As Primeiras Lutas da Oposição de Esquerda na URSS

Gabe, da juventude revolucionária Vamos a luta SP

A NEP

A Nova Política Econômica (NEP) na União Soviética emergiu como um marco crucial após a Revolução Russa de 1917. Implementada por Vladimir Lênin em 1921, a NEP representou uma mudança nas políticas econômicas socialistas adotadas pelo governo bolchevique. Com o objetivo de reverter a deterioração econômica resultante da Guerra Civil Russa e das políticas do Comunismo de Guerra, a NEP introduziu uma série de reformas que permitiram a coexistência temporária de elementos capitalistas em um governo do proletariado.

Durante os primeiros anos após a Revolução de Outubro, a economia soviética enfrentou uma série de desafios, incluindo a destruição causada pela guerra civil, a escassez de alimentos, a desorganização industrial e uma queda acentuada na produção. Foi nesse contexto que a liderança soviética sob Vladimir Lênin começou a contemplar a implementação de medidas econômicas mais flexíveis, dando origem à NEP.

Uma das características marcantes da NEP foi a introdução da livre iniciativa em certos setores da economia soviética. Pequenos empreendimentos privados, comércio e agricultura privada foram permitidos e incentivados novamente, possibilitando a produção e distribuição de bens além das estruturas governamentais centralizadas. Essa abertura econômica permitiu um aumento na produção agrícola e industrial, ajudando a aliviar a escassez de alimentos e impulsionando a recuperação econômica.

Além disso, a NEP trouxe um alívio temporário na política de “excedentes”, na qual os camponeses eram obrigados a entregar parte de suas colheitas ao Estado. Isso estimulou a produção agrícola e melhorou as condições de vida dos camponeses, contribuindo para uma estabilidade social relativa após anos de turbulência.

Contudo, a implementação da NEP também gerou debates dentro do Partido Comunista e da sociedade soviética em geral. Enquanto alguns defendiam a abertura econômica como uma maneira de promover a recuperação econômica, outros temiam que o ressurgimento de elementos capitalistas pudesse minar os princípios socialistas e a direção revolucionária do país.

Para Lênin, a NEP consistia em um “recuo tático” contraditório com o socialismo, mas necessário devido à situação em que a Rússia se encontrava. Segundo Lênin, era necessário “dar um passo atrás para dar dois à frente”.

Trotsky foi um dos primeiros a reconhecer a necessidade da NEP e manteve a mesma visão de Lênin. Representava um recuo necessário devido às condições em que a Rússia se encontrava.

“A transição do comunismo de guerra à economia socialista não poderia ter sido feita sem grandes retrocessos a não ser que a revolução proletária houvesse se expandido imediatamente aos países avançados. O atraso desse desenvolvimento nos levou, na primavera de 1921, ao grande, profundo e duradouro recuo que constituiu a NEP”

TROTSKY, Leon. Stalin, O Grande Organizador de Derrotas: A Internacional depois de Lênin. Editora Iskra. pg. 55

Trotsky sabia da importância dessa política para a Rússia; tanto é que, antes mesmo da criação da NEP, havia proposto a Gosplan, uma política econômica muito similar à NEP. Esses foram os fatos reais e como a direção revolucionária bolchevique tratou esse recuo parcial e temporário.

O stalinismo, deturpando os fatos, irá defender que a NEP foi uma etapa necessária para a construção do socialismo -  outra mentira que vai contra o próprio Lênin. Essa visão irá conduzir, anos mais tarde, diversos PCs ao redor do mundo a apoiarem as suas burguesias nacionais para assim desenvolver o capitalismo, caindo na concepção etapista dos mencheviques

A NEP representava naquele momento uma necessidade tática pela sobrevivência do Estado Soviético, porém, representava um perigo para a construção do socialismo.

Em uma conferência do Partido Bolchevique em 1922, Lênin irá dizer:

Essa passagem à Nova Política Econômica realizada na primavera, esse recuo que efetuamos […], seria suficiente para que nós, tendo interrompido o retrocesso, começássemos a nos preparar para a ofensiva? Não, ela ainda se mostrou insuficiente.

