França entra em erupção novamente diante da brutalidade assassina da polícia

Por Miguel Lamas, dirigente da UIT-QI

O assassinato do jovem Nahel M, de 17 anos, baleado pela polícia em 27 de junho, provocou grandes protestos, que já duram duas semanas, em toda a França. Essas manifestações mostram o descontentamento com a violência policial racista contra os jovens, que não é algo isolado, assim como o descontentamento geral do povo trabalhador diante de um estado capitalista que destrói seus direitos e reprime protestos.

A explosão de indignação, que já dura duas semanas, teve origem no assassinato pela polícia do jovem Nahel, ocorrido em Nanterre, na periferia de Paris. Ele trabalhava como entregador e foi alvejado por não acatar a ordem de parar o carro numa blitz policial. Nos dias seguintes houve grandes passeatas. A primeira foi convocada pela mãe de Nahel, ela mesma com um cartaz em que se lia: “A polícia mata”.

A mãe de Nahel e seu pai ausente são de origem argelina, mas o jovem nasceu na França. Esta é uma característica de milhões de trabalhadores e trabalhadoras dos bairros mais pobres, nascidos no país como filhos de argelinos ou de africanos de outras ex-colônias francesas, que migraram para sobreviver, depois que seus países foram saqueados pelo imperialismo francês. E que agora são mão de obra barata e precarizada. E a polícia exerce regularmente a violência racista contra eles. São sempre considerados como “suspeitos”. No caso de Nahel, seu único crime foi desobedecer à ordem policial, provavelmente por saber que os jovens são geralmente detidos sem motivo. Foram centenas de casos como esse, de assassinatos cometidos por policiais, nos últimos anos.

Os confrontos violentos entre a repressão e os que denunciavam a polícia, protagonizados por jovens, muitos deles adolescentes, deixaram na primeira semana, segundo o Ministério do Interior, 3.200 detidos; mais de 700 agentes de segurança feridos; 250 delegacias de polícia atacadas; cerca de 5.000 veículos incendiados; 10.000 lixeiras queimadas; e quase 1.000 prédios danificados. Milhares de jovens foram presos e centenas processados. ​Dezenas já foram condenados.

A crise francesa

Vale lembrar que a França tem sido um dos pontos mais destacados da luta de classes européia e mundial, com gigantescas mobilizações e greves contra a reforma previdenciária do presidente Macron. Uma luta que durou vários meses, a partir do início do ano, e teve como característica o protagonismo da classe trabalhadora, mas com a participação ativa de outros setores sociais, principalmente da juventude estudantil. E também houve repressão e sérios confrontos com a polícia.

Apesar dos jovens dos setores mais pobres serem os protagonistas das mobilizações atuais, há uma relação com os protestos anteriores. Isso porque tais manifestações expressam o profundo descontentamento e a revolta do povo trabalhador, fortemente afetado pela crise econômica capitalista. Os jovens filhos e filhas da classe trabalhadora veem seus avós prejudicados na aposentadoria; seus pais muitas vezes com empregos precários; e eles próprios se sentem condenados à marginalidade social, sem empregos estáveis ​​e sofrendo com a repressão policial, mesmo sem motivo. Além disso, quem tem emprego enfrenta o aumento do custo de vida, sem aumentos salariais.

A burocracia sindical, que desgastou e travou as mobilizações no início do ano contra a reforma da previdência, impedindo a derrota da mesma ou a queda do governo de Macron, agora quase nada diz.

A repressão

O governo Macron, com o apoio de setores da extrema-direita e do judiciário, está adotando duras medidas repressivas. Em tempo recorde, centenas de jovens foram condenados de 4 a 18 meses de prisão, sem comprovação de crimes, simplesmente por terem o rosto coberto ou por estarem próximos a áreas de saques. Muitos dos acusados chegaram ao tribunal com cortes e hematomas visíveis, depois de terem sido espancados pela polícia.

Por sua vez, dois sindicatos de policiais, incluindo o majoritário Alliance, controlado pela extrema-direita, convocaram em comunicado um “combate” contra as “hordas selvagens” que protagonizam os distúrbios. Houve também manifestações de grupos neofascistas, sob o olhar cúmplice da polícia, que agrediram os jovens manifestantes gritando “França para os franceses”, mostrando desprezo pelos imigrantes e seus filhos e ignorando mesmo a nacionalidade francesa destes jovens.

Essa violência policial racista contra o povo pobre não é nova. Aconteceu o mesmo contra o movimento dos “coletes amarelos” em 2018. Em junho de 2022, houve grandes mobilizações juvenis contra a violência policial e o racismo de Estado.

Por uma alternativa de luta do povo trabalhador

A rebelião da juventude mais pobre é muito profunda e volta a evidenciar, como aconteceu há alguns meses com a grande luta em defesa das aposentadorias, a crise do regime e do sistema capitalista. E a necessidade de derrubar Macron e discutir a perspetiva de um governo do povo trabalhador, a partir de suas organizações de base.

Nesse sentido, hoje é fundamental unificar a luta dos/as trabalhadores/as e dos jovens, exigindo que as centrais sindicais e a Intersindical (que reúne tais centrais) voltem a enfrentar o governo de Macron, cada vez mais à direita, com um programa unitário, que inclua: a exigência de justiça para Nahel; a libertação e a anistia dos presos pelos protestos; serviços públicos para os bairros populares; e as reivindicações da classe trabalhadora, contra a reforma da previdência de Macron e por aumentos salariais correspondentes à inflação.

Em comunicado recente, a Rede pela Greve Geral (formada a partir de setores de base de diversas centrais sindicais durante as lutas do início do ano) afirmou: “A Rede pela Greve Geral rejeita a lógica de que os sindicatos devam se preocupar apenas com aposentadorias e salários, e não com o que acontece com os jovens e trabalhadores dos nossos bairros. Para exigir justiça e verdade para Nahel e todos os feridos, mutilados e mortos pela polícia, nos bairros e nas manifestações, devemos usar todas as nossas forças e os nossos meios de ação mais significativos, em particular a greve”.

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