Argentina: o Partido Obrero e o MST caminham para a divisão da FIT-U nas PASO

No sábado, 20 de maio, o PO e o MST anunciaram publicamente, com um comunicado comum nas redes, o lançamento de uma fórmula própria para presidente e vice-presidente, com Gabriel Solano (PO) e Vilma Ripoll (MST). Ao mesmo tempo, anunciaram a realização de “uma plenária de deliberação e resolução para decidir sobre a política, o programa e as candidaturas da esquerda”, em que, segundo eles, iriam propor “a constituição de uma lista comum”.

Muitos companheiros e companheiras que simpatizam com ou apoiam a Frente de Izquierda – Unidad podem ter lido esta notícia como uma proposta positiva ou interessante. Dois partidos da FIT-U se uniriam para convocar uma “plenária” para “deliberar” e resolver “democraticamente” como “constituir uma lista comum”.

Milhares de simpatizantes estão preocupados, porque a FIT-U está há mais de dois meses envolvida em uma disputa entre seus componentes, com fórmulas diferentes para as PASO (exceto a Izquierda Socialista), em vez de ter uma fórmula única e usar as primárias para se fortalecer, denunciar e combater os verdadeiros inimigos, o peronismo, o Juntos por el Cambio (Juntos pela Mudança) e o o liberfacho Milei. A esquerda precisa se apresentar unida para enfrentar os vários candidatos do sistema, do peronismo kirchnerista ao fascista Milei, passando pelas diferentes variantes de Juntos por el Cambio. Por isso, há meses a Izquierda Socialista, diante do fato de que os outros três partidos da Frente (PTS, PO e MST) lançaram cada um sua própria candidatura presidencial, tem defendido o fim de todas as disputas por posições e cargos e a unidade em torno da fórmula Bregman (PTS)-Solano (PO), respeitando o mesmo acordo que tivemos nas eleições de 2019 com base na fórmula Nicolás Del Caño (PTS)-Romina Del Plá (PO).

Mas, se for bem lido o comunicado conjunto do PO-MST, ficará claro que nada do que se propõe ali tem relação com uma saída para “constituir uma lista comum” ou com um mecanismo supostamente “democrático”, como apregoam os dois partidos.

É uma plenária para reafirmar a lista do PO e do MST

Logicamente, é compreensível que existam companheiros e companheiras que digam: “que interessante participar de uma plenária, lá debateremos e votaremos”. E que pensem: “pronto, assim se resolve o perigo de nos dividirmos nas PASO”.

Infelizmente, a iniciativa do PO-MST significa o oposto de tentar alcançar uma fórmula presidencial e uma “lista comum”. O próprio documento de convocação é contraditório. Literalmente diz: “vamos propor a criação de uma lista comum”. Mas logo em seguida anuncia que “acertaram levar à plenária” a fórmula Solano-Ripoll e uma lista completa do PO-MST, com nomes  para todos os cargos de CABA e da Província de Buenos Aires. Em nenhum momento da declaração mencionam candidatos do PTS e da Izquierda Socialista. Ou seja, é uma plenária “democrática” para ratificar a “lista comum” do PO e do MST. Deixam claramente de fora o PTS e a Izquierda Socialista, que deveriam formar outra lista. Em outras palavras, é falso que esta plenária tenha por objetivo “evitar a divisão nas PASO”. É uma plenária convocada unilateralmente para efetivar a divisão da FIT-U nas PASO, por conta de uma disputa por cargos. Essencialmente, para disputar deputados nacionais e provinciais, quebrando acordos existentes há mais de 10 anos, como a rotatividade de parlamentares e o equilíbrio entre as diferentes forças.

Nós, da Izquierda Socialista, há algum tempo rejeitamos todo tipo de aparatismo e de auto-proclamação na esquerda trotskista. Por isso, repudiamos esse tipo de disputa por cargos, ainda mais quando já existe um acordo que facilita que todas as forças compartilhem os mesmos, algo que não existe na política burguesa e nem na esquerda reformista nacional e internacional.

A outra mentira do PO-MST é de que se trata de uma luta política para salvar a FIT-U de “aderir” a “variantes do regime”

O Partido Obrero, associado ao MST, diz que é uma batalha política estratégica, porque o PTS quer levar a FIT-U a uma adaptação ao peronismo kirchnerista. Segundo seu dirigente Gabriel Solano, “a esquerda deve ter uma política independente do kirchnerismo (…) Bregman e Del Caño representam uma esquerda que se adapta a variantes dessa corrente (…) que se aproxima a variantes do regime” (Comunicado PO-MST, 20/05/2023).

