Carta aberta às forças do PSOL

Aos camaradas
• do MES, APS, LSR, LRP, CS, Rebelião Ecossocialista, Revolução Socialista, Fortalecer e Alicerce;
• dos Diretórios municipais, mandato do deputado Glauber Braga e militantes independentes do PSOL;

1- No dia 29 de janeiro de 2024, ocorreu uma reunião nacional da Executiva do PSOL. Em sua resolução, a linha de participação e apoio ao governo de Lula/Alckmin é reafirmada. O texto diz que “No primeiro ano do governo Lula em 2023, o Brasil testemunhou consideráveis avanços tanto na esfera econômica quanto na social” (https://psol50.org.br/nota-da-executiva-nacional-do-psol-derrotar-a-extrema-direita-reconstruir-o-brasil-e-semear-o-futuro/). O PSOL reivindica o que definiu como um “forte investimento público, evidenciando a importância dos investimentos governamentais na retomada de programas sociais como o Desenrola Brasil, no fortalecimento das Farmácias Populares”. A integração governamental produziu uma adesão do PSOL ao discurso triunfalista do PT. Mas será que essa avaliação do governo Lula/Alckmin, sem as contradições de classe da frente ampla, expressa mesmo todo o Brasil real de hoje?

1.1- Vejamos isso melhor. Nunca duvidamos que era preciso derrotar a extrema direita e lutamos por isso, nas ruas e nas urnas. Sabemos que estamos num governo diferente daquele de Bolsonaro. A extrema direita, em meio a uma pandemia, se divertia ao realizar um genocídio, gostava de ver o desemprego e a inflação nas alturas e dizia “e daí?”. Além de ter tentado implantar uma ditadura policial-militar no Brasil. Mas mesmo num governo como o de Lula/Alckmin, que fala de questões sociais e democráticas, não podemos perder nosso norte. Acreditamos que é fundamental ver como nós, da classe trabalhadora e dos setores populares, estamos e como nos organizamos para exigir as nossas pautas. Afinal, diferente do que afirmam as lideranças da frente ampla de colaboração de classes com os patrões, a libertação da classe trabalhadora será uma obra da própria classe trabalhadora.

1.2- É fato que a PEC da transição permitiu 145 bilhões e retomada de projetos sociais focalizados, como o reajuste do Bolsa Família e outras ações, como o modesto reajuste do salário mínimo. Foi isso, junto com o aumento das exportações de commodities, que propiciou um leve crescimento, acima do esperado. Houve certa grita entre os chamados “mercados”, a BOVESPA, pelo “déficit” das chamadas “contas públicas”, cinicamente escondendo que a maior fatia do orçamento nacional federal vai para o sistema financeiro. A resposta do governo Lula, do ministro petista Haddad, foi reafirmar a austeridade para 2024, já prevista no Arcabouço Fiscal. Ironicamente, o nefasto Michel Temer, que apoiou Bolsonaro, saiu em defesa do governo Lula, pois vê que o Ministro da Fazenda garante a “integridade fiscal” e está “ganhando rumo”. Mas a resolução da executiva do PSOL, do mesmo modo que o PT, cita apenas parte dessa realidade complexa. Por exemplo, o texto da Executiva do PSOL não cita o Arcabouço Fiscal. Como se sabe, o Arcabouço Fiscal é uma medida econômica estrutural do governo Lula/Alckmin, que limita os investimentos nas áreas sociais. Essa política econômica prejudica as negociações salariais com os trabalhadores do serviço público e das estatais federais e fundamenta um reajuste baixo no salário mínimo. Há economistas sérios e competentes, ligados ao próprio PSOL, que mostram que o cenário de 2024 não será igual ao de 2023 devido a essa política de austeridade permanente, combinada aos juros dentre os maiores do planeta. E diante da crise econômica mundial, o cenário para novas exportações está deteriorado. De passagem, a Executiva do PSOL demonstra uma “preocupação com a posição do chamado déficit zero”, mas sem um chamado a mobilizar para barrar essa proposição ou sem propor o fim do teto de gastos expresso no Arcabouço Fiscal. Ao manter o centro do orçamento voltado ao pagamento dos juros e amortizações da dívida externa e interna aos banqueiros, as taxas de juros estratosféricas, temos um gargalo aos investimentos sociais em 2024 e nos próximos anos.

1.2.1- É fato que a inflação e o desemprego estão mais baixos. Por outro lado, os recentes aumentos de passagens de ônibus – que tendem a aumentar após as eleições municipais – ou preços altos de produtos como o arroz não indicam que podemos ficar tranquilos com a atual estabilização da inflação. E jamais podemos perder de vista que a realidade é que os salários da massa proletária de nosso país são muito baixos. Ao mesmo tempo, a atual diminuição do desemprego está balizada pelo aumento da informalidade, da precarização, dos baixos salários e da superexploração, que avançam na esteira da reforma trabalhista/terceirização, que prejudicam sobretudo as mulheres e o povo negro. Não é por acaso que há uma imensa simpatia e apoio ao movimento VAT – Vida Além do Trabalho – que exige o fim da jornada 6×1. Medidas centrais, outrora defendidas pelos sindicalistas do PT e pela CUT nos anos 1980, de redução da jornada de trabalho, reposição das perdas salariais, estatização de setores fundamentais da economia, como os transportes, não podem deixar de constar na agenda de um partido que se reivindica socialista.