LÊNIN. Obras reunidas, Moscou: Editora do Estado. vol. 18, pg. 397

Já na primavera de 1922, Lênin percebe que já está no momento de frear esse recuo:

Podemos dizer agora que esse retrocesso, que esse retrocesso no sentido de quais concessões fizemos aos capitalistas está terminado. Espero e estou seguro que o Congresso do Partido o dirá também, oficialmente, em nome do partido dirigente da Rússia.

LÊNIN. Obras reunidas, Moscou: Editora do Estado. vol. 18, pg. 13

O XI Congresso do Partido Comunista da União Soviética adota a seguinte resolução:

O congresso, constatando que o conjunto de medidas aplicadas e fixadas no decorrer do último ano compreendem as concessões que o partido reconheceu como indispensáveis fazer ao capitalismo da economia privada, considera que, nesse sentido, o recuo está terminado.

Atas estenografadas. pg. 143

Infelizmente, em janeiro de 1924, Lênin veio a falecer devido a três derrames consecutivos. Já em 1925, a economia soviética havia alcançado uma estabilidade, com sua produção equivalente ao ano de 1913 antes da Guerra. No entanto, a partir desse período e do grupo que passou a se fortalecer no poder da União Soviética, liderado por Stalin, a NEP oficialmente deixou de ser vista como uma medida emergencial, mas sim como uma etapa importante na construção do socialismo, sendo classificada como a “livre troca de propriedades no campo”, totalmente oposto ao que Lênin dizia e defendia. Infelizmente, as previsões de Lênin não se realizaram e, em 1925, o PCUS levou adiante mais um retrocesso.

Na primavera de 1925, surgiu a necessidade de levar adiante um novo recuo: reconhecer aos ricos do campo o direito de explorar os mais desfavorecidos arrendando a mão de obra e a terra. A necessidade desse novo recuo, de consequências imensas e que não havia sido previsto em 1922 no plano estratégico de Lênin, provinha não apenas do fato de que não havia se traçado uma linha “curta” demais limitando o recuo anterior, mas também em 1923–24 a direção não havia compreendido nem a situação nem as tarefas, e perdia tempo quando acreditava estar “ganhando”.

TROTSKY, Leon. Stalin, O Grande Organizador de Derrotas: A Internacional depois de Lênin. Editora Iskra. pg. 55–56

A Nova Política Econômica (NEP) foi mantida pela nova direção stalinista da URSS com a intenção de enriquecer os camponeses. Nos dez anos que se seguiram à revolução, as propriedades rurais saltaram de 16 para 25 milhões. Nas palavras de ordem usadas por Bukharin, que nessa época estava junto a Stalin, dizia-se: “Camponeses, enriquecei-vos!”. Sendo os kulaks o grupo camponês que mais acumulou.

À medida em que o campo se recuperava, a diferenciação crescia no meio das massas camponesas: seguia-se o antigo caminho. O kulak, o camponês rico, enriquecia mais depressa do que progredia a agricultura. A política do governo, cuja palavra de ordem era “viremo-nos para o campo”, favorecia, na realidade, os kulaks. O imposto agrícola era muito mais pesado para os camponeses pobres do que para os ricos, que ainda obtinham crédito do Estado. Os excedentes de trigo, possuídos principalmente pelos camponeses mais ricos, serviam para escravizar os pobres e eram vendidos a preços especulativos à pequena burguesia das cidades.

Bukharin, então teórico da fração dirigente, lançava aos camponeses seu lema: “enriquecei-vos!”, Na teoria, isso significava a transformação gradual dos kulaks em socialistas. Já na prática, o enriquecimento da minoria em detrimento da imensa maioria.

TROTSKY, Leon. A Revolução Traída. Editora Sundermann. pg. 81

Trotsky opôs-se desde o início à concepção de que a NEP era uma etapa do “desenvolvimento socialista”, mas sim um recuo que foi necessário naquele momento, posição essa também defendida por Lênin. Ele defendeu que o encerramento da NEP deveria ser feito de forma gradual. A ideia era que, através dos impostos cobrados dos camponeses com mais terras, seria possível investir em industrialização e em propriedades de terras coletivas. Com a introdução de tecnologias avançadas, a massa camponesa preferiria essa opção em vez de receber um pequeno lote de terra, o que era o oposto do que foi feito.