Isso é uma invenção, ou seja, uma mentira do PO, entusiasticamente apoiada de modo oportunista pelo MST. É uma “cortina de fumaça” para justificar a construção de uma lista própria para as PASO, para ver se assim, a qualquer custo, conseguem melhores posições parlamentares e encabeçam a lista. Grande parte dos militantes sindicais e estudantis conhece Gabriel Solano e o Partido Obrero com seu eterno aparatismo e hegemonismo nas listas sindicais ou estudantis, num vale tudo para ter mais aparato como ocorreu, por exemplo, anos atrás na FUBA, em que fizeram aliança com grupos kirchneristas para se manter na direção. São questões que debatemos e criticamos há anos. Mas nunca nos ocorreu, por conta disso, de desqualificar ou impedir o PO e os seus dirigentes de participarem da FIT-U e ou de encabeçarem listas. Desde 2011 temos essas diferenças.

A Izquierda Socialista também tem profundas críticas e divergências, que são públicas, com o PTS, tanto no plano nacional quanto no internacional. Isso é bem conhecido pela militância da esquerda e da FIT-U. Chegamos a criticar algumas declarações de tal partido, que consideramos equivocadas ou unilaterais, sobre o kirchnerismo. Mas daí a definir que o PTS quer mudar o caráter de independência de classe da FIT-U, para se alinhar a “variantes do regime”, há uma grande distância. Discordamos completamente.

O mais curioso é que o PO está aliado ao MST nessa suposta batalha para salvar a FIT-U dos perigos de se adaptar a “variantes do regime”. O MST é uma organização que entrou recentemente na FIT-U, pois passou muitos anos alinhado com projetos patronais, aliado a Pino Solanas do Proyecto Sur e, em Córdoba, a Luis Juez, hoje destacado líder macrista e candidato a governador pelo Juntos por el Cambio naquela província. Política que o MST nunca deixou de reivindicar.

A formação desse bloco do PO-MST já vem dividindo a FIT-U em algumas províncias. Dividiram a FIT-U em Salta, de modo que a Frente não pôde ser registrada como tal, e mais recentemente nas PASO da província de Santa Fé, com duas listas: PO-MST e PTS-Izquierda Socialista.

Por causa desse acordo, que fomos obrigados a fazer em Santa Fé em função da ação rupturista do bloco PO-MST, ambos acusam a Izquierda Socialista de “ser funcional ao hegemonismo do PTS”. E isso também porque continuamos defendendo a fórmula unitária encabeçada por Myriam Bregman (PTS) como candidata à presidência, junto com Gabriel Solano (PO) para a vice-presidência. Isso não é, de modo algum, verdade.

A Izquierda Socialista é “funcional” aos acordos existentes entre os partidos da FIT-U. Além disso, as quatro organizações sabem que existem divergências políticas no âmbito do programa e dos acordos comuns. Devemos discuti-las fraternalmente, sem provocações. Se fossemos levar em conta as diferenças políticas e de critérios de atuação de cada organização, teríamos que nos propor para todos os cargos. Seria ridículo. É uma frente de esquerda, que tivemos dificuldade em construir e que sempre foi reivindicada pelos/as lutadores/as.

Nós, da Izquierda Socialista, combatemos todas as formas de hegemonismo, de auto-proclamação e a quebra de acordos. Por isso, propusemos a fórmula unitária PTS-PO, nessa ordem, pois respeitamos o peso de cada partido e os acordos assumidos por todos, anos atrás. Do contrário, cabe perguntar: por que o PO aceitou, nas eleições de 2019, a fórmula presidencial encabeçada pelo PTS, neste caso por Nicolas Del Caño? O PO foi “funcional” ao “hegemonismo” do PTS?

Reiteramos que qualquer luta por cargos, quebrando os acordos estabelecidos, seja por meio de “plenárias unilaterais” ou por meio das eleições burguesas, prejudica a FIT-U e toda a esquerda trotskista em sua luta político-eleitoral contra nossos inimigos de classe. E também desgasta a imagem da FIT-U na classe trabalhadora e nos setores populares.

Plenária para aprovar o programa e para que a FIT-U seja um “canal de mobilização”?

Outro argumento usado na convocatória da plenária “de deliberação e resolução” foi de que se trata de um espaço para coordenar a luta contra o governo e para discutir o programa da FIT-U. Mais uma vez, apelaram ao “debate da militância” e a “resolver” pela “base”. O debate com a “militância” também pode soar “democrático”. Vilma Ripoll chamou “o resto da frente” a “não ter medo do debate coletivo”.

Nós, da Izquierda Socialista, não temos medo do debate. Ao contrário, sempre o promovemos, como ocorreu sobre guerra na Ucrânia, por exemplo, em Unione e Benevolenza; ou como fizemos na pandemia, com o Encontro Latino-Americano Aberto. Somos totalmente favoráveis a plenárias abertas de debate na FIT-U e fora ela. Mas somos contra a convocação de plenárias sem consultas prévias e de modo unilateral.

Duas coisas chamam a atenção. A primeira: dizem que “milhares vão decidir sobre o programa”. É importante esclarecer a qualquer novo ativista da Frente que existe há 12 anos um programa socialista revolucionário da FIT-U, que culmina com a palavra de ordem de luta por um governo dos/as trabalhadores/as. Então, deve-se perguntar: a) o bloco PO-MST quer mudar o programa acordado com o PTS e a Izquierda Socialista na fundação da FIT-U em 2011? e b) essas mudanças serão “votadas” por uma plenária dos dois partidos [PO e MST], juntos com o Polo Obrero e o Movimento Teresa Vive?

Os programas de uma frente ou aliança da esquerda trotskista, como qualquer outro acordo de uma frente de esquerda, sempre se baseiam nos acordos programáticos dos partidos que a compõem. Não ajudaria em nada na manutenção da unidade se um partido quebrasse esse acordo, debatendo e alterando o programa numa plenária de seus partidários e de outras organizações como esta. Por outro lado, o PO nunca propôs, nos 12 anos em que é membro da FIT-U, a alteração do programa.

Será uma proposta real ou apenas mais uma cortina de fumaça, para mascarar a plenária como “aberta e democrática”? Tomara que, para continuar a unidade da frente, seja a última hipótese.

Outro sinal de que esta “plenária de esquerda” não tem como objetivo “construir um canal de mobilização”, para que a FIT-U não seja “meramente eleitoral”, é que, quando houve a oportunidade e a Izquierda Socialista propôs algo do tipo, o Partido Obrero recusou categoricamente e com o apoio do MST. E o fez mostrando sua política aparatista e auto-proclamatória. Quando aconteceu o grande triunfo da greve de Sutna, no final de 2022, propusemos ao sindicato e à direção nacional do PO que se aproveitasse o entusiasmo na vanguarda sindical antiburocrática, fruto dessa vitória operária, com a convocação de um encontro sindical combativo, com organizações e sindicalistas de todo o país, para debater e aprovar o apoio às lutas e uma forma de coordenação com a Plenária Sindical Combativa (PSC). Isso para fortalecer a PSC e impulsionar a luta operária e popular e a unidade com o movimento piquetero, contra o governo e a burocracia sindical. Eles se recusaram taxativamente para priorizar a realização de um ato do PO na Plaza de Mayo.

Resumindo: por mais voltas que dêem, trata-se simplesmente de uma plenária conjunta do PO-MST e de seus grupos piqueteros, não da FIT-U, para apoiar a fórmula Solano-Ripoll e sua lista divisionista nas PASO.

Izquierda Socialista continua defendendo que a FIT-U não se divida nas PASO e a construção da fórmula unitária Bregman (PTS)-Solano (PO)

Sabemos que o lançamento do bloco PO-MST, com a fórmula Solano-Ripoll, vai no caminho inverso da unidade. É um avanço no sentido da ruptura muito forte, no momento em que estamos caminhando para o fechamento das alianças, em que é preciso anunciar se existe uma fórmula única ou distintas listas para o dia 14 de junho.

Entretanto, ainda dá tempo de voltar atrás e dos componentes da FIT-U, os quatro partidos, sentarem-se na mesa para buscar uma saída que respeite os acordos estabelecidos e que dê espaço a todos, evitando assim a disputa eleitoral entre nós. Nesse sentido, continuamos a propor uma fórmula unitária que, partindo do acordo das eleições presidenciais de 2019, seja composta por Myrian Bregman-Gabriel Solano. Isso permitiria que a FIT-U se apresentasse em uma lista única para enfrentar em melhores condições o peronismo, o macrismo e o liberfacho Milei.

Direção Nacional da Izquierda Socialista/FIT-U

23 de maio de 2023

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