Argentina: o segundo turno e os debates na FIT-U

por Miguel Sorans, dirigente da Izquierda Socialista e da UIT-QI

 

Em razão do segundo turno presidencial na Argentina, abriu-se um debate entre os partidos que compõem a FIT-Unidade (Frente de Esquerda e dos Trabalhadores). Não era intenção de nosso partido, Izquierda Socialista, entrar em polêmicas pela tática adotada por cada organização. No entanto, dadas as críticas públicas contra nosso partido por parte do PTS, PO e MST, devido à nossa posição de voto crítico em Massa para derrotar o ultradireitista Milei, vemo-nos na obrigação de responder, buscando elucidar as dúvidas daqueles que acompanham as diferentes publicações e polêmicas da esquerda.

 

Izquierda Socialista impulsiona o voto crítico em Massa, mas respeita a diversidade de táticas da FIT-U diante do segundo turno

 

Sabemos que muitas companheiras e companheiros simpatizantes da FIT-Unidade e da esquerda, logicamente, estão preocupados que esse tipo de debate possa deteriorar a unidade da frente. Mas esses debates são moeda corrente desde que a Frente de Esquerda foi fundada há 12 anos. Já houve diversos e muitos duros, por exemplo, durante as PASO. A Izquierda Socialista respeita a diversidade que existe dentro da FIT-Unidade, assim como seus debates, e consideramos que sempre temos que encará-los para fortalecer a Frente. Temos uma sólida unidade, com um programa revolucionário estratégico na luta por um governo da classe trabalhadora, mas temos muitas diferenças políticas e de critérios, inclusive de como abordar os debates.

Pela Izquierda Socialista, por exemplo, não consideramos que seja muito positivo que, pela diversidade de uma tática eleitoral em um segundo turno, seja voto crítico ou voto em branco, sejam utilizados termos como “oportunista”. Mas cada organização faz os debates como lhe parece melhor. De nossa parte, não nos passou pela cabeça definir os que deliberaram pela posição de voto em branco ou abstenção, entre Milei e Massa, como “sectários” ou outros termos do tipo. Em nossa declaração de 06/11/2023 (ver https://www.cstuit.com/home/2023/11/07/argentina-votar-contra-o-ultradireitista-milei/) dizemos nitidamente que respeitamos essa posição: “Ainda que não compartilhemos dessa posição nem seja a nossa proposta, respeitamos como alternativas para repudiar o ultradireitista Milei o voto em branco, nulo ou abstenção”. Inclusive reafirmamos com orgulho que, depois de dez dias de intenso debate interno, quando adotamos a tática do voto crítico, em nosso partido decidimos democraticamente autorizar companheiras e companheiros que não concordam com a posição amplamente majoritária a expressarem seu próprio critério de voto no segundo turno.

 

É muito equivocado acusar a Izquierda Socialista de “capitular”, de “oportunista ou de “embelezar Massa”

 

Guillo Pistonesi, dirigente do PTS, escreveu uma nota falando de “capitulação” da Izquierda Socialista e que “menciona só de passagem” Sergio Massa e seu apoio a Israel (Izquierda Diario, 16/11/2023). Guillermo Pacagnini, dirigente do MST, chega ao cúmulo de dizer que “posturas oportunistas, como as da IS, semeiam expectativas em Massa” (Periodismo de Izquierda, 13/11/2023).