Trotsky afirmou que o encerramento rápido da NEP, realizado pela burocracia, levaria a um caos econômico e arruinaria a economia. A história, mais uma vez, deu razão a Trotsky: a coletivização resultou em um enorme declínio na produção agrícola, causando escassez de abastecimento devido à confiscação dos grãos após as colheitas, uma diminuição de mais de 50% no gado e uma fome generalizada que levou milhões à morte. Os stalinistas negam esses eventos até os dias de hoje, rejeitando toda a documentação e textos escritos pelos próprios membros do partido que abordavam a grande fome, aspecto legítimo desse período.

A Revolução Chinesa

Entre os anos de 1925–1927 a China foi sacudida por uma nova revolução, nesse período a China estava no centro das atenções do Partido Bolchevique, principalmente da Oposição de Esquerda, liderada por Trotsky. Nesse contexto, a Internacional Comunista, sob a liderança de Stalin, defendeu uma aliança entre os comunistas e os nacionalistas liderados por Chiang Kai-shek. Essa política, representou um giro à direita, foi amplamente criticada pela Oposição.

Para Trotsky, a aliança com os nacionalistas era uma política errada e perigosa, que minava a independência do movimento comunista na China e colocava em risco a luta pela revolução socialista. Eles argumentavam que os nacionalistas representavam a burguesia nacional e eram incapazes de liderar uma verdadeira revolução democrática e socialista no país. Além disso, a aliança com os nacionalistas enfraquecia o movimento comunista e o tornava vulnerável à repressão do Estado.

Trotsky defendia a criação de uma frente única proletária para lutar contra a invasão japonesa e contra a opressão imperialista em geral. Eles argumentaram que entregar a independência política proletária aos nacionalistas só fortaleceria o inimigo interno da classe trabalhadora e que a revolução socialista só poderia ser alcançada através da liderança dos trabalhadores.

Esse giro da Internacional Comunista sob Stalin se deu a partir da consolidação da teoria etapista menchevique, defendendo que em países colonizados a revolução deveria ser encabeçada pela burguesia nacional anti-imperialista e realizar as tarefas democráticas e desenvolver o capitalismo, a fim de permitir que a burguesia cumprisse as tarefas nacional-democráticas, Stalin e a Internacional Comunista sustentaram que a classe trabalhadora e os comunistas do Partido Comunista deveriam se submeter aos nacionalistas do Kuomintang. Assim, conforme essa perspectiva majoritária nada de bom poderia vir para a revolução:

Na China, os acontecimentos se desenvolveram seguindo um sentido diretamente oposto. A política stalinista do Partido Comunista Chinês consistia em uma série de capitulações diante da burguesia, habituando os operários a suportar pacientemente o jugo do Kuomintang. Em março de 1926, o partido capitula diante de Chiang Kai-shek; consolida a posição dele ao passo que enfraquece a sua; compromete a bandeira do marxismo; transforma-se em instrumento secundário da direção burguesa. O Partido extingue o movimento agrário e as greves operárias ao colocar em prática as diretrizes do CEIC em relação ao bloco das quatro classes. Renuncia á organização dos soviets para não perturbar a situação dos generais chineses na retaguarda. Entrega, assim, os operários de Xangai a Chiang Kai-shek de mãos e pés atados.

TROTSKY, Leon. Stalin, O Grande Organizador de Derrotas: A Internacional depois de Lênin. Editora Iskra. pg. 249

Vejam o que diz o Stalin sobre a Revolução Chinesa:

É precisamente por isso que o Komintern afirma que a revolução democrático-burguesa na China é ao mesmo tempo uma revolução anti-imperialista.

Dessa forma a atual revolução na China é a união de duas correntes do movimento revolucionário - o movimento contra as sobrevivências feudais e o movimento contra o imperialismo. A revolução democrático-burguesa na China é a união da luta contra as sobrevivências feudais e da luta contra o imperialismo.

