105 anos da Revolução Alemã

Novembro de 1918-Janeiro de 1919 / 105 anos da Revolução Alemã

por Francisco Moreira

No dia 9 de novembro de 1918, a revolução operária obrigou o kaiser Guilherme II a renunciar e acabou com o Império Alemão. A traição do Partido Socialdemocrata da Alemanha (SPD) e da Segunda Internacional salvou a burguesia, que manteve o poder. Assim como naquele momento, as decepções e traições dos falsos “socialistas” de hoje colocam a imperiosa necessidade de construir partidos revolucionários.

Há quatro anos do início da “grande guerra” interimperialista (Primeira Guerra Mundial), a indignação dos soldados, trabalhadores e camponeses alemães, provocada pelas penúrias padecidas e pelas sucessivas derrotas militares, explodiu em um motim na frota localizada na cidade de Kiel, nas margens do Mar Báltico. No final de outubro de 1918, os marinheiros se negaram a intervir na última batalha contra os britânicos. Respondendo à repressão do motim, desarmaram os oficiais, ocuparam os navios e libertaram os presos. Formaram um “conselho de trabalhadores e soldados” que tomou o controle do porto e enviou delegações para todas as grandes cidades alemãs. A revolução se estendeu rapidamente por todo o país. Formaram-se conselhos que exigiam a paz sem anexações e a derrubada do kaiser (imperador) Guilherme II. Na noite de 8 de novembro, uma centena de dirigentes revolucionários ocuparam o Reichstag (Parlamento) em Berlim e formaram um “conselho de representantes do povo”, convocando um congresso dos conselhos de soldados e trabalhadores. A insurreição de 9 de novembro obrigou o kaiser a abdicar, acabando com a monarquia, enquanto uma multidão no Palácio Real e no Reichstag proclamou a “República Socialista”.

A traição dos falsos “socialistas”

Desde 1916, o poder na Alemanha estava, na prática, nas mãos do Comando Militar Supremo, que havia imposto o estado de sítio, jornadas trabalhistas de 12 horas e redução salarial. Mas, desde 1917, houve massivas greves organizadas por 300 mil trabalhadores da indústria bélica em Berlim, Leipzig e Düsseldorf. Em janeiro de 1918, ocorreu um verdadeiro “ensaio de revolução”, com um milhão de trabalhadores em greve geral e mobilizados pelos conselhos de trabalhadores e soldados. Cada vez mais manifestantes lutavam pelo fim da guerra, pela paz sem anexações, contra a carestia de vida e contra a monarquia [1].

A agitação na Alemanha se somou à onda revolucionária que sacudiu a Europa, devastada pela carnificina da guerra interimperialista. Em fevereiro de 1917, caiu o czar (rei) Nicolau II, da Rússia, e em outubro os “sovietes” (conselhos de operários, camponeses e soldados) tomaram o poder, instaurando o primeiro governo operário e camponês revolucionário, dirigido pelo Partido Bolchevique de Vladimir Lenin e Leon Trotsky. Em novembro de 1918, chegou a vez do Império Alemão.

Mas, diante da queda do kaiser, o príncipe Max von Baden, chanceler imperial, negociou a formação de um governo falsamente “socialista” com o principal partido operário reformista, o Partido Socialdemocrata da Alemanha (SPD). O SPD e seus líderes Friedrich Ebert e Philipp Scheidemann celebraram “o nascimento da democracia alemã” e se dispuseram a conciliar com os partidos burgueses para definir a forma do Estado no marco da continuidade do regime capitalista.

O SPD dirigia o movimento operário alemão e a Segunda Internacional. No início da guerra, tinha um milhão de membros, dois milhões de filiados nos sindicatos, 110 deputados nacionais, 220 provinciais e 2.886 municipais. Com o “socialista” Ebert como presidente do “novo governo dos operários”, o SPD consumou a traição à “revolução de novembro”. Seu objetivo não era conquistar um governo revolucionário dos conselhos de trabalhadores e soldados na luta pelo socialismo, mas, pelo contrário, sufocar o movimento revolucionário e manter a nova etapa republicana nos limites do domínio burguês.

Mas a onda grevista não se deteve. O governo precisou legalizar a jornada de 8 horas, já imposta na prática. No dia 16 de dezembro, 250 mil manifestantes em Berlim exigiram a socialização da produção e a passagem do poder para os conselhos. Em janeiro de 1919, Ebert lançou uma ofensiva contra os revolucionários e a vanguarda operária. O novo Chefe de Polícia, o “socialista” Gustav Noske, pactuou com o Comando Militar Supremo do kaiser e seus paramilitares monárquicos (freikorps) para desencadear a repressão contra a greve geral insurrecional convocada pelo Comitê Revolucionário. Após cinco dias de combates brutais, no dia 15 de janeiro, os revolucionários foram derrotados pelas tropas do governo “socialista”, sendo muitos deles fuzilados.

Apesar desse duro golpe, o ascenso revolucionário e os conselhos se mantiveram até 1923. Nesse ano começaria o retrocesso do movimento operário. Ao mesmo tempo, daria seus primeiros passos em Munique um obscuro cabo do exército, Adolf Hitler: nascia o nazismo.

A debilidade do partido revolucionário

A traição do SPD e da Segunda Internacional começou em 1914, quando sua direção, burocratizada e voltada à defesa do capitalismo, avalizou que cada governo imperialista se lançasse à guerra, levando os operários a uma carnificina.

Na Alemanha, quando foram aprovados os créditos de guerra, em 4 de agosto de 1914, apenas um de seus deputados se opôs: Karl Liebknecht, que denunciou o caráter burguês imperialista do conflito e foi expulso do SPD. Em 1916, foi preso junto a Rosa Luxemburgo, acusados de “alta traição”. Nesse mesmo ano, Luxemburgo e Liebknecht fundaram a Liga Espartaquista. Uma organização pequena, mas que começou a ganhar influência ao calor do ascenso revolucionário. Eram aliados dos bolcheviques e na “revolução de novembro”, após sua libertação, negaram-se a apoiar o governo burguês do SPD e propuseram que os conselhos operários tomassem o poder.

Os espartaquistas fundaram, em janeiro de 1919, o Partido Comunista da Alemanha (KPD), enquanto crescia sua influência. Mas os “socialistas” reformistas do SPD ainda mantinham seu domínio majoritário sobre os trabalhadores. Em sua defesa encarniçada da burguesia, o SPD cometeu o crime atroz de fuzilar, em 15 de janeiro, Karl Liebknecht e Rosa Luxemburgo, logo após eles serem detidos. O corpo desfigurado de Rosa foi atirado no canal Landwehr do Rio Spree, em Berlim.

A Revolução Alemã expôs com toda crueza a importância de construir partidos revolucionários. A queda do imperador alemão foi comparável à queda do czar russo, o que Nahuel Moreno denominou uma “revolução socialista inconsciente” [2]. Em Berlim, formou-se um governo “socialista” análogo ao governo provisório russo de Kerensky com os mencheviques e socialistas revolucionários (SRs, corrente pequeno-burguesa que dirigia os camponeses [N.T.]). No entanto, enquanto na Rússia eles foram expulsos do governo e sob a direção bolchevique triunfou a revolução socialista de outubro, na Alemanha a traição dos reformistas conseguiu seu objetivo. A diferença esteve no fato de que na Rússia durante décadas se havia construído o Partido Bolchevique, forjado na ação revolucionária e disposto a dirigir a luta pelo poder em uma insurreição cuidadosamente planejada quando se tivesse ganho a maior parte dos sovietes operários.

Na Alemanha, pelo contrário, a heroica vanguarda encabeçada por Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht não compartilhavam da necessidade imprescindível de construir esse partido de combate com centralismo democrático. Ao estourar a revolução, os espartaquistas cresceram e se fortaleceram, mas não puderam construir em poucos meses o que havia custado décadas aos revolucionários russos. Isso facilitou o êxito da ação contrarrevolucionária de Ebert, do SPD e de seus aliados burgueses, que golpearam sem piedade contra os revolucionários alemães. A sobrevivência de falsos “socialistas” que ainda promovem a conciliação de classes na atualidade e levam os povos a novas decepções demonstra que segue de pé a imperiosa necessidade de construir partidos revolucionários.

[1]. Ver Erich Maria Remarque. “Nada de Novo no Front”, Editora L&PM, 2016 e o filme homônimo de Edward Berger de 2022 (Netflix).

[2]. Ver Nahuel Moreno. “Revoluções do século 20”. Disponível em espanhol em www.nahuelmoreno.org.

Nossos mártires Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht, assassinados por se negar a apoiar governos de conciliação de classes e lutar pela revolução socialista.

Anexo: Trotsky e a Revolução Alemã de 1918

“[…] Ficou demonstrado que, sem um partido capaz de dirigir a revolução proletária, ela se torna impossível. O proletariado não pode tomar o poder por uma insurreição espontânea. Mesmo em um país tão culto e desenvolvido do ponto de vista industrial como a Alemanha, a insurreição espontânea dos trabalhadores em novembro de 1918 conseguiu apenas transmitir o poder às mãos da burguesia. Uma classe exploradora se encontra capacitada para derrubar outra classe exploradora apoiando-se em suas riquezas, em sua ‘cultura’, em suas inúmeras concomitâncias com o velho aparato estatal. No entanto, quando se trata do proletariado, não há nada capaz de substituir o partido” [1]. “Depois da [primeira] guerra, ocorreu uma série de revoluções que significaram brilhantes vitórias: na Rússia, na Alemanha, na Áustria-Hungria e mais tarde na Espanha. Mas apenas na Rússia o proletariado tomou plenamente o poder em suas mãos, expropriou seus exploradores e, graças a isso, soube como criar e manter um Estado operário. Em todos os outros casos, o proletariado, apesar da vitória, se deteve, por causa de sua direção, na metade do caminho. O resultado disso foi que o poder escapou de suas mãos e, movendo-se da esquerda para a direita, acabou sendo o espólio do fascismo” [2].

[1]. Leon Trotsky. “Lições de Outubro” [1924]. Publicado no Brasil pela Editora Sundermann em 2007.

[2]. Leon Trotsky. “Aonde vai a França:” [1934]. Idem, 2020.   

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