2- A resolução do PSOL fala da extrema direita e critica: “A ausência notável de Arthur Lira, Romeu Zema e Tarcísio de Freitas no ato de memória de um ano da tentativa de golpe destaca que a dita pretensão destes de fazer parte de uma a grande coalizão que se formou em defesa da democracia em 2023 não manteve seu compromisso com o enfrentamento ao golpismo e a democracia”. Vejam que até para criticar um ultrarreacionário como Lira ou Tarcísio, que sustentaram o governo Bolsonaro, a resolução do PSOL faz rodeios. E isso ocorre, pois, a verdade é que, infelizmente, Lula, PT, Alckmin, PSB e PCdoB defendem uma governabilidade conservadora. Realizam pactos com Lira e o centrão. Constroem acordos políticos com governadores reacionários e privatistas como Tarcísio, Barbalho ou Cláudio Castro. Dias depois da reunião da Executiva do PSOL, o próprio presidente Lula, junto com o governador Tarcísio, realizaram evento de comemoração de aniversário do porto de Santos e anunciaram projeto de parceria público-privada para a construção de um túnel entre Santos e Guarujá, obra que compõe o novo PAC. Tal ação prejudica em muito a luta dos metroviários, sabespianos e ferroviários em luta contra as privatizações de Tarcísio, pois mostra Lula ao lado e em parceira com o governador de SP e ao mesmo tempo estimulando mecanismo privatista como a PPP.

3- O texto do PSOL corretamente critica o centrão, Lira e os ruralistas. Mas novamente o faz sem um chamado a novas jornadas de lutas. Por outro lado, a Executiva do PSOL omite a informação de que os chamados “sabotadores do governo Lula” são parte da base aliada, compõem acordos no Congresso Nacional ou integram ministérios. O Centrão de Lira e Fufuca, o partido de Tarcísio, o ruralista Fávaro e o golpista Múcio estão com cargos no Governo Federal, nos ministérios ou outros locais, como a Caixa Econômica Federal. Há um pacto como o bolsonarista Campos Neto que segue no Banco Central. De fato, a resolução do PSOL blinda o governo Lula de sua responsabilidade nos pactos de poder, que, cedo ou tarde, dão folego a setores ultrarreacionários. Um exemplo disso é que essas forças se jogaram para derrotar os povos indígenas, tendo o Governo Federal e inúmeros de seus ministros, como Fávaro, no lado da trincheira do agronegócio. Mas a Executiva do PSOL, amarrada aos cargos, não pode reivindicar algo mínimo: que os golpistas, como Múcio, ou ruralistas, como Fávaro, sejam destituídos do governo. Por outro lado, a Executiva se abstém de exigir de Lula a revogação da reforma da previdência, trabalhista, do NEM e da privatização da Eletrobras.

3.1- O presidente Lula não é neutro nisso; ele é o líder e elaborador desse processo de negociações, o articulador de pactos e acordos de governabilidade de sua base aliada, e não refém disso. E joga muito bem ao realizar os discursos que dão a impressão de que um Ministério é o “policial bom” e o outro o “policial mau”, num cabo de guerra imaginário que serve tanto a seus aliados mais à direita quanto aos de esquerda. O governo é capitalista e tem posição. Veja-se que mesmo os vetos de Lula ao Marco Temporal foram parciais. A própria APIB, a maior e mais respeitada entidade dos povos indígenas, afirmou em nota oficial sua crítica ao veto parcial do presidente Lula e a ataques não vetados por ele: “A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) reforça que a cobrança do movimento indígena era para Lula vetar totalmente o PL […] Além das ameaças do Congresso Nacional, existem dois trechos, que não foram integralmente vetados por Lula, e que a Apib atenta para maiores preocupações sobre violações aos direitos indígenas: O Artigo 26 do PL trata sobre cooperação entre indígenas e não indígenas para exploração de atividades econômicas, que pode ampliar o assédio nos territórios para flexibilizar o usufruto exclusivo. O Artigo 20 que afirma que o usufruto exclusivo não se sobrepõe ao interesse da política de defesa e soberania nacional. Afirmamos que o Artigo 20 é perigoso, pois pode, igualmente, abrir margem para mitigar o usufruto exclusivo, diante do conceito genérico de “interesse de política de defesa”, justificando intervenções militares nos territórios. Mesmo com essa ameaça, reforçamos que os Povos indígenas são resguardados pelo Artigo 231, §6o, da Constituição, que prevê que o relevante interesse da União deverá ser disposto por Lei Complementar e não por Lei Ordinária como é o caso do PL 2903” (https://apiboficial.org/2023/10/20/veto-parcial-lula-barra-marco-temporal-porem-ameacas-continuam-no-pl-2903). Hoje a APIB segue reivindicando medidas para os yanomamis e os pataxós, dentre outras pautas.