Stalin, J.V. A Revolução na China e as Tarefas da Internacional Comunista

A política de Trotsky e da Oposição foram totalmente opostas, Trotsky manteve fiel e coerente ao marxismo revolucionário, chamando a construção de Sovietes como organismos de poder dos trabalhadores e camponeses, lançando uma enorme crítica contra a política de Stalin:

O movimento para a esquerda das massas de trabalhadores chinesas é um fato tão certo quando o movimento para a direita da burguesia chinesa. À medida em que o Kuomintang se baseou na união política e organizacional entre trabalhadores e burguesia, agora ele é despedaçado pelas tendências centrífugas da luta de classes. Não existem fórmulas políticas mágicas ou recursos táticos inteligentes para contrabalançar essas tendências, e nem poderia haver.

A participação do PCC no Kuomintang foi perfeitamente correta no período em que era apenas uma sociedade de propaganda e se preparava para a futura atividade política independente e que, ao mesmo tempo, procurava tomar parte na luta de libertação nacional em andamento. Os últimos dois anos viram a ascensão de uma poderosa onda de greves entre os trabalhadores chineses… Este fato, por si só, confronta o PCC com a tarefa de desenvolver-se, saindo da classe preparatória em que se encontra e avançando para um patamar mais elevado. Sua tarefa política imediata precisa ser lutar pela liderança direta e independente da classe trabalhadora que despertou - não, é claro, para removê-la do quadro da luta nacional-revolucionária, mas para assegurá-la tanto o papel de combatente mais resoluta, quanto o de líder política hegemônica, no contexto da luta das massas chinesas.

Em 1926, o Kuomintang foi reconhecido como um “partido afiliado” à Internacional Comunista, e Chiang Kai-shek, recebeu o título de “membro” do Comitê Executivo da Internacional Comunista.

Em março do mesmo ano, Chiang Kai-shek intervém no Cantão, perseguindo e aprisionando centenas de lideres comunistas e os obrigando a entregar a relação completa dos membros do PCCh. Stalin ordenou que os comunistas chineses obedecessem Chiang, e em 1927 emitindo as seguintes teses:

1- Nenhuma tomada de controle armada das concessões estrangeiras em Xangai, para evitar uma intervenção imperialista;

2- Manobrar entre as alas esquerda e direita do KMT, evitar o confronto com o exército e preservar as forças do PCC;

3- O PCC deve preparar-se para as lutas armadas, mas precisa esconder suas armas por hora, uma vez que a correlação de forças é desfavorável à classe trabalhadora.

Em 19 de março de 1927, o PCCh eclodiu um levante armado, apoiado por uma paralisação geral envolvendo em torno de 600.000 operários em Xangai. Os trabalhadores organizados em milicias conseguiram derrotar as forças dos senhores da guerra, assumindo o controle da cidade. Trotsky desde o inicio defendeu a formação de soviets e a construção de um governo operário, no entanto, Stalin não permitiu a formação de um governo proletário, orientou à formação de um governo “interino” que contava com representantes da burguesia.

Com a entrada dos nacionalistas do Kuomintang em 22 de março, os comunistas são obrigados a entregar suas armas e o comando da cidade a Chiang Kai-shek, tudo sob orientação de Stalin. Essa ação se tornaria o prelúdio do massacre que viria a seguir em Xangai.

Em 12 de abril, Chiang organiza um golpe contra os comunistas e os trabalhadores de Xangai, enviando gangues criminosas, como a Gangue Verde, armadas para atacar os sindicatos sob controle dos comunistas. De última hora, o PCCh realiza uma greve geral com mais de 100 mil trabalhadores. No entanto, Chiang Kai-shek responde enviando soldados, com armas e metralhadoras, para cima dos trabalhadores, matando centenas de operários de Xangai através de fuzilamentos, e proibindo as greves e manifestações. Essa repressão nos meses seguintes não ficaria limitada apenas a Xangai, e mais tarde os comunistas seriam obrigados a deixar o Kuomintang ou seriam punidos.

