50 Anos do Massacre de Pacheco

Texto de Federico Novo Foti

O dia 29 de maio marca o quinquagésimo aniversário de um dos mais importantes crimes políticos perpetrados durante o último governo de Perón. Um ataque fascista contra as instalações do PST e o assassinato de três dos seus militantes, organizado pela Triple A (Aliança Anticomunista Argentina), composta por membros das forças de segurança e da burocracia sindical peronista, que procurou levar a cabo um novo ataque feroz contra a ascensão do movimento operário.

Na noite de quarta-feira, 29 de maio de 1974, cerca de quinze bandidos armados dispararam contra a fachada das instalações do Partido Socialista dos Trabalhadores (PST) – o partido antecessor da Izquierda Socialista – localizado na cidade de General Pacheco, no norte da Grande Buenos Aires. Entre pancadas, gritos e insultos, seis camaradas que se encontravam reunidos nas instalações foram atirados ao chão e pontapeados. Depois de terem roubado, destruído e incendiado o que encontraram, foram obrigados a sair e a entrar em carros estacionados do lado de fora das instalações. As três companheiras, depois de terem sido espancadas e ameaçadas, foram deixadas a vários quarteirões de distância. Os camaradas foram metidos nos porta malas dos carros e, na manhã de 30 de maio, os seus corpos, crivados de balas, foram encontrados em Pilar.

Os camaradas assassinados foram Oscar Dalmacio “Hijitus” Meza, que dirigia a luta na metalúrgica Astarsa e noutras fábricas da zona norte, e tinha promovido a lista de oposição à burocracia da UOM em Vicente López; Mario “el Tano” Zidda, que tinha sido um dos líderes da luta das escolas industriais em 1972, quando estudava na Escola Nacional de Educação Técnica Nº 1 em Tigre; e Antonio “Tony” Moses, que tinha entrado na metalúrgica Wobron. O “Massacre de Pacheco”, o assassinato dos três militantes do PST, representou um salto nos ataques até então perpetrados por bandos fascistas sob o governo de Juan Domingo Perón e teve enorme repercussão nacional. Foi o primeiro ataque a um partido político legalmente reconhecido. A Triple A foi uma resposta desesperada ao levantamento operário e popular que encurralou o “pacto social” de Perón, os patrões e a burocracia sindical, com o apoio do imperialismo. O PST chamou à unidade de ação antifascista para enfrentar os ataques.

A RESPONSABILIDADE DO GOVERNO PERONISTA

Em 12 de outubro de 1973, Perón assumiu a presidência pela terceira vez. O “golpe” contra o seu antecessor, Héctor J. Cámpora, e a sua tomada de posse visavam pôr fim à ascensão revolucionária operária e popular iniciada em 1969 com o “Cordobazo”. Com o apoio dos militares, representados pelo general Alejandro Lanusse, do radicalismo, encabeçado por Ricardo Balbín, e do imperialismo, Perón se propôs a desmantelar o ascenso e a continuar aplicando o “pacto social” de ajuste contra os trabalhadores. Mas as lutas não cessaram.

Nos primeiros meses de 1974, os bandos fascistas começaram a atuar com crescente violência contra activistas sindicais, estudantis e populares. As instalações e os militantes da Juventude Peronista (JP), ligada aos Montoneros, e da esquerda foram os alvos dos seus ataques. Os bandos fascistas eram alimentados pelas patotas da burocracia sindical e do aparelho repressivo, por sectores da polícia e das forças armadas, ativos ou demitidos por delinquência ou corrupção.

Na madrugada de 7 de maio, Inocencio “Indio” Fernández, delegado da fundição Cormasa e o primeiro militante do PST a ser assassinado à tiros pelos bandos fascistas. Em 11 de maio, foi assassinado o padre Carlos Mugica. Alguns dias depois, a 13 de maio, numa reunião com membros importantes da burocracia sindical, Perón declarou: “Dentro das organizações, como cavalos de Tróia dessas organizações, surgiram agora aqueles que são chamados de ‘base’, como se a organização sindical não fosse a maior organização de base que existe. […]São tentativas de dissociação e de anarquia. Ceder é muito perigoso… cada dirigente deve esforçar-se por manter a homogeneidade da sua organização, afastando pelas forças colaterais ou centrípetas todos aqueles que tentam, ao serviço de qualquer causa […] destruir a organização”.¹ Perón deu assim “carta branca” à ação das patrulhas armadas contra o ativismo sindical. Nessa altura, a legenda Triple A, um bando fascista organizado a partir do Ministério do Bem-Estar Social pelo ministro José López Rega, começou a aparecer em panfletos e graffitis reivindicando a responsabilidade pelos ataques a instalações sindicais e partidárias.

