ARGENTINA | O que acontecerá com a negociação da dívida argentina?

Escrito por: José Castillo do Izquierda Socialista, seção argentina da UIT-QI. 22 de abril de 2020. Traduzido por: Lucas Schlabendorff

O governo de Alberto Fernández apresentou na semana passada sua proposta de renegociação da dívida externa para títulos em dólares e euros segundo a legislação estrangeira. Antes da explicação técnica do ministro Guzmán, houve uma série de declarações políticas do presidente, que foram acompanhadas por sua vice, Cristina Fernández de Kirchner, e pelo chefe de Governo da Cidade de Buenos Aires, Horacio Rodríguez Larreta.

Alberto Fernández enfatizou que “não se pode pagar neste momento”. Isso, sem dúvida, foi visto com simpatia e esperança por muitos. Podemos observar isso conversando com companheiros de trabalho, de estudo, vizinhos, amigos e familiares. E é lógico que seja assim, estamos dizendo há muito tempo que a dívida é impagável, e hoje, onde precisamos de cada centavo para salvar vidas diante da pandemia de coronavírus, destinar esse dinheiro para os polvos credores é um verdadeiro crime.

Os economistas e jornalistas do sistema insistem que a proposta apresentada pelo governo é “muito dura” para os credores e que está sendo colocada nos termos de “pegar ou largar”, porque não haveria nenhum recuo.

Infelizmente não é assim. Vamos dar uma olhada: a proposta de renegociação busca uma redução de capital da dívida de 5,4% (3,6 bilhões de dólares). Apenas uma semana antes, os relatórios eram de que o levantamento de capital não seria menor que 15%, mas no último momento se reduziu para dar um sinal de “negociação” aos credores.

A redução de juros é importante (62%), embora partindo de taxas de juros astronômicas, as mais altas do mundo. A proposta planeja trocá-las por outras que, em média, serão de 2,33% anuais em dólares. Seguirão sendo altíssimas, já que as taxas internacionais estão quase todas entre 0% e 0,5%.

O governo propõe um período de carência (tempo durante o qual não se paga nada) de 3 anos (2020, 2021 e 2022). Em todos os discursos prévios se falava em “4 anos”, e agora aparecem 3. Novamente como um aceno para a negociação com os credores.

Muitas perguntas ficam sem respostas. Durante os três anos em que não se paga nada, os juros se acumulam e então isso multiplica a dívida? Além disso, haverá algum cupom ou pagamento extra, como deixou escapar algum funcionário do governo, que será pago cada vez que o país cresça (parecido com o atual “cupom do PIB”)? Haverá algum pagamento inicial em dinheiro – para “adoçar”, como se diz – aos credores? E sobretudo, o governo está disposto a “melhorar” a oferta aos polvos credores pagando mais juros ou capital, ou diminuindo os prazos?

A questão é sabermos em definitivo se essa é realmente a “última proposta” do governo ou apenas uma primeira proposta para logo depois ceder nas negociações, como tudo parece indicar.

“O governo apresentou a oferta. Os detentores de títulos da dívida a rejeitaram. Começa o Pôquer mentiroso”.

Assim foi o título do jornal Ámbito Financiero no dia 21/04. O editorialista, Carlos Burgueño, acrescentou: “os primeiros mentirosos são os detentores de títulos, que asseguram que de forma alguma aceitarão a oferta. O segundo mentiroso é o próprio governo, que afirma que não vai recuar na proposta”.

É que, assim que a proposta foi divulgada, duas coisas contraditórias aconteceram: por um lado, os grandes polvos que concentram a maior parte dos títulos (Greylock Capital, Blackrock Fidelity, Ashmore, Pimco, Alliance Bernstein) rejeitaram completamente a oferta. Mas ao mesmo tempo, o risco país (que marca a probabilidade de a Argentina deixar de pagar) caiu de 4.000 a 3.400 pontos e os preços dos títulos que estavam no chão, subiram em 10%. Este último expressa o que disseram muitos consultores do establishment, de que a proposta do governo foi “mais suave” do que o esperado. E há muitas “piscadelas” na mesa que dão a entender que se pode “melhorar” muito mais. Ou seja, em outras palavras significa que os polvos credores, se pressionarem, possuem a condição de cobrarem mais e ainda mais cedo. É por isso que se fala em um jogo de Pôquer: o governo “joga duro”, mas está disposto a ceder; os polvos credores “se fazem de difíceis” porque sabem que assim conseguirão mais.

De qualquer forma, o fato é que essa “troca” de títulos terá uma diminuição muito menor do que Kirchner e Lavagna fizeram em 2005. E recordemos que naquele momento, se vendeu a ideia de que o problema da dívida “já estava resolvido” e que “havíamos nos desendividado”, o que mais tarde se provou absolutamente falso.

Assim se soluciona o problema da dívida?

Não sabemos como vai terminar esse capítulo da dívida. O governo se viu obrigado a partir para essa renegociação porque, efetivamente, não tem dinheiro para cumprir com todos os vencimentos. Mas sua política não é romper e não pagar, pelo contrário. Advertimos então que, para além dos discursos, o governo está disposto a seguir cedendo aos credores. E cada coisa que se cede são milhões de dólares a menos para resolver a urgência da pandemia e as necessidades populares.

Elucidamos também que com isso nem sequer se apura o total dos vencimentos da dívida de curto prazo. As negociações com o FMI ainda estarão pendentes pelos 49.000 milhões de dólares que se deve. E incontáveis vencimentos de outros títulos, com legislação local ou das províncias, que não entraram nessa negociação.

Entendemos que existam muitíssimos companheiros que receberam com expectativa o que disse o presidente Fernández. Concordamos que vejam com bons olhos a proposta de que o dinheiro durante a emergência deve ir para a saúde, ou para resolver a crise social, e não para os polvos dos credores. Mas, lamentavelmente, temos que advertir que estamos diante de um novo processo de “renegociação” ao estilo dos muitos que já vimos nos anos anteriores. E que, ao final, o que termina acontecendo é que a dívida externa segue crescendo e cada vez terminamos pagando mais.

Por isso temos que insistir no que sempre defendemos desde a esquerda: não há saída sem declarar o não pagamento da dívida. Estamos diante de uma oportunidade imprescindível para, devido à emergência, deixar efetivamente de pagar, tanto aos polvos dos credores privados como também ao FMI, que virá por “seus” 49.000 milhões de dólares. A dívida é não só ilegal, mas também imensamente imoral, mais ainda nestes tempos de pandemia.

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