Logo após a derrota dos comunistas na China, Trotsky foi expulso do Partido Comunista da União Soviética e exilado. Em seu livro Minha Vida, Trotsky explica esse processo:

Uma onda de excitação tomou conta do partido. A oposição levantou sua cabeça… Muitos camaradas mais jovens pensaram que a patente falência da política de Stalin inevitavelmente adiantaria o triunfo da oposição. Durante os primeiros dias do golpe por Chiang Kai-shek eu fui obrigado a jogar baldes de água fria sobre as cabeças quentes dos meus jovens amigos - alguns não tão jovens. Tentei mostrar a eles que a oposição não poderia ascender com base na derrota da revolução chinesa. O fato de que nossa previsão havia sido provada correta poderia atrair mil, cinco mil, ou mesmo dez mil novos apoiadores. Mas, para os milhões, o significativo não era nossa previsão, mas o fato do esmagamento do proletariado chinês. Após a derrota da revolução alemã em 1923, após o esfacelamento da greve geral inglesa de 1926, o novo desastre na China iria apenas intensificar o desapontamento das massas sobre a revolução internacional. E foi esse mesmo desapontamento que serviu como a principal fonte psicológica para a política nacional-reformista de Stálin.

TROTSKY, Leon. Minha Vida.

Greve Geral Inglesa e O Comitê Anglo-Russo

A Greve Geral de 1926 no Reino Unido marcou um dos episódios mais significativos na história do movimento operário britânico, sendo um reflexo das tensões socioeconômicas e políticas da época. Em meio a uma conjuntura de descontentamento por parte dos trabalhadores em relação às condições de trabalho e à redução de salários, bem como devido à crescente influência dos sindicatos, a greve se tornou uma manifestação massiva de resistência.

A Greve Geral inglesa desde o inicio contava uma grande adesão dos trabalhadores, tendo a possibilidade de radicalização em direção a uma ruptura com a ordem, porém o Partido Comunista sob ordens de Stalin rejeitou a avaliação de que se abrira uma situação revolucionária, formando assim uma aliança com o Partido Trabalhista e do Conselho Geral do TUC que abandonou a greve em seus primeiros 9 dias, deixando os trabalhadores sozinhos.

Com a avaliação de que a onda revolucionária na Europa havia se esgotado, Stalin e a Internacional Comunista orientaram os PCs dos paises avançados pela defesa da União Soviética pensada como algo para não incomodar a burguesia, ao invés de impulsar por um desenvolvimento revolucionário na Europa. Essa política na Inglaterra se transformou no Comitê Anglo-Russo, que consistia em uma aliança entre o TUC e os sindicatos stalinistas russos, como forma de firmar novas relações entre a Inglaterra e a União Soviética.

Trótsky se opôs duramente ao Comitê Anglo-Russo:

“O Comitê Anglo-russo era visto não como um bloco episódico no topo que teria de ser quebrado e que inevitavelmente e demonstrativamente seria quebrado no primeiro teste, comprometendo o Conselho Geral. Não, não apenas Stalin, Bukharin, Tomsky e outros, mas também Zinoviev, viram em uma “parceria” duradoura, um instrumento para o revolucionamento sistemático das massas trabalhadoras inglesas, e se não um portão, ao menos uma aproximação em direção ao portão através do qual cavalgaria a revolução do proletariado inglês. Quanto mais longe ia, mais o Comitê Anglo-russo se transformava, de uma aliança episódica, em um princípio inviolável parado acima da luta de classes real. Isso se revelou na época da greve geral.”

Enquanto isso, Stalin buscava construir uma aliança entre o PC e a burocracia sindical, traindo os trabalhadores em greve. O PC Britânico cumpriu um papel de desarmar politicamente os trabalhadores e trair uma futura e possível revolução e a construção do socialismo na Inglaterra.

Alguns anos mais tarde, Trotsky irá fazer a seguinte análise:

…A importância de uma luta comum contra o perigo de guerra foi uma das principais justificativas do bloco com o Conselho Geral britânico. No plenário do Comitê Central de julho de 1927, Stalin jurou que o bloco com o Conselho Geral se justificava plenamente, em virtude de os sindicatos britânicos nos ajudarem a lutar contra o imperialismo britânico. Portanto, quem exigisse a ruptura do bloco com os fura-greves não estava de coração pela defesa da União Soviética. E assim foi que, em 1926–1927, além da guinada à esquerda dos operários britânicos, o outro grande argumento para conformar o bloco com os reformistas foi o perigo de guerra. Agora parece que tanto a radicalização das massas como a iminência do perigo de guerra justificam o repúdio a qualquer aliança com os reformistas. Tudo se coloca como que para semear a maior confusão possível entre os operários de vanguarda.

