10 anos das jornadas de junho

Naziel Kalil, Coordenação da CST de Minas Gerais

As jornadas de junho completam 10 anos esse mês e nós da CST convidamos tanto os companheiros da esquerda radical quanto os setores progressistas a refletirmos sobre esse debate tão controverso dentro da esquerda brasileira, mas antes vamos relembrar rapidamente o ocorrido.

Retrospectiva:

Em março de 2013 um protesto contra o aumento das tarifas aglutinou cerca de 2 mil estudantes em porto alegre, o movimento foi duramente reprimido pela guarda municipal, uma semana depois os jovens retornam a rua, com cerca de 10 mil pessoas, o ato culmina na vitória do movimento que derrubou o aumento. Em abril o congresso da UNE reflete a efervescência do movimento em seus debates. Em sequência, em maio, manifestações em Goiânia, Natal, Rio e São Paulo pipocavam e cresciam, sendo reprimidas com brutalidade pela PM com as mesmas pautas da mobilidade urbana e contra o aumento das tarifas. Como em efeito dominó convocações espontâneas de independentes e organizados surgiam nas redes sociais, em especial no Facebook que na época não usava algoritmos excludentes para filtrar conteúdo, comumente atividades chegavam ao feed das pessoas com reportagens e imagens feitas pelos próprios manifestantes. Em alguns dias surgem novas convocatórias que estimulam os atos, como o Fórum de Lutas do Rio de Janeiro, a Assembleia Horizontal de BH, o Bloco de Lutas do RS, coordenadas com os calendários do MPL (Movimento pelo Passe Livre) de SP. Nos confrontos em SP após uma violenta repressão policial, como um barril de pólvora, o movimento espalha suas chamas pelo país. Nesse ponto, extrapola-se a pauta do transporte, passam a surgir manifestações contra a polícia, por mais investimento nas áreas sociais e a consigna “Não são só 20 centavos” toma as ruas. O Facebook, que era a rede social mais utilizada na época, torna-se um veículo de comunicação em todo o país e em meio a um governo “progressista” explodiam manifestações que eram caluniadas pela mídia nacional como vandalismo e reprimidas com cada vez mais violência pela polícia. No Facebook, isso impulsionou veículos de comunicação independentes como Jornalistas Livres e Mídia Ninja, uma mídia produzida pelos próprios manifestantes com seus celulares, que mostravam o que a TV omitia. O governo Dilma publicou um decreto que permitia a criação de um pólo da Força Nacional de segurança para repressão dos manifestantes e assegurar grandes empreendimentos que estavam sendo construídos para megaeventos como a Copa do Mundo e a Copa das Confederações que foi sediada no Brasil e ocorria concomitantemente às manifestações. Movimentos de luta começam a ressoar das ruas como o MTST e vários movimentos autonomistas, ou greves como a dos rodoviários e garis, em 2014 ou ocupações secundas de SP em 2016.

As palavras de ordem saltaram de “Não é só pelos R$0,20 centavos” para palavras como “saúde” , “educação”, “contra a corrupção”, “contra a homofobia”, clamando por transparência na política nacional e em que algum tempo se converteu em milhares de olhos e bocas com cartazes diversos, tendo marchas longitudinais que enfrentavam mesmo as melhores e mais bem treinadas forças policiais do país, pressionando a mídia a dar um passo atrás e cenas icônicas como a de desculpas de Jabour e outras figuras televisivas. Os gastos do governo Dilma de 8 bilhões com os estádios de futebol levaram a diversos atos inclusive na porta dos estádios no ano seguinte, com confrontos dos manifestantes com a polícia que vinham a cavalo, com helicópteros, ônibus cheios, lançando bombas e balas de borracha com truculência, vários jovens radicais revoltados com tal violência começam a emergir, criando um espantalho pela mídia de um grupo organizado chamado “Black Block”, cada vez mais surgiam tais jovens de preto incentivados pelo TV e rádio e mais tarde não restaria nem sombra desse movimento espontâneo.

As jornadas de junho foram de direita?!

Todo e qualquer tipo de polarização, mobilização popular ou institucional é disputada por várias forças políticas, em especial em momentos de crise econômica a disputa de projetos alternativos ou de restauração da suposta “ordem” vem a tona, e não foi diferente, em meio as convulsões houve uma disputa com a Rede Globo e outros grupos de direita. Mas, isso jamais anulou que as jornadas de junho foram uma revolta popular com pautas econômicas e sociais de esquerda.

