Cinco meses de Milei: duas greves gerais e nenhuma Lei

Escreve Juan Carlos Giordano, deputado nacional eleito pela Izquierda Socialista/ FIT Unidad

A greve do dia 9 foi contundente. Foi outro revés para o governo de extrema direita de Milei. A bofetada anterior foi dada pela onda humana de mais de um milhão de pessoas em defesa da Universidade Pública. Duas ações operárias e populares de massa, às quais a CGT deve dar continuidade. O governo acusou o golpe. A Lei Bases está em apuros, assim como o pacto entreguista de 25 de maio.

Milhões de pessoas estão indignadas com os cortes nos salários e nas aposentadorias e com os impactos da recessão. Qual é a saída diante de tal desastre nacional? O peronismo e Cristina Kirchner apostam no desgaste de Milei, visando as eleições de 2025. O sindicalismo combativo e a Frente de Izquierda Unidad defendem outra estratégia.

A Argentina foi notícia mundial. Não por causa de alguma entrevista extravagante de Milei nesta ou naquela tribuna de extrema-direita (Milei que, aliás, derrapou diante do jornalista da BBC, quando questionado sobre o ajuste contra os/as aposentados/as), mas por conta da segunda greve geral após cinco meses de governo. Manchetes como “Duas greves e nenhuma lei” apontam o governo de extrema direita em apuros.

A primeira greve geral ocorreu em 24 de janeiro, provocando a queda da Lei Ônibus original. E depois ocorreu o 23 de abril, com a colossal marcha universitária, em que centenas de milhares saíram às ruas, desferindo mais um duro golpe no governo, que quer apresentar “números favoráveis” à custa de cortes no orçamento, nos salários, nas aposentadorias, nas obras públicas, nas verbas para as províncias e de 60% nos trens, levando ao acidente de San Martín.

A selvagem campanha do governo de estrangulamento das organizações sociais, com o corte de refeições, além da escalada na política de ódio contra aqueles que têm menos, refletem o abraço do afogado de um homem que tenta encobrir a contundência da greve e do mal-estar social, que cresce diante da situação desesperadora.

Um cartão-postal de férias

A greve do dia 9 mostrou que a classe trabalhadora está de pé. E que ela, quando chamada à luta, responde com força. Isso vai na contramão do que diz Cristina Kirchner, ao afirmar que “as pessoas baixam a cabeça” perante o que está acontecendo.

Foi uma paralisação vitoriosa, apesar da desconfiança em relação à burocracia sindical ligada ao peronismo, da campanha acusando o movimento de ser uma “greve política” ou do medo de descontos. Foi uma grande greve, que contou até com o apoio dos eleitores de Milei. Os jovens que votaram no governo participaram da marcha universitária. E, na assembleia ferroviária de Sarmiento, as pessoas que apoiaram o governo estiveram na primeira linha da defesa dos salários, dos empregos e da crítica à privatização.

A greve foi em repúdio ao ajuste brutal. O plano Milei significa recessão mais inflação. A pequena queda do índice de preços em abril aconteceu à custa da queda exponencial do consumo, da renda popular e da atividade econômica. O setor de construção caiu 42% e a indústria caiu 21% em março. Isso se expressou no crescimento das demissões, não só de 12 mil funcionários públicos, mas de 100 mil trabalhadores da construção, entre outros. As perspectivas para os próximos meses são ainda piores. O PIB cairá 3,5% em 2024. A arrecadação despencou. O governo aumentou a dívida externa em dólares. O FMI aplaudiu o ajuste, mas não disponibilizou o dinheiro para levantar o prometido Cepo [sistema de controle cambial, com o objetivo de reduzir a inflação], adiado indefinidamente, enquanto a dívida fraudulenta continua a ser paga e é redobrada a pilhagem extrativista.

Tudo isso gera um grande desconforto não só entre o povo trabalhador e os pequenos comerciantes, mas também entre setores patronais médios. As pequenas Pymes [micro, pequena ou média empresa] opõem-se à reforma trabalhista, porque dizem que o problema é que não vendem nada. As perdas salariais e das aposentadorias são astronômicas. Cada vez mais trabalhadores formais ficam abaixo da linha da pobreza. A linha da miséria subiu para 385 mil pesos e a linha da pobreza para 850 mil pesos. A passagem de trem voltou a aumentar. O bilhete do metrô vai para 574 pesos e o custo da conta de luz, por exemplo, é o maior em trinta anos.

O governo acusou o golpe. Milei tentou distorcer os fatos, dizendo que “a greve foi um fracasso”. Patricia Bullrich fez um papel ridículo, ao entrar em um ônibus vazio. O fluente porta-voz presidencial, Manuel Adorni, tremeu na base quando foi questionado sobre a proposta de uma nova greve de 36 horas defendida por “Pollo” Sobrero. Estão circulando pelas redes sociais, em que 80% consideram a situação econômica do país ruim, memes do governo desnorteado.

Longe vão as fotos do gabinete governamental, na sacada da Casa Rosada, saudando uma suposta multidão na Plaza de Mayo. O filme é outro. O plano motosserra empurra cada vez mais setores para a luta. É por isso que as greves gerais e as mobilizações de massas já têm números e letras que ficarão no calendário histórico do protesto social, como o 24E, o 8M do movimento de mulheres, o massivo 24M, o extraordinário 23A e a greve contundente do 9M. Isso desde 20 de dezembro, quando o sindicalismo combativo e a esquerda venceram o primeiro round contra a motosserra e o protocolo repressivo da autoritária Patricia Bullrich, fazendo o ato para marcar o Argentinazo na Plaza de Mayo.

A Lei Bases em crise e o famoso pacto de 25 de maio

Dada a ascensão operária e popular, o governo adiou parte do aumento das tarifas. Teve que colocar um teto nas tarifas dos planos de saúde e sentou-se para conversar com os reitores. Mas os problemas continuam a piorar.

Com a ajuda da oposição patronal de Pichetto, dos radicais e do PRO, o governo conseguiu a aprovação parcial da Lei Bases na Câmara dos Deputados. Foi uma “trégua precária”, com base no desgastado pacto colonial de 25 de maio, que o governo agora questiona ao voltar a enfrentar dificuldades no Senado.

“Bartolo, estou terrivelmente decepcionado, pensei que ia ter uma decisão”, lamentou dias atrás um senador libertário de Formosa ao presidente provisório do Senado. O Secretário de Energia reconheceu, quando foi apresentar o projeto, desconhecer um artigo da Lei Bases (“Não li”, disse). O “tratamento expresso” fracassou.

Há questionamentos sobre o imposto aos salários, artigos da reforma trabalhista, algumas privatizações (passaram de quarenta e uma para onze); lavagem de dinheiro, com a repatriação de recursos que poderiam advir do tráfico de drogas e de outras fontes ilícitas; e, principalmente, às inéditas concessões fiscais, tributárias e aduaneiras às multinacionais e aos grupos de investimento, através do Regime de Incentivo aos Grandes Investimentos (RIGI), política contestada até pela UIA e que prejudica os pequenos empresários, sempre justificada com a mentira de que dessa forma “entrarão capitais que nos tirarão da crise” – uma luz no fim do túnel que nunca chegará.

A Lei Bases, embora possa ser aprovada, certamente retornará com alterações e mais reduzida à Câmara dos Deputados, manchando “o feriado nacional libertário” de 25 de maio. As negociações estão frenéticas. Entre idas e vindas, pode voltar a explodir o mal-estar social. Isso porque, à medida que estão se tornando conhecidos os termos nefastos da nova Lei, está crescendo o sentimento de que no dia em que ela for discutida no Senado devemos ir em massa repudiá-la, com a exigência de que a CGT convoca uma marcha.

Milei tem dito que, em caso de novos reveses, espera ter um desempenho melhor nas eleições do próximo ano, para poder avançar “com as reformas estruturais”, evidenciando suas dificuldades. Dizem que ele processa tudo isso em longos encontros íntimos, que acontecem aos domingos, às 20h, na Quinta de Olivos, ouvindo Ópera e tendo longas conversas com o desmoralizado economista Juan Carlos De Pablo; caminhando com o questionado Ministro Petovello e com sua irmã, “o Chefe”, Karina Milei. E com almoços semanais com outras figuras de extrema-direita, como Espert. Um séquito cada vez menor. Karina, por exemplo, foi vista presidindo uma reunião de gabinete na semana passada.

Diante do contínuo desgaste do governo, tem se falado em uma mudança de gabinete em breve. O FMI continua preocupado com a “governabilidade”, tal como os grandes grupos econômicos, Pichetto e os radicais. É por isso que aconselham o governo a escolher bem as palavras, usando menos as redes sociais. E a chefe do FMI, Kristalina Georgieva, expressou mais uma vez a sua “preocupação com os mais vulneráveis”. Eles estão aterrorizados com a possibilidade do governo continuar a jogar mais lenha na fogueira, diante um povo trabalhador que tem travado enormes batalhas.

O papel do peronismo e a saída de fundo defendida pela esquerda

O que tem feito a liderança peronista? Os meios de comunicação aliados ao peronismo têm expressado diariamente o que chamam de “crise de liderança” do movimento, que foi derrotado nas eleições e tem sido questionado por seus próprios seguidores. Enquanto o PJ está acéfalo, após a renúncia de Alberto Fernández como autoridade máxima, Cristina Kirchner foi obrigada a vir a público três vezes consecutivas para dizer algo, com discursos que já não cativam. O governador Kicillof tem aparecido em algumas manifestações, para tentar fingir que não está aplicando o ajuste em sua província, e está travando uma dura briga pelo aparato eleitoral com La Cámpora e Máximo Kirchner. Os senadores da Unión por la Patria têm passado o tempo revisando o tamanho de sua bancada, para não perderem votos, como já aconteceu com o bloco peronista na Câmara dos Deputados, que não conseguiu segurar vários parlamentares, que acabaram apoiando alguns capítulos da Lei Bases.

Cristina Kirchner, embora critique o governo, disse “que Milei está se saindo bem” e que “estamos aqui para ajudá-lo”, sob o lema de que não devemos “travar a roda”. Ou seja, o peronismo tem feito críticas parciais ao governo, mas sua estratégia é deixar Milei desgastar-se, preparando o terreno para tentar vencer as eleições do próximo ano. Eles têm dito que devemos reconstruir o peronismo. Porém, foi o próprio peronismo que prometeu em 2019 lutar contra a direita e acabou entregando o país ao FMI, preparando o terreno para o triunfo de Milei.

Essa “estratégia” peronista vai na contramão das necessidades das lutadoras e dos lutadores, que querem enfrentar agora e de forma consequente o plano nefasto do governo, desenvolvendo a luta nas ruas e no Congresso, como defende o sindicalismo combativo e a esquerda.

Nós, da Izquierda Socialista – FIT Unidad, continuamos a defender a unidade operária e popular para enfrentar o plano motosserra de Milei e, assim, derrotá-lo. Essa é a necessidade número um do povo trabalhador e dos setores populares. Denunciamos também o vergonhoso alinhamento de Milei com o Estado sionista de Israel contra o povo palestino. Mostramos que é possível vencer, que lutar traz resultados. Isso num quadro em que os duros confrontos contra o governo continuarão. Em Quimilí, Santiago del Estero, o povo se rebelou contra a alta tarifa de energia elétrica. Os docentes estão se mobilizado massivamente em Missiones. Existirão expressões de luta de todos os tipos. São lutas que devem continuar a ser travadas em todos os locais de trabalho, bairros e universidades. E, fundamentalmente, com a convocatória de protestos massivos, como temos exigido à CGT. A CGT não convocou a mobilização ao Congresso, quando foi aprovada a Lei Bases na Câmara dos Deputados, dedicando-se à negociação de alguns artigos da reforma trabalhista. Não há nada para negociar com o governo. A CGT e a CTA têm de defender a paralisação do país no dia em que for discutida, no Senado, a Lei, de modo a possibilitar uma mobilização massiva. E tais entidades têm que dar continuidade à luta contra todo o plano motosserra de Milei, com uma nova greve geral de 36 horas e mobilização. Em outras palavras, com um verdadeiro plano nacional de luta. Por isso, batalhamos pela coordenação dos setores em luta.

E, diante do papel do peronismo, defendemos uma saída oposta. Um plano econômico que rompa com o FMI e deixe de pagar a dívida externa, entre outras medidas de fundo, tendo como perspectiva a construção de um governo das trabalhadoras e dos trabalhadores e da esquerda. Para isso, convidamos todas e todos a se somarem à Izquierda Socialista para fortalecer a Frente de Izquierda Unidad.

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