Não resta dúvida de que em caso de guerra, inclusive ante o perigo certo de guerra, os reformistas passarão com armas e bagagens para o lado da burguesia. Uma aliança com eles para lutar contra a guerra é tão inútil quanto um bloco para levar adiante a revolução proletária. Precisamente por isso, a justificativa stalinista do Comitê Anglo-Russo como arma para a luta contra o imperialismo foi uma enganação criminosa perpetrada contra os operários.

O Socialismo em Um Só Pais vs Revolução Permanente

A falsa teoria do “Socialismo em um Só País” foi uma doutrina política e econômica que ganhou proeminência na União Soviética nas mãos de Nikolai Bukharin e Joseph Stalin. Essa teoria se tornou central na orientação política do Partido Comunista da União Soviética e teve um impacto significativo na política interna e externa do país, porém desde o inicio, Trotsky e Lênin sabiam que não seria possível desenvolver o socialismo plenamente apenas dentro das fronteiras da Rússia sem uma Revolução Européia, para Trotsky, a Revolução Russia seria o prefácio da revolução internacional.

A revolução socialista começa no âmbito nacional, mas nele não pode permanecer. A revolução proletária não pode ser mantida em limites nacionais, senão sob a forma de um regime transitório, mesmo que este dure muito tempo, como demonstra o exemplo da União Soviética. No caso de existir uma ditadura proletária isolada, as contradições internas e externas aumentam inevitavelmente, ao mesmo passo que os êxitos. Se o Estado proletário continuar isolado, ele, ao cabo, sucumbirá vítima dessas contradições. Sua salvação reside unicamente na vitória do proletariado dos países avançados. Desse ponto de vista, a revolução nacional não constitui um fim em si, apenas representa um elo na cadeia internacional. A revolução internacional, a despeito de seus recuos e refluxos provisórios, representa um processo permanente.

TROTSKY, Leon. A Revolução Permanente

Lênin:

É uma lição, pois não cabe nenhuma dúvida de que sem a revolução alemã pereceremos […] O imperialismo mundial e a marcha triunfal da revolução social não poderão coexistir […] O fato de sermos retardatários nos impeliu pela frente, mas pereceremos se não soubermos resistir até o momento em que encontrarmos o apoio dos operários insurretos dos outros países.

LÊNIN, Obras completas, vol. XV

Ou seja, Lênin desde a revolução sabia que não seria possível uma coexistência entre o socialismo e o imperialismo, o isolamento da Rússia poderia levar a uma enorme derrota para o socialismo. Vale ressaltar também, desmentindo algumas mentiras, que Trotsky jamais negou a possibilidade da construção do socialismo na Rússia, mas sabia que o desenvolvimento pleno do socialismo teria problemas e não poderia se desenvolver plenamente sem a vitória da Revolução Européia. Como já demonstra no trecho citado acima, a Revolução começa em solo nacional porém sem se expandir perecerá.

Novamente nas palavras de Lênin:

Vivemos não em um Estado, mas num sistema de Estados. Não se pode conceber que uma república soviética exista durante longo período de tempo ao lado de Estados imperialistas. No final das contas, aquela ou este vencerá.

LÊNIN, Obras completas, vol. XVII

Desde o início do processo revolucionário de 1917, os bolcheviques sempre afirmaram a necessidade da revolução europeia para poderem manter e avançar nas conquistas da Revolução de outubro. Com a falência da II Internacional, Lênin e Trotsky fundaram a III Internacional em 1919. Sua fundação decorreu da necessidade de unir os partidos comunistas em todo o mundo para trabalharem juntos na luta contra o imperialismo e o capitalismo.

A iniciativa de criar a III Internacional surgiu como resposta à traição da II Internacional, que declarou apoio às suas burguesias na Primeira Guerra Mundial. Os bolcheviques depositaram sua confiança principalmente na Revolução alemã de 1918–1919 e posteriormente em 1923, que depôs a monarquia e proclamou a República de Weimar. No entanto, a revolução foi derrotada e o jovem Partido Comunista cometeu todo tipo de erros contribuindo nessa derrota.

Esse evento teve uma grande influência na história da Alemanha, resultando em uma polarização política que contribuiu para abrir uma tremenda crise. Anos mais tarde, como erros sectários do PC já stalinizado, se abre espaço para a ascensão mostruosa do Partido Nazista.

Na Alemanha, entre 1918 e 1919, surgiram conselhos de trabalhadores e soldados, que demandavam reformas sociais e políticas. O líder social-democrata Friedrich Ebert tornou-se o primeiro presidente da República de Weimar. No entanto, a tentativa de realizar uma revolução socialista foi reprimida por grupos paramilitares de direita, resultando em conflitos violentos ao longo desse período. Se essa revolução tivesse se concretizado, ela poderia ter rompido com o isolamento da Rússia Soviética.

Em 1923, as massas se levantaram novamente. No mês de outubro desse ano, o Partido Comunista da Alemanha (KPD) convocou uma greve geral e uma insurreição popular. Contudo, a tentativa foi mal organizada e descoordenada, em grande parte devido a vacilações na política do KPD. Isso acabou facilitando a reação das forças de direita e do governo para suprimir o movimento revolucionário.

Por causa da derrota sofrida pela Alemanha na Grande Guerra, a vida política desse país tem sido particularmente marcada pelas crises, o que, em cada ocasião tem colocado a vanguarda revolucionária do proletariado alemão diante de uma situação repleta de graves responsabilidades. Durante os cinco primeiros anos que se seguiram à guerra, a causa imediata das derrotas sofridas por esse proletariado foi a extrema debilidade do partido revolucionário; nos cinco anos seguintes, foram os erros da direção que constituíram essa causa. […]

Em 1918–1919, com situação revolucionária, não havia ainda sido preparado completamente um partido proletário revolucionário. Em 1921, quando ocorreu o refluxo, o Partido Comunista, que já era bastante forte, tentou fazer um chamado à revolução, mas faltavam as condições prévias. […]

Desprovida de envergadura revolucionária e de iniciativa, a direção se desfez diante do giro brusco de uma situação que evoluía à esquerda, o outono de 1923.

TROTSKY, Leon. Stalin, O Grande Organizador de Derrotas: A Internacional depois de Lênin. Editora Iskra. pg. 53

Na Hungria, a situação foi um pouco diferente da Alemanha. A classe trabalhadora conseguiu alcançar o poder e instituir a República Soviética da Hungria, um governo formado a partir dos sovietes. No entanto, essa república só duraria 113 dias. Em 1º de agosto, as tropas do exército branco invadiram a Hungria soviética e restauraram o antigo poder.

Além da contrarrevolução na Alemanha e na Hungria, a luta da classe trabalhadora foi reprimida na Itália, na Áustria e na Inglaterra. Todos esses eventos contribuíram ainda mais para o isolamento da Rússia Soviética.

Com essas derrotas, em abril de 1925, Nikolai Bukharin elaborou a questão em sua livro “Podemos construir o socialismo em um país na ausência da vitória do proletariado da Europa Ocidental?”, em contraposição à perspectiva mais internacionalista de Leon Trotsky da “Revolução Permanente” e a ideia de que o sucesso do socialismo dependia da expansão da revolução proletária para outros países, uma vez que o sistema capitalista é global e as relações comerciais são capitalistas, o socialismo apenas na URSS levaria a um isolamento, a uma burocratização e por fim a derrota do Estado operário isolado. A teoria do “Socialismo em um Só País” afirmava que a União Soviética tinha a capacidade de construir e sustentar uma sociedade socialista dentro de suas fronteiras, independentemente do sucesso ou fracasso das revoluções em outros lugares.

Stalin, posteriormente, adotou e consolidou essa teoria como a linha oficial do Partido Comunista. Ele argumentou que, dadas as condições econômicas e políticas da União Soviética, era possível construir uma base socialista robusta no país sem depender da revolução global. Stalin enfatizou a importância do desenvolvimento da indústria pesada, da coletivização agrícola e da expansão do poderio militar, tudo visando a fortalecer o estado socialista e a garantir a autossuficiência, acreditando numa suposta neutralização da burguesia internacional, teoria que mais tarde seria transformada na teoria da coexistência pacífica com o capitalismo, totalmente o oposto do marxismo de Marx, Engels e Lênin.