Tanto as expressões do PTS como do MST são falsas. A IS não menciona Massa, seu governo patronal e suas posições pró-imperialistas e pró-sionistas “só de passagem”, nem “semeia expectativas em Massa”. Muito pelo contrário. Explicamos o significado do voto crítico em Massa. Basta voltar a escutar as declarações de nossas figuras públicas, como “Pollo” Sobrero ou Giordano, assim como ler nossa declaração pública para saber que denunciamos permanentemente Massa e seu governo ajustador. Não deixamos de fazê-lo nem por um segundo. Nossa denúncia de Massa não é “de passagem”. Nossa própria declaração inicia denunciando Massa: “em primeiro lugar, queremos apontar que se trata de uma disputa entre dois candidatos patronais que, com seus distintos projetos e especificidades, representam os grandes empresários, os bancos, as multinacionais e o FMI. São duas variantes do ajuste contra a classe trabalhadora. Um deles, Sergio Massa, já está aplicando esse ajuste através do governo que ele mesmo integra, junto a Alberto e Cristina Fernández, apoiado pela burocracia sindical. O outro, o ultradireitista Javier Milei, que não deixa de anunciar seu plano “motosserra” contra o povo trabalhador. Por isso, dizemos que, ganhe quem ganhar, seguirá sendo aplicado um maior ajuste e submissão ao Fundo Monetário, o que enfrentamos desde já”. Fomos nítidos e contundentes com o significado do voto crítico em Massa: “Esse voto não significa apoiar o atual governo patronal e ajustador nem sua política de aval ao genocídio de Israel contra o povo palestino em Gaza, como viemos denunciando. É um voto de nariz tapado, que acompanha milhões de trabalhadores e trabalhadoras para tentar impedir que a partir do dia 10 de dezembro tenhamos um governo de ultradireita do fascista Milei, como foi, por exemplo, o de Bolsonaro, no Brasil”. (Declaração da IS, 06/11/2023, com tradução disponível no site da CST, link já citado). Isso foi deixado nítido em todo o jornalismo quando foi difundida a notícia de nossa posição, dizendo que o fazíamos “criticamente”, ou seja, sem dar nenhum apoio ou aval a esse governo ou ao que venha.

 

Os votos críticos do PTS, PO e MST em variantes patronais em outros países não colocaram “em questão” a independência de classe?

 

O companheiro Pistonesi afirma, em nome do PTS, que o voto crítico em Massa por parte da IS coloca “em questão a independência política” de classe da FIT-U. O PO faz a mesma crítica, na nota de Pablo Giachelo na Prensa Obrera (13/11/2023) com o título “Um golpe na luta pela independência política dos trabalhadores”. A mesma definição é repetida pelo MST na nota já citada.

Querem dar a entender que a IS romperia com um princípio da FIT-U, mas nada mais longe da realidade. Elucidamos, mais uma vez, que se trata de uma tática eleitoral (nenhuma questão de “princípios”) que, em algumas ocasiões, nós, socialistas revolucionárias, temos utilizado.

O contraditório e curioso é que tanto o PTS, como o PO e MST, com seus partidos ou grupos aliados, adotaram essa tática eleitoral em diversas eleições da América Latina.

O PO reconhece em sua declaração sobre o segundo turno: “nos posicionamos pelo voto em Boric, Castillo, Petro e no MAS da Bolívia”. Faltou agregar que, assim como o PTS e o MST, todos acompanharam o voto crítico no candidato Fernando Haddad, do PT e seus aliados patronais, contra Bolsonaro, no Brasil, em 2018.

Concordamos com essas táticas de “voto crítico”. Nossa corrente internacional, a UIT-QI, também utilizou alguns desses votos críticos. Em especial o de Haddad contra Bolsonaro. Mas é importante elucidar as lutadoras e lutadores que trata-se de votos críticos em candidatos de fórmulas burguesas contra variantes de ultradireita similares a Milei. Vejamos como formulou o MRT, do Brasil, partido aliado do PTS: “Chamamos o voto crítico em Haddad sem dar nenhum apoio político ao PT, já que não compartilhamos de sua estratégia de conciliação de classes” (Flavia Valle e Maíra Machado, professoras e militantes do MRT, 17/10/2018 – Esquerda Diário, Brasil). Palavras mais, palavras menos, é similar à formulação de voto crítico da Izquierda Socialista em Massa.

Ou seja, quando se trata do PTS, PO e MST, a independência política de classe não está em “questão”? Apenas quando se trata da Izquierda Socialista? Essas acusações não resistem à menor análise. É outra das incoerências do PTS, PO e MST.

 

Não concordamos com a visão do PTS, PO e MST que considera que dá na mesma que ganhe Milei. Por isso, chamamos o voto crítico em Massa.