A REPERCUSSÃO NACIONAL

O Massacre de Pacheco provocou imediata rejeição em amplos sectores do movimento operário e em grande parte do espetro político. A repercussão foi tamanha que a imprensa nacional também repercutiu o assassinato dos três militantes do PST, aparecendo nas capas do Clarín, Crónica e Noticias. O PST qualificou o triplo assassinato como o crime político mais importante perpetrado até então sob o governo peronista, juntamente com o massacre de Ezeiza. Denunciou que os bandos fascistas operavam de forma selectiva nos seus alvos e que eram tolerados e alimentados pelo próprio governo.²

Nos locais de trabalho e na atividade sindical e política dos três camaradas assassinados, a reação foi rápida. Em Astarsa, a fábrica foi paralisada no dia do funeral de Hijitus. Os patrões tiveram de enviar o seu apoio e até Gregorio Minguito, o burocrata da UOM de Vicente López, rodeado de guarda-costas, teve de passar. Na Wobron, a fábrica ficou paralisada, pois as seções receberam a notícia do assassinato de Tony, contra a indicação dos delegados burocráticos. Nas escolas e colégios, houve todo o tipo de actividades de repúdio e solidariedade. O ENET Nº 1 de Tigre parou na quinta e na sexta-feira para “Tano”. Na noite de quinta-feira, dia 30, quando se realizava uma manifestação na Faculdade de Direito, juntaram-se os trabalhadores gráficos, que realizavam outra manifestação pela liberdade de imprensa com o dirigente de Luz y Fuerza de Córdoba, Agustín Tosco. Juntamente com estudantes de outras faculdades, juntaram-se mais de 3.000 pessoas. Entre outros, intervieram Miguel Sorans pela Juventud Socialista de Avanzada (JSA) do PST, a dirigente peronista Alicia Eguren de Cooke, companheira do falecido John William Cooke, e Tosco encerrou o evento.

O velório, realizado na sede do PST, localizada na Rua 24 de Noviembre, no bairro do Once, transformou-se num grande ato político em defesa dos direitos dos trabalhadores e das liberdades democráticas, contra os bandos fascistas. Sob uma faixa colocada em frente às instalações que dizia “Aqui velamos pelos camaradas socialistas”, dirigentes políticos e sociais desfilaram com as suas delegações. Sindicatos como o Smata-Córdoba, a Fotia, a Lista Castanha dos metalúrgicos de Villa Constitución, Raimundo Ongaro da Federação dos Gráficos, Di Pascuale do Sindicato dos Farmacêuticos, comissões internas e corpos de delegados de todos os cantos do país enviaram o seu repúdio. No meio de um desfile permanente de pessoas no velório, apareceu Juan Carlos Dante Gullo, juntamente com outros dirigentes da JP regional (que deixaram claro que não estariam presentes no evento do dia seguinte devido às nossas diferenças políticas). Intervieram a União Cívica Radical, o Partido Intransigente, o Partido Comunista, o PCR, a Política Obrera, entre outros.

O FASCISMO NÃO DEVE SER DEBATIDO, DEVE SER DESTRUÍDO

No sábado, realizou-se um ato unitário e o enterro dos camaradas com cerca de cinco mil pessoas. Houve mais de vinte oradores. Entre os principais estiveram Juan Carlos Coral e Nahuel Moreno, pela direção do PST, e o deputado nacional Rodolfo Ortega Peña, pelo Bloque del Peronismo de Base. Também falaram Marcelo Stubrin, pela Juventude Radical, Julio Magri, pela Política Obrera, além de Miguel Sorans, da Juventud Socialista de Avanzada (JSA), Arturo Apaza, líder do Del Carlo e do militante Lista Cinza da UOM da Zona Norte (desaparecido em 1976) e Jorge Ávila, da Comissão Interna da Propulsora, todos os três do PST.

No ato, Nahuel Moreno, em nome da direção do PST, chamou à unidade de ação antifascista: “Hoje estamos aqui a gritar pela unidade de ação. [Não queremos que a unidade de ação acompanhe a nossa procissão, queremos que ela esmague o fascismo e faça o desfile da vitória! […] O fascismo também não é para ser discutido. O fascismo, camaradas, destrói-se na rua, com os mesmos métodos que eles utilizam!”³

Infelizmente, este apelo à coordenação da ação antifascista não foi ouvido pelas organizações presentes, com honrosas excepções, como Ortega Peña e o Peronismo de Base. Apesar da continuidade dos ataques fascistas, esse evento acabou por ser o último de seu tipo até ao golpe de 1976.

Hoje, 50 anos após o Massacre de Pacheco, recordamos os nossos camaradas assassinados com as palavras de Moreno nesse evento: “Foram grandes porque a sua luta foi grande, foram grandes porque o nosso partido é grande, foram grandes porque a sua ideologia era grande! Morreram pelo que eram: socialistas, revolucionários, internacionalistas legítimos, e por tudo isso queremos reivindicá-los. “⁴ Izquierda Socialista e a UIT-CI declaram-se orgulhosos continuadores da sua luta socialista e revolucionária. Por isso dizemos: Tony, Tano e Hijitus! Até o Socialismo, sempre!

1. Ver Ricardo de Titto. “História do PST”. Volume 2. Ediciones CEHuS, Buenos Aires, 2018.

2. Ver “Avanzada Socialista” Nº 106, 4/6/1974. Disponível em www.nahuelmoreno.org

3. Nahuel Moreno. “Discurso por la Masacre de Pacheco” (1974) Ediciones CEHuS, Buenos Aires, 2018. Disponível em www.nahuelmoreno.org

4. Idem

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *