduzir o ICMS. O favorecimento continuava com créditos fiscais para mercadorias de origem nacional, incentivos para compra de terras para sediar novas indústrias, além de outras facilidades.
Nos anos 1990, o Pólo aprofundou o processo de reestruturação produtiva. Dados da Suframa (Superintendência da Zona Franca de Manaus) indicam que a “as empresas do Pólo Industrial de Manaus deram início a um amplo processo de modernização industrial, com ênfase na automação, qualidade e produtividade”. Com isso, que chamamos de contra-revolução econômica, aumentou a extração de mais-valia dos trabalhadores gerando faturamento recorde de US$ 13,2 bilhões em 1996.
O pólo tem mais de 100 mil operários divididos em várias categorias. A principal delas é agrupada no setor metalúrgico, reunindo cerca de 80 mil operários. Neste setor, as fábricas de eletro-eletrônicos e de duas rodas, são as mais fortes. Empresas como Honda, Yamaha, Suzuki, LG, Philips e Semp Toshiba são exemplos.

A situação dos operários na Honda
Inúmeros problemas afetam os operários da Moto Honda da Amazônia, maior empresa do setor de duas rodas do pólo industrial. Ela lidera as vendas no país e ultrapassou a marca de 13 milhões de unidades produzidas.
A Moto Honda da Amazônia possui cerca de 10 mil operários, denominados pela empresa de “colaboradores”. Sua planta em Manaus ocupa o espaço de um bairro inteiro e é subdividida em três fábricas: a) Moto Honda da Amazônia (HDA), onde são produzidas motos, quadriciclos e motores estacionários; b) Honda Componentes da Amazônia (HCA), que como o próprio nome diz trabalha com componentes; c) Honda Tecnologia da Amazônia Indústria e Comércio (HTA), que trabalha com equipamentos.
Conversamos com um operário de cada fábrica. Os três que concordaram falar solicitaram que os nomes não fossem divulgados. Nenhum deles goza de qualquer tipo de estabilidade e temia problemas futuros com a empresa.
“Na fábrica tem muito desvio de função. Quando demitem alguém, somos deslocados pra lá até que venha outro. Eles falam muito de trabalho seguro, mas isso não é respeitado. São mais de 600 afastados pelo INSS. O INSS manda todo mundo de volta pra fábrica, mesmo com laudo de que a pessoa não pode fazer esforço repetitivo. A empresa fica jogando o colaborador de setor em setor, mesmo com toda a doença. A pessoa se sente inválida. Tem gente com mais de 17 anos de empresa assim, nesse estado. Eles usam o funcionário, a força física, a juventude e não largam nem mesmo quando o cara já tá destruído. Como têm família pra sustentar, muitos colaboradores trabalham usando remédio ou sentindo dores. Todo mundo vê. A empresa deveria garantir a saúde do lesionado. Botar pra trabalhar um colaborador que tá licenciado é absurdo. E são muitos. Dava pra abrir outra empresa só com eles. A quantidade de técnicos em segurança do trabalho é pequena, não dá conta. Tem um só engenheiro de segurança pra três fábricas, dez mil operários. O Ministério do Trabalho já deu prazo pra rever o que tá errado, mais até agora nada”, relatou um operário da HTA.
Essa situação contradiz o que a Honda chama de sua “filosofia”. Eles afirmam que as pessoas que entram em contato com a companhia devem partilhar um “sentimento de alegria”. O que seria vital para uma cultura corporativa que valoriza a criatividade, o bem-estar das pessoas e o respeito ao ser humano. Dizem que atuam para superar as expectativas do consumidor e criar um ambiente saudável e seguro para seus colaboradores.
Outro operário, que hoje está na HCA, informa sua dura realidade cotidiana. “Eu já trabalhei na parte de montagem do motor. Primeiro na gravação do chassi da moto KVK, que o pessoal aqui fora compra chamando de Tornado 400. O chassi pesa entre 13 e 15 quilos. O levantamento é manual em duas fases. A gente faz isso revezando entre três colaboradores. Um colega ficou lesionado e deixaram somente dois, o que é um passo pra também ficar doente. A gravação é um processo crítico. Não podemos fazer errado e prejudicar o cliente. Então a gente se arrebenta pra fazer. Nada do que eles dizem de processo ergonômico é levado em conta. Eu estava sentindo dores e nem podia falar nada porque tinha medo de perder o emprego. Fui mandado para outro local. Lá era do mesmo jeito. Segurava uma peça de 5kg e levantava. Posicionava a peça com uma das mãos e apertava uma porca com a outra. Fazia isso todo dia. Repetia o movimento 2500 vezes no meu turno. Isso a cada 21 segundos, que é o tempo de produção de cada moto. Fazia por necessidade. Tava vendo a hora de não poder carregar meu filho no colo. Sai de lá pra não ficar lesionado. Hoje trabalho em outro setor”.
No mesmo sentido é o que nós relata um operário da HDA. “Temos poucas conquistas. A alimentação de lá é interna. Olha que eu até não acho ruim, sei que não é das melhores, mas muita gente reclama e outros até almoçam em casa. A bronca do pessoal é que eles enjoam, é muito repetitivo. O transporte da empresa é regular. O único problema é do pessoal que sai 17h, que faz 2 horas-extras. A VAN demora muito, roda a cidade inteira. O colaborador fica mais 2 horas no carro depois do serviço, cansa muito. O que me deixa triste mesmo é que antes tinha área de lazer e hoje não tem mais. A expansão da empresa tomou conta do lugar. Aí o colaborador não tem onde ficar na hora do almoço. Nesse intervalo de 1 hora, o pessoal coloca papelão pelo chão pra descansar. Outros procuram local afastado ou ficam mesmo perto da esteira. É vergonhoso. Não se descansa bem pra voltar pra produção. Talvez do Sr Soichiro Honda tivesse uma preocupação com os colaboradores lá no Japão. Mas os chefes daqui, não têm nenhuma. Eles pedem pra gente contribuir com melhorias. A gente fala. Aí eles dizem que tem a ver com financiamento e que tudo fica por outro ano. Só mudam o que dá lucro pra eles”.

Patrões, Políticos, Justiça e o Sindicato contra os metalúrgicos
Um dos fatores que ajuda a aumentar o grau de exploração são as direções do movimento operário. Em Manaus não é diferente. As empresas recebem uma série de regalias, contam com a cumplicidade dos caciques políticos locais, compram sentenças em seu favor e até mesmo conquistaram para seu lado o sindicato da categoria.
As principais lideranças da oposição metalúrgica já foram demitidas várias vezes de suas fábricas. Por força da estabilidade concedida por meio da CIPA (Comissões Internas de Prevenção de Acidente) conseguem recondução as empresas. Em alguns casos nem mesmo a legislação é respeitada e se mantêm as demissões, tudo para satisfazer a necessidade de lucro das multinacionais.
“O atual presidente do sindicato não foi eleito. Desde 1999 não tem eleição. São mais de 10 anos que eles se perpetuam por meio de golpes e eleições de chapa única. Era pra ter em 2003, não teve. Houve uma briga jurídica entre os próprios diretores. Em 2005 fizeram uma eleição de chapa única que só eles participaram. Realizaram um congresso fraudado, no meio do mato, e a DRT (Delegacia Regional do Trabalho) e o TRT (Tribunal Regional do Trabalho) aceitaram a fraude. Em 2008, o sindicato fraudou o edital no Diário oficial e antecipou a eleições sem informar ninguém. Agora em 2011 ia ter eleição e terminou em fraude de novo, com só uma chapa inscrita. Esse ano é a terceira vez que queremos disputar e não tem eleição. O judiciário aposta neles. Todos são convenientes ao patrão” desabafa Daniel, integrante da oposição metalúrgica.
Ele ainda relata que em 2005, cerca de 2000 trabalhadores se dirigiram para frente do sindicato para garantir a eleição por meio de uma assembléia que elegeria a comissão eleitoral. O sindicato mobilizou cerca de 200 pessoas. A Polícia Militar fazia a segurança da diretoria. O presidente apontava os integrantes da oposição, que iam sendo presos pela polícia um a um. A oposição ganhou a assembléia, teve maioria na comissão eleitoral, e pela primeira vez, depois de anos, aconteceria uma eleição democrática. Porém, a justiça cancelou o pleito. Em seguida a patronal começou as demissões nas fábricas, eliminando a oposição da categoria.
Era um ano em que se protagonizaram fortes lutas. Na Salcomp, a comissão que negociava a PLR (Participação nos Lucros e Resultados), dirigida pela oposição, realizou uma forte greve no interior da fábrica, ocupando a empresa. A luta foi vitoriosa. Aumentaram a proposta de R$ 200 para R$ 1200 com a greve. A empresa demitiu os nove membros da CIPA que organizaram o movimento, um deles era Daniel. Sendo que todos, posteriormente, conseguiram retornar ao trabalho.
Em 2009, a oposição começou um processo de greves por empresa. “Fizemos muitas. Um exemplo foi a greve da Semp Toshiba. O sindicato faltou se ajoelhar e pedir pro pessoal voltar pra dentro da fábrica. A diretoria dizia: ‘Já tá bom pessoal, é a primeira PLR, a gente tem que entender a empresa’. A Semp queria dar R$ 600 e a gente pedia R$ 5000. Por ser a primeira vez era que revoltava, porque a fábrica já tava há 20 anos e dar só aquilo era uma vergonha. Fizemos muitas greves assim, isoladas, mas depois mudamos porque acabou se tornando uma armadilha pra identificar a oposição. Aí sempre vinha demissão” conclui Daniel.
O mandato da atual diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos termina em 2012. Porém, o sindicato antecipou a eleição para maio e não deu oportunidade para que outras chapas se inscrevessem na disputa. “A base quer mudança. O momento é que se não acontecer eleição eu nem sei o que pode ocorrer. Eu acho que vai ser a faísca pra uma greve geral. Nós temos lado. Foi isso que falamos pra juíza. Tentamos falar isso no tribunal. Levamos um abaixo-assinado com milhares de assinaturas pra provar que não teve eleição. Falamos que nem mesmo deu quórum essa fraude deles, porque eles estão desacreditados na base. A juíza disse que valia mais a nota fiscal do sindicato comprovando que pagou 20 mil panfletos numa gráfica pra divulgar a eleição. Eu perguntei se ela queria outra nota igual aquela. Porque é a coisa mais fácil ter uma nota fiscal de qualquer coisa. Entre uma nota e a assinatura de milhares de operários o que vale mais? A juíza me deu voz de prisão dentro do tribunal. Aí não teve jeito. Tive que dizer pra ela que nós queremos eleger o presidente do sindicato. Não queremos que o tribunal determine quem vai ser o presidente. Sou trabalhador. Não roubei, nem fraudei nada. Não vendi, nem comprei sentença. Não tinha porque ser preso”, conta Daniel, que hoje se encontra demitido pela terceira vez.
Um dos motivos para que não existam eleições democráticas é que a atual gestão do sindicato provavelmente não ganharia o processo limpo. Um dado são as eleições das CIPAS e Comissões de PLR. Onde a oposição existe, as eleições são legítimas e o sindicato nunca ganha. Sendo assim, recorrem a expedientes ilegítimos para se perpetuar na condução da entidade enquanto desfrutam de benesses econômicas. Um exemplo das ligações financeiras entre o sindicato e os patrões foi visto na última eleição burguesa. O filho do presidente do sindicato, que é do PT, tentava uma vaga na assembléia com campanha eleitoral financiada pelas empresas, sobretudo a Toshiba, Philips e LG. Isso impôs um recuo ainda maior do sindicato na data-base 2010. Até mesmo a reivindicação de 40 horas semanais, uma das bandeiras nacionais da CUT, foi abandonada na última “campanha salarial” da categoria.