 

As companheiras e companheiros das direções do PTS, PO e MST tentam justificar seu voto confuso que, na prática, é um nem-nem: nem Milei nem Massa, argumentando que uma vitória de Milei não levaria a um “regime fascista”. Segundo o companheiro Pistonesi/PST: “A IS busca justificar o voto em Massa dando a entender que com Milei haveria uma mudança de regime, um tipo de golpe de Estado através da via eleitoral. E o governo de unidade nacional com a direita promovido pelo atual ministro Massa seria o dique de contenção para evitá-lo, ao invés de chamar a frente única operária para combatê-los com a luta juntos, como um só punho, mas mantendo a independência política, sem misturar bandeiras chamando a votar em um representante direto das patronais como Sergio Massa”.

Aqui há várias coisas para elucidar, já que Pistonesi/PTS falsifica e distorce a posição da Izquierda Socialista. Em nenhum lugar a IS escreveu ou disse, tampouco está “dando a entender” que, caso ganhe Milei, ocorreria uma “mudança de regime” com “um tipo de golpe de Estado”. E muito menos que “o governo de unidade nacional” de Massa “seria o dique de contenção” e que, por isso, chamamos a “votar em um representante direto das patronais como Sergio Massa”. Tudo isso foi inventado por Pistonesi.

Não consideramos que um possível triunfo eleitoral de Milei, automaticamente, signifique um “golpe” ou “mudança de regime fascista” no sentido de que, no dia seguinte, as liberdades democráticas seriam proibidas, o parlamento fechado, os partidos políticos proibidos, o direito de greve anulado e milhares de pessoas presas. Ou seja, que seria uma contrarrevolução fascista. Mas o PTS, PO e MST acham que dá na mesma que o país possa ser governado pelos fascistas Milei e Villarruel? Não é preciso um golpe fascista para que um governo de ultradireita tente aplicar medidas como, por exemplo, perdoar os genocidas da ditadura, privatizar a educação, saúde e ferrovias, anular o direito ao aborto legal, fechar ministérios e deixar milhares de demitidos nas ruas ou reprimir marchas piqueteiras e operárias por suas reivindicações. Isso é o que preocupa milhões de trabalhadoras e trabalhadores, mulheres e dissidências, juventude, piqueteiros, estudantes e professores, que, por isso, vão votar em Massa com o nariz tapado, tentando evitar que o fascista Milei chegue ao governo. Simples assim.

Isso é o que negam o PTS, PO e MST quando chegam ao cúmulo de minimizar os impactos de um possível governo de Milei/Villarruel. Pistonesi/PTS é o mais nítido. Chega a dizer que “hoje A Liberdade Avança (partido de Milei) é uma corrente com pouca militância, que nem sequer tem capacidade própria para fiscalizar uma eleição de forma eficiente”. Ou seja, não é preciso se preocupar.

A miopia e confusão política do PTS, PO e MST é chamativa. Bolsonaro, no Brasil, entre 2018-2022, não produziu uma “mudança de regime fascista”, nem foram proibidos os partidos políticos e as liberdades democráticas, como o direito de greve. Mas Bolsonaro era e é um ultradireitista, fascista e seu governo reacionário atuou contra as massas e seus direitos. Por seu negacionismo da pandemia da Covid e sua oposição às vacinas, fez com que no Brasil morressem centenas de milhares de pessoas. Bolsonaro perseguiu e retirou direitos das e dos trabalhadores, das mulheres, das dissidências e do movimento negro antirracista. E, quando perdeu as eleições em 2022, tentou dar um golpe de Estado, que fracassou.

Pistonesi/PTS tenta se pintar de “combativo” e acusa falsamente a Izquierda Socialista de querer combater a ultradireita apenas com um “voto crítico” e não com “a luta juntos, como um só punho”. Lamentamos que tentem divulgar outra calúnia e falsificação. A IS sempre convocou a se mobilizar contra as ações e atentados fascistas, como foi o caso do ataque à nossa sede em La Plata ou de outros partidos de esquerda. Ou como fizemos participando da marcha unitária antirrepressiva do dia 9 de novembro junto ao Encontro Memória, Verdade e Justiça, que integramos com a FIT-Unidade e inumeráveis organizações contra a criminalização do protesto por parte do atual governo peronista e pelas ameaças de Milei.

Pistonesi/PTS fala muito em sua nota do Brasil e do surgimento de Bolsonaro, mas esconde ou se esquece de mencionar que o PTS no Brasil, com seu partido aliado, o MRT, fez uso da tática de “voto crítico” no candidato Haddad e seus aliados patronais contra Bolsonaro nas eleições de 2018. Diziam então que “compartilhando do ódio e da vontade de lutar de todos os trabalhadores e jovens que querem derrotar Bolsonaro, acompanhamos seus votos nas urnas e votamos criticamente em Haddad” (Esquerda Diário, Brasil, 17/10/2018). Algo parecido ao que dizemos atualmente como Izquierda Socialista: acompanhamos os milhões de trabalhadoras, trabalhadores e jovens que querem derrotar o ultradireitista Milei com um voto crítico em Massa, sem dar-lhe apoio político.

Ou seja, no Brasil o PTS usou o voto para impedir a chegada de um governo de ultradireita. No entanto, Pistonesi/PTS parece usar a máxima “faça o que eu digo, não o que eu faço”.

Brasil e Argentina têm semelhanças políticas. Milei e a ultradireita cresceram na Argentina não só porque Massa preparou a lista para eles. Cresceu fundamentalmente pelo desastre econômico e social ao que nos levaram os governos patronais que ajustaram o povo trabalhador. Bolsonaro chegou ao governo depois de 12 anos de ajuste do governo do PT. Oito anos do governo de Lula com o empresário Alencar e quatro anos de Dilma Rousseff com o liberal Temer de vice. Lamentavelmente, o ódio popular a Lula e Dilma, assim como ocorre aqui com o governo peronista de Alberto, Cristina Fernández e Massa, levam à confusão de milhões que votam na ultradireita.

 

Ganhe quem ganhar o segundo turno, seguiremos enfrentando o maior ajuste e entrega do FMI

 

Já estamos nas vésperas do segundo turno. Esperamos que o debate na FIT-U e com milhares que simpatizam com a esquerda – muitos eleitores de Myrian Bregman no primeiro turno – e dizem não a Milei, e se dispõem a votar com o nariz tapado em Massa, ajude as direções do PTS, PO e MST a refletir.

O importante é que, como dissemos em nossa declaração de 6/11: “ganhe quem ganhar, seguirá sendo aplicado um maior ajuste e submissão ao Fundo Monetário, o que enfrentamos desde já, defendendo, como fizemos com a FIT-Unidade, uma saída alternativa: a ruptura com o FMI, o não pagamento da dívida, um plano econômico operário e popular e um governo da classe trabalhadora junto à esquerda”.

Isso é o fundamental para a Izquierda Socialista. Para além das diversas táticas eleitorais que tivemos no interior da FIT-U, temos a firme convicção de que a FIT-U sairá unida, como já ocorreu outras vezes, para enfrentar o governo que surja do dia 19 de novembro, seja Massa ou Milei.

Nesse sentido, reiteramos o que afirmamos em nossa declaração do dia 6/11: “Para além de como se expresse o voto contra o ultradireitista Milei no dia 19 de novembro, o importante é que assumamos o compromisso de seguir impulsionando as lutas operárias e populares em unidade para enfrentar o maior ajuste que virá, do atual governo ou do próximo. A Izquierda Socialista impulsionará a maior unidade para dar essa batalha nas ruas e no parlamento, lutando por uma saída operária e socialista junto à Frente de Esquerda. Chamando a fortalecer uma alternativa política independente das e dos trabalhadores e da esquerda, construindo nosso partido Izquierda Socialista e a FIT-Unidade, a grande ferramenta de unidade da esquerda que conquistamos”.

17/11/2023

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