4- Infelizmente, se comprovou a tese de que o ingresso do PSOL no governo Lula/Alckmin não deteve o curso do governo em favor do ruralismo e dos banqueiros, duas frações centrais da burguesia em nosso país. A adesão do PSOL ao governo não ajudou a barrar o Marco Temporal e o Arcabouço Fiscal, nem colaborou para aumentar a mobilização contra essa medida. Ao contrário: a guinada do PSOL para a frente ampla, o apoio prestado por um partido socialista ao governo, o simbolismo de uma liderança indígena num novo ministério e a incorporação da bancada do PSOL à base aliada produziram um efeito contrário. O apoio e ingresso do PSOL colaborou para que se canalizassem energias para ilusões institucionais, negociações ministeriais e ideologias acerca do Estado burguês. E isso retirou forças do caminho da ação direta, da mobilização indígena, popular e operária contra o Marco Temporal e o Arcabouço Fiscal (ou outras medidas, como a privatização dos presídios e corte de verbas das áreas sociais). É equivocada a definição da Executiva que “O papel do PSOL seguirá sendo tensionar à esquerda o debate público e nos governos dos quais é base, como o federal” (https://psol50.org.br/nota-da-executiva-nacional-do-psol-derrotar-a-extrema-direita-reconstruir-o-brasil-e-semear-o-futuro/). Isto, infelizmente, não está ocorrendo. O PSOL é que foi e é tencionado a aceitar o revés, rebaixar as críticas, mudar seu discurso, se adaptar ao modo petista de governar. Foi por isso que rompemos com o PSOL (https://www.cstuit.com/home/2023/06/05/por-que-a-cst-rompe-com-o-psol/).

5.1- Estamos próximos de um 8M, dia internacional de luta das mulheres trabalhadoras, e de um novo 14 de março (em que gritamos novamente Justiça por Marielle e Anderson). Existem provas e depoimentos, dentro de um longa investigação, em que sabe-se do envolvimento de máfias e milícias envolvidas diretamente nesse crime absurdo. Mas depois de um ano de governo Lula, pouco avançou. Não duvidamos que os pactos com amplos setores, muitos deles ultrarreacionários, como os que ocupavam o Ministério do Turismo, não ajudam a desvendar esse crime. E a Executiva do PSOL, em sua resolução, abandona a hierarquia que essa pauta deve ter e nem cita a necessidade de uma imensa mobilização para desvendar os mandantes dessa execução política.

6- Sabemos que ainda há valorosos companheiros e companheiras de esquerda que se reivindicam socialistas dentro do PSOL. É um fato que os camaradas do MES, APS, LSR, LRP, CS, Rebelião Ecossocialista, Revolução Socialista, Fortalecer e Alicerce e o deputado Glauber Braga não têm a linha de romper com o PSOL. Mas uma coisa é não romper com o PSOL e outra é aderir às chapas da frente ampla municipal. O mesmo processo que se deu no plano nacional agora vai se repetir no plano local. E ninguém precisa entubar chapas como essa com Marta Suplicy (SP) e negociatas com setores patronais e nem as chapas ao estilo da frente ampla de Edmilson Rodrigues (PA) com seus acordos com a oligarquia dos Barbalhos. Dois locais definidos como “As duas grandes prioridades eleitorais do partido em 2024”. Neste novo contexto, é necessário um debate. A CST, mesmo antes de romper com o PSOL, desacatou a linha majoritária do PSOL. Não apoiamos (https://www.cstuit.com/home/2022/03/17/manifesto-psol-sem-patroes/) e nem fizemos a campanha da frente ampla (https://www.cstuit.com/home/2022/06/04/editorial-a-posicao-da-cst-nas-eleicoes-combate-socialista-n153/).

8- Os camaradas do MES, APS, LSR, LRP, CS, Rebelião Ecossocialista, Revolução Socialista, Fortalecer e Alicerce e o deputado Glauber Braga, com seu peso político, têm uma forte responsabilidade. Uma movimentação pela esquerda ajudaria a construir uma alternativa independente nessas eleições municipais. Apelamos a que reflitam e mudem de posição. Do mesmo modo, nos dirigimos aos militantes e integrantes dos diretórios municipais para que combatam a linha nacional da Executiva Nacional. Reiteramos nossa proposta pela formação de uma Frente eleitoral da esquerda independente em 2024 (https://www.cstuit.com/home/2023/12/21/propomos-uma-frente-eleitoral-da-esquerda-independente-em-2024/). Estamos à disposição para reunir, tratar dessa proposta ou publicar textos, críticas e colaborações que nos chegarem da parte de vocês em nosso site e nosso jornal. E pedimos que façam o mesmo para estimular os debates. A eventual divergência quanto ao todo ou parte das avaliações aqui contidas não impede a continuidade do diálogo, nem limita nossa colaboração na luta de classes, onde seguiremos ombro a ombro, como antes.

03 de fevereiro de 2024

Corrente Socialista de Trabalhadoras e Trabalhadores (CST) – Organização Socialista e Revolucionária Independente.

Seção da Unidade Internacional de Trabalhadoras e Trabalhadores – Quarta Internacional (UIT-QI) no Brasil.

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