“Eu acho que o sindicato não é aprovado na fábrica. Eles falaram na rádio que a eleição ia ser em setembro. Três dias depois estavam com as urnas na empresa. Eles colocaram várias mulheres no refeitório pra atrair atenção e induzir o voto. Ninguém sabia que eles tinham antecipado a eleição pra maio. Muita gente votou porque conhecia os diretores”, nos disse o operário da HTA. Talvez isso explique porque do total de 11 mil operários, apenas três mil sejam sindicalizados na Honda. Desses, apenas 100 votaram na suposta eleição.
Mesma visão tem o operário da HDA. “Eu conheço um diretor do sindicato. Ele sempre me diz que a PLR já ta definida bem antes da negociação. Ano passado ele disse que só ia aumentar R$ 200. Disse que esse era o teto de reajuste da empresa. Ela ia começar lá em baixo e aumentar até esse ponto. Senti que eles já tinham acertado tudo antes da negociação começar. Então a gente elege colaboradores das três fábricas, dois de cada, formando seis. A empresa indica seis e o sindicato tá ali pra ser mediador. Mas não vi isso”. Isso explica porque, mesmo com toda a luta da comissão da PLR da Honda, ela está abaixo da que recebem os metalúrgicos de outros estados.
“O que sei é que o gerente sempre chama o colaborador que fica pedindo mais dentro da negociação da PLR. Os superiores tentam convencer o cara a aceitar sem questionar. Eu vejo como uma imposição, não é negociação. Tem gente que é demitida depois da negociação com argumento de que ‘não acompanha o desenvolvimento da empresa’, mas é claro que foi porque reivindicou. Não me sinto representado pelo sindicato. Desconto 26, 30 reais pro sindicato, pra nada. Eles estão vendendo os operários como se fossem escravos. Fechando os olhos para a vergonha e a humilhação que passa o cidadão amazonense” conclui o operário da HCA.

Conclusão
A imposição de relações de trabalho semi-escravas, como na China, não triunfou no Brasil. Mas as empresas vêm espaço para essa implementação, pois é o PT de Lula, com influência no movimento operário, que se dispõe a aplicá-la. Esse é o projeto do governo Dilma/Temer, o que tende a aumentar as contradições entre patrões e operários por todo o país.
As obras da copa, como as que também vão acontecer em Manaus, são outro elemento dessa situação. Empreiteiras nacionais e internacionais estão de olho nesse filão para disputar obras que renderão contratos bilionários, com financiamento do BNDES e todo tipo de regalias, o que explica também a vinda de Obama e a visita da presidente Dilma à China. Esse sim que é um “negócio da China”!
O papel das direções sindicais traidoras é fundamental a favor de “chinalizar” as relações trabalhistas, como pode ser visto no pólo industrial de Manaus. Por outro lado, vimos que a oposição organizada consegue fazer esse processo retroceder quando dirige lutas e greves impondo certos aumentos na remuneração.
Um dado importante é que a tentativa de Chinalização no Brasil, nos canteiros do PAC, sofreu uma derrota com as greves da construção civil no início do ano, apesar das demissões em Jirau. Na China, desde 2009 assistimos uma retomada das greves operárias, a exemplo dos metalúrgicos da Honda, o que conquistou reajustes salariais naquele país.
Esse giro das direções operárias para um projeto tão patronal abre um espaço importante para que a esquerda socialista volte a se inserir nos chão das fábricas, ajudando a varrer os novos pelegos das centrais Lulistas que hoje comandam os sindicatos operários.
Os sindicalistas classistas e o PSOL necessitam desse enraizamento social, de seus militantes entrando nas CIPAS, delegacias sindicais, criando comissões de base, de luta, no local de trabalho. Desse modo, a esquerda socialista da amazônia poderá intervir em novas greves como a de Jirau, dirigindo as rebeliões que estão por vir.

Michel Oliveira – Direção Nacional do PSOL, Coordenação da CST.
Júlio Miragaia – Assessor do SINTSEP-PA e Coletivo Vamos à Luta