Posteriormente o MBL e o Vem Pra Rua (movimentos de direita patrocinados) foram criados tentando utilizar as siglas e afirmando linhas políticas de reacionárias e canalizando esse sentimento para ideias liberais, privatistas e conservadoras, canalizando o sentimento de indignação para a institucionalidade. Esses movimentos da direita, ao longo dos anos foram se dissolvendo e se tornando sombras na internet, até culminar em escândalos mais graves como os de Kim Katagiri defender a criação de um partido nazista com Monark ou o Arthur (mamãe falei) demonstrar seu caráter de abusador com falas misóginas sobre as refugiadas ucranianas. As posições são diversas, alguns partidos reconhecem a força de 2013 para a esquerda mas ainda assim consideram a direita como a única capitalizadora do movimento, sem realizar o balanço sobre as experiências das massas e alguns outros em tom conspiracionistas acham que apenas serviu para “chocar os ovos da serpente do fascismo”, nós discordamos categoricamente dessas visões.

Durante o mesmo ano (2013) em que a crise financeira mundial de 2008 se arrastava em efeito dominó para os países da periferia do capitalismo nos anos seguintes , o Brasil mesmo com suas commodites começava a sentir seus impactos, rapidamente o governo Dilma respondeu com aumento da taxa de juros, arrocho salarial, contenção dos gastos públicos e aumento das passagens para atenuar os efeitos sobre os negócios dos grandes capitalistas, um corte de 15bi nos gastos públicos, enquanto as empreiteiras e bancos batiam recorde de lucros. Não podemos também nos esquecer que a cidade que estava no epicentro do conflito era São Paulo e o PT estava agindo com mão de ferro contra as pautas populares, o prefeito da época era Haddad que no mês de junho monitorava os protestos com champagne junto a Alckmin, que era governador do estado, em Paris. Os elementos centrais no processo são as retiradas de direitos, redução na qualidade de vida, aumentos dos gastos com alimentação e transporte sem aumentos reais dos salários, que contrastavam com os gastos exorbitantes feitos recentemente pelo governo com as Olimpíadas e a preparação para a Copa do Mundo. Isso motivou as aspirações populares espontâneas que foram duramente reprimidas por um governo dito “popular”.

Como citamos, temos clareza de que as manifestações eram marcadas por repúdio a classe política, aos partidos e todas as organizações do regime e, uma vez que não existe vácuo de poder, a direita tradicional e a extrema direita disputavam (como sempre) assim como as instituições burguesas buscavam saídas pela via institucional.

Deixamos a reflexão:

As indignações de fundo da juventude e dos trabalhadores expressas em junho de 2013 ainda seguem latentes, com um grande descontentamento popular com a casta política e os constantes aumentos de tarifas sem melhoria na qualidade dos transportes. Do lado de cá da trincheira seguimos na luta por mais direitos sociais, investimentos na saúde, educação, moradia e transporte e intervindo nos combates da classe apresentando uma alternativa política independente, rumo a uma sociedade socialista. Nos últimos anos lutamos fortemente contra o governo genocida da extrema direita de Jair Bolsonaro e os ultra reacionários golpistas neofascistas.

A classe trabalhadora age em busca de seus objetivos concretos e cedo ou tarde se enfrentarão com aqueles que lhes negam seus direitos e necessidades, somente um novo modelo de sociedade que finde com a exploração e seja capaz de alocar recursos e distribuí-los de forma planificada pode resolver essa crise. Todo e qualquer governo que se utilize dos ajustes e da opressão para massacrar nossa classe se chocarão em determinado momento conosco, estar a esquerda não é apenas uma colocação abstrata, devemos lutar por nossos direitos! Hoje, quem aplica o ajuste nas costas da classe trabalhadora, na forma do arcabouço fiscal e retira direitos dos indígenas com o esvaziamento do ministério de Sônia Guajajara é o governo Lula/Alckmin. Lutar contra essas medidas, reivindicando una esquerda sem rabo preso é nossa tarefa imediata.

Qual a saída?

Nós vivenciamos um militar sanguinário da extrema direita tentando nos matar doentes, desempregados e famintos e agora vivemos um governo que quer conciliar com esses mesmos setores da extrema direita junto aos seus pares dos setores financeiros e do agronegócio, para eles nem cadeia nem taxação, para nós o “calabouço fiscal” e o marco temporal que vitimiza ainda mais os povos originários massacrados por Bolsonaro juntamente com o garimpo ilegal. Não temos ilusões no STF nem no congresso que se manteve tranquilo com o Bolsonarismo mesmo após a intentona Bolsonarista e suas ameaças e tentativas de criar uma ditadura, sabemos que independente do governo o que importam são os interesses dos acionistas, banqueiros e bilionários. A saída é construir um novo país que só pode ser feito com a classe organizada em mobilizações pelos nossos interesses, toda e qualquer tentativa de salvar esse regime causará mais crises e sofrimento aos trabalhadores. Uma saída verdadeira não vem dos gabinetes, vem das ruas, do povo negro, das mulheres, das minorias LBTQIA+ que buscam direito de existir e só organizados vamos vencer. Venha para a Corrente Socialista de trabalhadores e trabalhadoras!


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