TEXTO 2 – 100 anos de luta contra a burocracia: as “lições de outubro”

Henrique Lignani, CST do RJ

Na edição anterior do Combate Socialista, vimos o contexto no qual a Oposição de Esquerda deu os seus primeiros passos dentro do Partido Comunista da URSS. Em 1923, esse grupo surgiu a partir da luta de velhos dirigentes bolcheviques, enfrentando sobretudo a burocratização levada à frente pela Troika de Stalin, Kamenev e Zinoviev. A reação da direção stalinista partiu de uma campanha de difamação contra aqueles militantes, em especial contra Leon Trotsky, campanha que antecedeu e preparou o terreno para os futuros expurgos, prisões e posteriormente os assassinatos.

Longe de retroceder, a Oposição de Esquerda seguiu com suas batalhas. Dessa forma, foram elaborados importantes documentos, como a conhecida obra de Trotsky, “As lições de outubro”. Inserido nesse contexto, o texto é uma resposta de Trotsky às calúnias, resgatando o debate histórico sobre a tomada do poder pelos bolcheviques, em outubro de 1917, e o papel cumprido por aqueles que então ocupavam o Comitê Central do partido.

Trotsky e os mencheviques

Um dos principais eixos da campanha de difamação stalinista era a acusação de que Trotsky teria sido menchevique – defendendo as concepções teóricas e o programa deles – até o último momento antes da revolução de outubro. Tal mentira partia do fato de que inicialmente, no momento de surgimento da cisão entre mencheviques e bolcheviques, em 1903, Trotsky se posicionou em favor de uma conciliação entre as duas tendências, o que gerou uma série de polêmicas com Lenin. Uma posição que o próprio Trotsky relata e se autocritica abertamente em várias ocasiões.

Mas vejamos melhor o amalgama inverídico das calunias de 1923. A principal posição política que caracterizou historicamente os mencheviques é a defesa de uma aliança entre o proletariado e setores da burguesia, baseada teoricamente na concepção de que a etapa revolucionária na Rússia seria democrático-burguesa. Nesse ponto fundamental, nunca houve identificação entre Trotsky e o menchevismo. Ao contrário, desde 1905 Trotsky já desenvolvia sua teoria da revolução permanente, afirmando que mesmo as tarefas democrático-burguesas poderiam ser levadas à cabo apenas pelo proletariado no curso de sua luta pela revolução socialista, posição confirmada com a revolução de outubro.

As posições mencheviques dentro do Partido Bolchevique

No texto “As lições de outubro”, de 1924, Trotsky demonstra, porém, que às vésperas da tomada de poder pelo proletariado russo de fato existiam posições mencheviques no CC do Partido Bolchevique. Entretanto, tais posições partiam daqueles que agora caluniavam a Oposição de Esquerda.

Segundo Trotsky, até o momento da chegada de Lenin na Rússia, em abril de 1917, o Pravda, jornal do Partido Bolchevique publicava posições favoráveis a “exercer pressão sobre o governo” em questões fundamentais, não defendendo enfrentá-lo diretamente. Trotsky denunciava essas posições, argumentando que: “através de uma pressão não se pode forçar a burguesia a mudar de política numa questão de que depende a sua sorte. […] Das duas uma: ou se seguia a burguesia até ao fim, ou então levantavam-se as massas contra ela, arrancando-lhe o poder”. A batalha de Lenin foi fundamental para rearmar o partido bolchevique e pode ser consultada nas famosas “teses de abril” elaboradas no calor da luta pública daquele momento.

Nesse sentido, a Conferência de abril do Partido Bolchevique girou em torno da questão central: o proletariado deve-se lançar à tomada do poder ou concluir a revolução democrática? Kamenev, aliado de Stalin na luta contra a Oposição de Esquerda após 1924, se opunha a Lenin naquele momento crítico da revolução russa, defendendo que enquanto revolução burguesa não tivesse sido concluída, era preciso fazer bloco com a pequena burguesia e pressionar o governo. Como pode ser percebido, a posição de Kamenev era muito próxima ao que defendiam os mencheviques. Não é coincidência que o relatório daquela conferência ainda não estava impresso em 1923. Tratava-se de uma manobra da burocracia a fim de evitar que se conhecessem as reais posições dos que então ocupavam a direção do partido e, assim, ser possível manter as calúnias contra Trotsky e os membros da Oposição.

A influência de Lenin em 1917 conseguiu fazer com que o CC bolchevique fosse levado à esquerda e para a via da revolução. Dessa forma, em outubro já se preparava a insurreição e a tomada do poder por parte da classe trabalhadora. Mesmo naquele momento parte da direção do partido mantinha sua luta contra a revolução. Kamenev e Zinoviev, em carta ao CC, afirmavam: “Estamos profundamente convencidos de que proclamar nesta altura a insurreição armada, é pôr em jogo, não só a sorte do nosso Partido, mas também a da revolução russa e internacional”. Defendiam que não havia disposição das massas para a revolução; assim, o partido deveria ser uma oposição na assembleia constituinte burguesa, apoiado nos sovietes, aumentando a sua influência com o passar do tempo.

A importância das “lições de outubro”

Os debates travados dentro do CC bolchevique em 1917 eram de grande importância para a luta da Oposição de Esquerda. Por meio do resgate das posições defendidas naquele contexto, ficava evidente que houve um setor contrário a insurreição até momento final da tomada do poder. Na primeira metade dos anos 1920, aquele era um debate de consequências muito graves, pois a mesma linha defendida por parte da direção bolchevique e derrotada em 1917 graças a ação de Lenin, foi aplicada na Alemanha em 1923, o que levou ao fracasso da revolução naquele país.

Por fim, ressalta-se que em 1917 as posições mencheviques eram defendidas ferrenhamente por Zinoviev e Kamenev, dois aliados fundamentais de Stalin no combate à Oposição de Esquerda. Este, por sua vez, manteve-se alheio das polêmicas naquele momento central para a revolução. Anos mais tarde, de forma desonesta, eram justamente esses dirigentes que diziam falar em nome de Lenin e da Revolução de Outubro, caluniando Trotsky e a Oposição de Esquerda por posições que, na verdade, eles mesmos haviam defendido.

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