No Manifesto do Partido Comunista, Marx diz o seguinte:

Os comunistas são ainda mais reprovados com o desejo de abolir países e nacionalidades. Os trabalhadores não têm país. Nós não podemos tirar deles o que eles não têm. Uma vez que o proletariado deve, antes de mais nada, adquirir supremacia política, deve ser a classe dominante da nação, deve constituir-se a nação, é, até o momento, ela mesma nacional, embora não no sentido burguês da palavra.

O desenvolvimento da falsa teoria do “Socialismo em um Só País” teve implicações profundas na política soviética e nas relações internacionais. A política de industrialização forçada, conhecida como “Primeiro Plano Quinquenal”, foi uma expressão concreta dessa teoria, buscando transformar a União Soviética de uma nação agrária atrasada em uma potência industrial moderna. A coletivização agrícola também foi implementada como parte dessa estratégia, buscando consolidar o controle estatal sobre os meios de produção.

Essa teoria antimarxista resultou na completa renúncia à luta pela revolução mundial e pelo socialismo, subordinando todas as experiências revolucionárias de outros países, o proletariado e os partidos comunistas à defesa da burocracia Soviética. Além disso, com a trágica experiência da Revolução Chinesa, a Internacional Comunista adotou oficialmente a teoria menchevique etapista, afirmando que em países do terceiro mundo, subdesenvolvidos e atrasados, o socialismo ainda não estava maduro o suficiente. Portanto, os comunistas deveriam apoiar a burguesia nacional na realização da Revolução Burguesa, a fim de promover o desenvolvimento do capitalismo. Num futuro momento, quando o capitalismo estivesse plenamente desenvolvido, seria possível realizar a revolução socialista.

A partir deste ponto, Trotsky aprofunda a sua teoria da Revolução Permanente, confrontando a teoria menchevique de Stalin e da Internacional Comunista, bem como a teoria do “socialismo em um único país”. Trotsky afirma que não existe mais a antiga distinção entre “países maduros” ou “não maduros” para o socialismo.

Enquanto a opinião tradicional considerava que o caminho para a ditadura do proletariado passa por um longo período de democracia, a teoria da revolução permanente proclamava que para os países atrasados, o caminho para a democracia passa a ditadura do proletariado. Por conseguinte, a democracia era considerada não como um fim em si, que deveria durar dezenas de anos, mas como o prólogo imediato da revolução socialista, à qual se ligava por vinculo indissolúvel. Desta maneira, tornava-se permanente o desenvolvimento revolucionário que ia da revolução democrática à transformação socialista da sociedade.

TROTSKY, Leon. A Revolução Permanente

Finalmente, com a restauração do capitalismo na Rússia e nos países do leste europeu no final do século XX, infelizmente se confirmou-se a veracidade da teoria e da previsão de Trotsky. Ele afirmou que, caso não ocorresse a expansão da revolução de outubro e a derrota da casta burocrática soviética por meio daquilo que Trotsky definiu como uma revolução política, o capitalismo prevaleceria e venceria o Estado operário isolado devido a linha restauracionista da própria burocracia.

Através da teoria do socialismo em um único país, Stalin e o PCUS abandonaram a revolução mundial, substituindo-a pela coexistência pacífica com o capitalismo e o imperialismo. Isso resultou na consolidação da burocracia e de seus privilégios, os quais, mais tarde, levaram essa mesma burocracia a restaurar o capitalismo na URSS. Adicionalmente, adquiriram diversas empresas antes estatais, as quais foram privatizadas pelo novo governo capitalista da Rússia. Dessa forma, os antigos burocratas do Comitê Central do PCUS se tornaram as figuras mais ricas da Rússia atual. Na China, onde os burocratas esmagam com tanques os protestos anti-burocráticos da praça da paz celestial, o que temos hoje é uma ditadura capitalista do PCChines.

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